Je suis imigrante (e a gente sofre preconceito SIM)

por Nina Lemos

”Por que você vem pra cá se no Brasil tem tanto espaço? Existe preconceito na Europa!

Eu não sou Charlie Habdo. Também não sou muçulmana. Acontece que, de uns meses para cá, Je suis imigrante. Não, não sei até quando serei, já aviso, antes que um alemão me faça a pergunta predileta de alguns: “quando você vai embora?”

Essa pergunta é uma das mais usadas em conversas de mesa de bar que logo viram questionários do Auslaenderbehöerde (o serviço de estrangeiros na Alemanha e um dos lugares mais assustadores onde já fui na vida).

Outra pergunta muito comum nos questionários de Auslaenderbehöerde de bar é: “o que você está fazendo aqui?”

Ela não é dita de um modo agressivo. Mas, depois de responder que eu sou jornalista e amo Berlim, posso escrever de onde estiver e consegui me agilizar para morar aqui escrevendo PARA O BRASIL (dado importante, já que eu nunca vou tirar o emprego deles), sempre voltopara casa e me toco que essa é uma pergunta rude e preconceituosa sim.

É muito diferente de perguntar o que eu faço aqui. A gente não pergunta isso para os nossos amigos gringos na praia do Arpoador. E mais, a gente no Brasil é tão bonzinho que se eles responderem: "não sei quando vou embora", vamos achar o máximo e ficar deslumbrados com esse amor lindo que nosso País desperta. Bem. Em Berlim não é assim.

Sou branca, jornalista (uma profissão aceita) e escrevo PARA O BRASIL. Então, não sofri por enquanto (por enquanto, porque sei que vou sofrer) preconceito maior do que os interrogatórios. Mas perguntei para várias pessoas que moraram em território europeu o que já passaram. Né fácil não, meu povo!

“Estava estudando literatura espanhola e hispanoamericana em uma universidade em Madri e volta e meia me perguntavam: 'e depois que você terminar o curso, você vai voltar?' Eu não perdia o rebolado e respondia que sim, que eu tenho emprego garantido lá. Uma vez eu e uma amiga, cansadas de ser tratadas como brasileiras fáceis, destilamos culturas para cima de uns espanhóis, que ficaram murchinhos. O segredo é não perder o orgulho.”

Cynara Menezes, jornalista e autora do blog Socialista Morena morou na Espanha

“Nas duas vezes que fui para Barcelona sofri muito, muito preconceito mesmo por acharem que eu sou árabe. A islamofobia tem muito do racismo. Nada poderia indicar que eu sou mulçumano, então, o problema era com a aparência mesmo. Eu tomei nojo de Barcelona. Fui ignorado em uma padaria, ignorado em filas de clubes (não me atendiam quando chegava a minha vez e todos passavam na minha frente). E uma caixa de supermercado me fez abrir a mochila para mostrar o que tinha dentro. Fui bem maltratado. Mesmo.” 

Gustavo Villas Boas não quer voltar para Barcelona 

“Andava eu sozinho na Torstrasse, em Berlim. De repente do outro lado da rua alguém me chama. Me lembro de ter ficado feliz porque sim, a gente brazuca fica carente nessas terras em que ninguém fala com ninguém. Quando olhei para o outro lado da rua tinha uns quatro adolescentes que começaram a gritar: Swartz, swarts! (preto, em alemao). Ah, e minha sogra, quando soube que minha namorada tinha um namorado brasileiro perguntou: quanto preto ele é?"

Marcelo, escritor, prefere não se identificar para não tretar com a família alemã 

“Primeiro tem o de sempre, eles acharem que vamos roubar o emprego deles. Um irlandês quase agrediu uma amiga minha na rua porque ela estava distribuindo currículos. E tem, também, o fato de acharem que a nossa sexualidade é diferente, que um gay não quer compromisso sério. Já aconteceram situações bem chatas. Um dia perguntei o preço de uma camiseta do Bowie e quando o senhor me respondeu agradeci e fui saindo. Ele comecou a me xingar: brasileiro é sempre assim, olha e não compra nada!". Outra vez, voltando para casa de um clube, fui surpreendido por neo-Nazis com um pedaço de pau no caminho. Eu, que já levei 9 pontos na cara por ser alvo de homofobia em São Paulo, entrei em pânico, saí correndo e graças a deus encontrei um táxi. O motorista, indiano, entendeu tudo, me levou em casa e ficou me esperando entrar e estar seguro.” 

Junior Milério mora na Irlanda

“Estou morando na Itália há dois anos. Estava na fila do supermercado e uma senhorinha italiana veio fazer a simpática comigo. Quando percebeu que eu era estrangeira, perguntou o porquê nós, "latinos", gostávamos tanto de ir para a Itália. E completou: "nossa, mas a Europa é tão pequena e o país de vocês tão grande, não vai caber todo mundo aqui não, heim?" 

Raquel Gaudard mora na Itália

 

O bagulho é duro, manos! E eu to pensando seriamente em fazer uma camiseta escrito #jesuisimigrante e andar por Berlim para ver o que acontece.

Ah, esse assunto continua. Depois de muitos relatos, muitos mesmo, volto para falar da nossa fama de puta. Tá bom ou quer mais açúcar? :-)

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