Milly Lacombe tenta responder a pergunta de todos os dias: Por que te amo tanto?
Vou te contar, meu amor, por que eu acho que você é a mulher mais interessante do mundo.
Primeiro, naturalmente, porque você é alta, tem as costas largas e uma pinta bem embaixo do olho direito - uma combinação que é só sua. E, há quatro anos, minha também.
Depois, porque a sua pele é cor de mel, a sua sobrancelha é grossa e, embora esteja quase sempre deliciosamente despenteada, é moldada aos seus olhos, que têm um desenho perfeitamente assimétrico, sendo o esquerdo levemente menos arredondado do que o direito - apenas mais uma de suas sublimes imperfeições.
Tem também o seu jeito marrento de andar, que não deixa dúvidas sobre a pegada que você impõe à vida: forte, determinada, sem muita margem para erros. Tem o cabelo cheio de volume e longo, que sempre brilha muito e cai suavemente sobre suas costas largas - e sobre o meu rosto na cama.
Tem o jeito que você mexe a cabeça quando dança e o ritmo cadenciado com que as suas mãos passeiam pelo meu rosto, dizendo, numa linguagem que é só delas - e minha há 50 meses -, que me amam. O jeito que você segura o cigarro, que mexe naquele pelinho do queixo que é só seu - e, vá lá, faz algum tempo, meu também.
Tem o bico que se instala no seu rosto sem que você perceba e a maneira como você fala com a sua mãe ao telefone, inigualavelmente doce e atenta.
Tem ainda o jeito esparramado que você deita de bruços na cama, desafiando meu poder de encaixe, que sempre te surpreende. E o sacolejo que só você sabe dar para fazer com que aquela calça abençoadamente mais justa suba até onde você quer que ela suba. E então eu vejo seu corpo moldado pela calça (ou a calça moldada pelo seu corpo, mais correto) e entendo que aquelas curvas são só suas, intensamente suas - e, há alguns anos, orgulhosamente minhas.
Banalidades
Posso também falar do jeito moleque que você anda de bicicleta, eu atrás, temendo que minha mulher derrape e se estatele no asfalto. Mas isso não acontece, porque você é a única senhora de seus domínios, e eles são vários.
Tem o jeito que você se veste, que vai do largado ao clássico, passando pelo pop sofisticado. Tem o jeito cheio de ritmo que você faz amor, e que me beija na cama. E os pelos que crescem em sentido contrário na sua perna, e que são só seus - e meus, há inacreditáveis 50 meses.
Tem a forma como você tempera a salada, alternando, com os talheres, as folhas, suavemente de cima para baixo, de baixo para cima, a fim de que o azeite que você acabou de jogar possa lambuzar todas as folhas, sem um único centímetro de exceção.
Tem o jeito que você se comporta nas festas, buscando uma nova forma de ver a realidade, e o jeito que você mexe e remexe o maxilar sempre que está com seus sentidos superaguçados.
Tem o jeito sério e maduro que você vê a vida, e a variada lista de assuntos que fazem parte do nosso menu de conversas, que vão do futebol - sempre fundamental - ao futuro da humanidade, passando - para meu delírio - pelas fundamentais banalidades.
Tem o jeito que você prende a toalha no cabelo molhado e passa creme no corpo depois do banho, enquanto acha que eu ainda durmo. Você coloca o pé direito sobre a cama (o direito primeiro, sempre) antes de espalhar, com a palma da mão bem aberta, o creme pelos pés, canelas, coxas - incluindo, de forma quase displicente, a parte interna delas -, barriga, peitos, colo, ombros, braços. Nessa ordem - imaculadamente sua, e minha há tantos e indescritíveis meses.
Doce futuro
Tem o jeito manhoso que você me pede um beijo, que esfrega seu rosto no meu, que diz "eu banana". E o jeito que você seca o cabelo de manhã, de salto alto e sem mais nenhuma peça de roupa, para brincar com minha libido e me fazer delirar. E o jeito que você desafia minha timidez, minhas manias, meus traumas.
O jeito que você me fala sobre o seu trabalho, sobre seus sonhos, sobre nossa casa na montanha. O jeito que você me tira para dançar no meio da sala numa quarta qualquer à noite, enquanto a cidade dorme. O jeito que você passa gloss no carro e deita sobre meu ombro na cama. O jeito único que você me lê e me vê. O jeito que você me sente, me seduz e me conduz.
E tem, finalmente - embora eu pudesse continuar a listar os motivos que me levam a ter certeza de que a minha mulher é a mais interessante do mundo -, o jeito travesso e poético com que você sonha com nosso incerto, mas cada dia mais doce, futuro.
Mas, talvez, mais do que tudo, tem o jeito como você, com gestos, palavras e sentimentos, não para de me surpreender. E consegue, numa manhã qualquer de domingo, ver nosso jardim dentro dos meus olhos.
A carioca Milly Lacombe, 42 anos, é jornalista. Seu e-mail: millylacombe@uol.com.br