A carioca Maridu – 30 anos, jogadora de pôquer da pesada – vive entre altos e baixos
ogo, dinheiro, noites viradas, remédios. A carioca Maridu – 30 anos, jogadora de pôquer da pesada – vive entre altos e baixos. Sem blefar, ela revela suas jogadas de vida, certeiras ou não, nas páginas a seguir
Maridu não tem nada na manga. Faz tempo que a sorte não dá as caras. Nada de vir um jogo bom na mão. O certo seria, de novo, recuar. Mas Maridu não é desse tipo. Ela parte para o ataque. Sob as abas curvadas do seu chapéu texano, com a cara-de-pau esculpida pelo Botox, ela empurra todas as suas fichas para o centro da mesa e encara o adversário. Ele também olha fundo, busca no rosto da carioca alguma pista que denuncie o golpe. Não encontra. O sujeito cai na face inexpressiva de Maridu e não cobre sua aposta. Mesmo sem cartas, ela leva tudo. “O grande segredo do jogo é o Botox!”, revela.
Num tom de voz elevado, sempre cheia de orgulho, Maria Eduarda Mayrinck (que não tem parentesco com a família carioca Mayrink Veiga), 30, conta essa e outras histórias da sua vida na jogatina. Num hotel de San José, capital da Costa Rica, onde acontece uma etapa do Lapt (Latin American Poker Tour), os corredores acarpetados cheiram a pernil natalino e a tabaco. No bar, estão jogadores experientes e outros de 20 e poucos anos que – apesar do clima tropical lá fora – preferem a tela verde do jogo de pôquer pela internet.
Em 2008, por causa de seus bons resultados on-line, Maridu foi convidada para fazer parte do time da Poker Star, maior site de pôquer do mundo, que tem em seu time o primeiro e o terceiro colocado do Tourney Poker World Rankings (dos 200 primeiros colocados, apenas três são mulheres). Esta é a primeira vez que ela entra patrocinada num campeonato. Ou seja, não precisou pagar os US$ 3.500 da inscrição, recebe um salário mensal que “paga as contas” e, se vencer, fica com todo o prêmio.
A prática da jogatina na internet vem crescendo mundialmente desde 2003, quando um contador de nome bem adequado, Chris Moneymaker, se inscreveu por US$ 39 numa competição on-line, ganhou pontos para participar de um mundial ao vivo e, apesar de amador, venceu e levou pra casa US$ 2,5 milhões, disseminando a idéia de que, experiente ou não, qualquer um pode ganhar dinheiro fácil. Atualmente, o que chama a atenção é o número de jovens ganhadores. O vencedor desta etapa do Lapt, um americano de 22 anos, recebeu US$ 285.773 mil. No mesmo mês, num campeonato em Las Vegas, um austríaco de 19 anos embolsou US$ 9 milhões.
Vida on-line
Um dia antes do campeonato, às 13h, vestida de camiseta do Mickey, calça Diesel e Havaianas, Maridu tinha acabado de tomar o café-da-manhã e já estava ocupadíssima. Entre um cigarro e outro, era difícil desviar sua atenção da tela do computador. No quarto de ar-condicionado potente, num hotel vizinho àquele com cheiro de pernil, Maridu e Stephen, um jogador americano de 19 anos – magrinho e quase careca –, disputavam partidas dominicais. Cada um com seu laptop.
Ela também já levou suas boladas virtuais. De 2006 para cá, ganhou US$ 135.602 pela internet, e mais de US$ 80 mil em torneios ao vivo. E o que ela fez com tudo isso? “Nada de excitante.” Reinvestiu no pôquer. Para ela, o que importa não é a grana, mas o prazer de jogar. Quando perde, fica tão brava que um número infindável de mouses e laptops já foi lançado ao chão. “Num torneio brasileiro caí em quarto lugar. Furiosa, tomei um Frontal [remédio ansiolítico] e fiquei ótima.”
Jogo na veia
Hoje passa de quatro a dez horas por dia jogando no computador e encara o pôquer como um trabalho. Mas nem sempre foi assim. O jogo já a fez pagar a conta de uma depressão. “Quando você começa a ganhar dinheiro, é difícil parar. Já passei mais de dez dias enfiada em casa. Não saía, não via ninguém, não tomava sol”, lembra. Uma de suas grandes amigas, a estilista e assistente de Isabela Capeto, Duda Braga, conta que ficou preocupada: “Uma vez fomos viajar e, durante uma semana, ela passava as noites jogando sem parar enquanto eu dormia!”.
Formada em sociologia, antes de entrar para o jogo Maridu trabalhou, de 2003 a 2007, como roteirista de programas da Globo como Sob Nova Direção, Zorra Total e Sítio do Picapau Amarelo. Até que o vício falou mais alto e ela decidiu virar, apenas, jogadora.
A relação com o jogo vem do berço. Foi seu pai, “jogador da pesada”, que a introduziu nos cassinos. “Com ele, aprendi a lógica do cassino. Como tratar os dealers [quem dá as cartas], quando dar caixinha aos garçons...” A família carioca mudou-se para os Estados Unidos depois que o patriarca, presidente de uma empresa de commodities, foi transferido. Ele jogava “blackjack, pôquer, bacarat, tudo”. Um dia acabou perdendo a sorte: falido, morreu de um ataque no coração aos 45 anos, quando Maridu tinha 15.
Foi um amigo que lhe apresentou, há cinco anos, esse pôquer com cara de videogame. “Descobri o geninho da lâmpada. Fiquei completamente transtornada. Olhava para as mesas e via que podia ser muito boa naquilo”, conta, enquanto toma uma de suas oito latinhas diárias de Coca-Cola e fecha a bolsa amarela Balenciaga (“tenho oito modelos da marca”). Quando está jogando fora do Brasil ela sempre carrega na bolsa uns US$ 10 mil e uma cartela de Prilosec, remédio para queimação estomacal.
Na Costa Rica, Maridu não vence o torneio, mas logo no começo faz uma jogada única, um Royal Flush, combinação de cartas que só acontece uma em cada 649 mil vezes. Com sua “figa natural”, dois dedos do pé que já nasceram entrelaçados, ela corre até a mesa do namorado e conta o feito. “Gorducho”, ou Jonathan Van Fleet, um americano que joga de 8 a 14 horas diárias de pôquer pela internet, é seu par há oito meses. Desde então, ela está passando uma temporada em Austin, no Texas. E sabe que precisa se policiar para não enlouquecer de tanto jogar: “Se não levar o jogo como um emprego mesmo, de no máximo oito horas por dia, se não perder dinheiro, vou acabar perdendo a vida”.
TPM+
Os bastidores do campeonato de pôquer e as descobertas e os perrengues passados pela nossa repórter em San José, capital da Costa Rica
Por Luara Calvi Anic
Depois de assistir a Beijo Roubado, de Wong Kar-Wai, com Natalie Portman no papel de Leslie – uma jogadora de pôquer da pesada que sai pelas estradas americanas de possante conversível –, resolvi encontrar uma jogadora brasileira que tivesse um pouco do espírito do filme.
Foi nessa busca que cheguei a Maria Eduarda Mayrinck, a Maridu, uma carioca de 30 anos que aprendeu a jogar com o pai e que também adora um carrão, assim como Leslie. Quando telefonei pela primeira vez para a carioca, ela estava em Las Vegas alugando um Porsche com seu namorado. Além do quatro rodas, Maridu também costuma se locomover com uma Vespinha pelas ruas da cidade americana.
Sobre duas rodas
Em San José, capital da Costa Rica, onde aconteceu uma etapa do Lapt (Latin American Poker Tour), passei cinco dias na cola da jogadora para escrever o perfil que você lê na edição 84 da Tpm. Lá, eu e meu parceiro de reportagem, o fotógrafo Bruno Miranda, saímos em busca de uma Vespa. Queríamos fazer uma foto de Maridu na motoca.
Topamos com uma Vespinha caindo aos pedaços parada na garagem do hotel. Segundo os funcionários, a chave andava sumida havia tempos. Não pensamos duas vezes e saímos empurrando a moto até uma avenida próxima. Enquanto Maridu posava de motoqueira, uma van da polícia local se aproximou da gente. Pensamos: “Pronto, saímos sem pedir autorização e o hotel deu falta da motoca sem chave!”. Engano nosso, os costa-riquenhos nem sequer notaram o empréstimo e os policiais vieram avisar que lá corríamos o risco de assalto. Maridu, com sua bolsa Balenciaga a tiracolo, deu um grito: “Sou uma jogadora de pôquer! Ando com muito dinheiro na bolsa!”. Depois, pelo telefone, perguntei quanto ela costuma carregar: “Quando estou viajando para jogar, ando com uns US$ 10 mil”. Mal sabíamos que estávamos fotografando um cofre ambulante!