A jornalista Jancee Dunn acaba de lançar o livro Enough About Me, sobre o mundo das celebridades
Cena 1: Kurt Cobain está sentando num banco do parque. Ele toma um sorvete, que, enquanto derrete, pinga na cabeça de sua filha pequena, sentada embaixo dele. Ele não percebe. Cena 2: Mariah Carey almoça num restaurante bacana, enquanto as pessoas sentadas à mesa com ela a assistem comer. Ela não oferece nada a ninguém. Cena 3: Sting está supermal-humorado porque acaba de perder o prêmio de melhor artista masculino no MTV Awards. Ele grita com a assessora dizendo que tudo aquilo foi uma grande perda de tempo.
Essas e outras cenas estão no livro Enough about me, de Jancee Dunn. A jornalista, que há 20 anos escreve para a Rolling Stone americana, está acostumada com isso. Entrevistar rock star faz parte da sua vida. “Muitas coisas aconteciam de último minuto na Rolling Stone. Então, se a celebridade não fosse considerada cool pelos outros repórteres – por exemplo, Boy George, Cindy Lauper, Cher ou alguém assim – ninguém queria ir. Mas eu ia, me oferecia para fazer tudo! E gradualmente comecei a fazer minhas próprias coisas”, conta Jancee ao site da Tpm.
Nascida em 1966 em Nova Jersey, a jornalista caiu por acaso em uma das maiores revistas de música do mundo. Ela trabalhava em uma agência de publicidade “podre”, quando mandou seu currículo para a revista e deu certo. Assim, como o destino. Jancee já foi VJ da MTV, colabora com revistas como Vogue e Vanity Fair e jornais como New York Times. Esse é o seu primeiro livro, e foi sobre ele – e o mundo de glamour, drogas e antipatia do rock – que ela falou ao site da Tpm.
O título do seu livro (But enought about me) é uma alfinetada nas celebridades? Alguém em particular?
Esta é uma boa pergunta! Existem alguns sentidos: um é o de que, quando você está perto de celebridades, elas não querem ouvir sobre você. Elas só querem falar sobre elas mesmas. Não é uma conversa, é uma entrevista. Então eu aprendi muito rápido a nunca falar sobre mim, jamais. Depois eu parei de fazer isso na minha vida particular também – eu me tornei alguém muito fechada. Depois eu escrevi um livro inteiro sobre mim mesma, então o título é meio irônico também.
Você nasceu em uma família conservadora de Nova Jersey. Como foi parar na Rolling Stone?
Quando terminei o colégio, comecei a trabalhar numa agência de publicidade podre em Nova Jersey. Meu trabalho era checar fatos para propagandas de remédios para o coração. Eu achava que minha vida tinha praticamente acabado. Então, conheci uma garota em uma festa que trabalhava na RS. Perguntei se podia mandar pra ela meu currículo, para ela repassar para as pessoas da revista. Eu quase desmaiei quando me chamaram para fazer uma entrevista de trabalho lá. Quando consegui o emprego, honestamente achei que era um tipo de brincadeira.
Qual é a sua história no jornalismo?
Eu fiz inglês, e não jornalismo, porque amo ler. Eu acho que a formação em inglês é tão boa quanto em jornalismo. É importante ler os livros clássicos. Alguns influenciam sua escrita sem você nem perceber, eu acho. Então eu comecei a fazer pequenos artigos para a Rolling Stone, comecei daí.
Você se lembra da primeira matéria que fez na RS?
Foi uma entrevista com a atriz Mary Tyler Moore. Ela foi muito gentil. Eu me lembro de ter falado para ela que era minha primeira entrevista da vida, o que foi provavelmente um insulto para alguém que ganhou sete Emmy.
Qual foi sua primeira impressão ao se mudar de Nova Jersey para Nova York e começar a trabalhar em uma das maiores revistas de música do mundo?
Bem, eu comecei a trabalhar lá no fim dos anos 80 e era uma menina de Nova Jersey com um permanente enorme no cabelo, unhas pintadas de vermelho, maquiagem, muito perfume e uma corrente de ouro no pescoço. Eu não me parecia com ninguém na revista. Eles eram muito mais sofisticados. Eu sabia que era diferente. Ainda a maioria de lá tinha frequentado escolas da Ivy League, como Harvard e Yale. Eu tinha estado numa escola ruim de estado e nunca me formado. Eu não fiz amigos a princípio. Então aprendi a secar meu cabelo para disfarçar o permanente, parei de mascar chicletes e, aos poucos, comecei a me encaixar.
Reprodução da capa do livro e sua autora
Como começou a entrevistar celebridades?
Nós tínhamos poucos redatores na RS, e as vezes o editor dizia “temos uma entrevista para fazer agora, de último minuto, essa tal celebridade está no fim da rua em tal hotel, alguém pode correr lá e fazer uma entrevista rápida?”. Muitas coisas aconteciam de último minuto. Então se a celebridade não fosse considerada cool pelos outros repórteres – por exemplo, Boy George, Cindy Lauper, Cher ou alguém assim – ninguém queria ir. Mas eu ia, me oferecia para fazer tudo! Entrevistava pessoas que nenhum outro colega queria e gradualmente comecei a fazer minhas próprias coisas.
Qual foi sua primeira grande entrevista?
Johnny Rotten, dos Sex Pistols. Ele fazia jus ao nome e tinha uma péssima atitude. Ele disse “eu odeio sua revista”. Depois de um tempo eu me impus e ele gostou mais de mim. Depois disso, entrevistei Sting, que estava num péssimo humor porque tinha acabado de perder o Melhor Vídeo Masculino, no MTV awards. Ele gritava com a assistente dizendo que o show tinha sido um desperdício de tempo.
Você passou a viver uma vida parecida com a das celebridades que entrevistava?
Eu com certeza comecei a ter um gosto mais caro e a comprar muitas roupas e sapatos de designer. Eu queria estar bonita, como as celebridades. A ironia é que a maioria das celebridades ganha as coisas, e eu recebia US$ 18 mil por ano de salário. Mas uma coisa boa é que eu ganhava almoços, jantares e até mesmo idas a bares e clubes! Eu saía toda noite e bebia de graça – e isso era o céu para uma menina de 25 anos. Mas, sim, eu fiquei com uma dívida grande que demorei anos e anos para pagar. E comecei a me vestir como uma idiota – eu tinha três pares de calça de couro, branca, preta e marrom. Calças de couro brancas?!
Quais foram as celebridades mais difíceis que entrevistou?
Jewel, Aerosmith, que foram muito chatos, Green Day, que estavam bêbados e tiraram sarro da minha cara – foi tão chato que a gravadora deles mandou eles me ligarem no dia seguinte para se desculparem.
Os mais superficiais?
Mariah Carey. Nos encontramos para almoçar e ela comeu, mas ninguém me serviu o almoço! Então fiquei olhando ela comer!
Jancee e o Green Day: pior entrevista
A melhor surpresa?
Madonna. Eu estava com medo porque ela é muito famosa, mas é também tão educada, profissional, engraçada e interessada em tantas coisas diferentes, de artes a filmes antigos, a peças da Broadway.
Você entrevistou algum ídolo? Quem e como foi?
Mick Jagger, que é tão inteligente, engraçado e charmoso. Algumas vezes eles decepcionam, mas ele com certeza não foi o caso. Kurt Cobain foi um pouco decepcionante – ele era tão talentoso, mas quando o entrevistei ele estava realmente fora de si. Ele tomava um sorvete que ficava pingando na cabeça de sua filha pequena, que estava sentada embaixo dele e ele não tinha ideia. Dolly Parton também era um ídolo meu – eu cresci ouvindo ela, que talvez tenha sido minha entrevista preferida de todos os tempos. Ela é muito inteligente e vale US$ 300 milhões. Ela não é boba. Ela me disse que “eu gasto muito dinheiro para parecer tão vulgar”.
Você tem filhos? O que faria se seus filhos resolvessem se tornar jornalistas?
Eu estou grávida e vou ter meu filho em abril. Eu ia amar se meu filho virasse jornalista. Eu consegui ver o mundo – eu viajei muito para fazer as entrevistas. Eu conheci todas as pessoas famosas que você pode imaginar. Eu escalei montanhas com o Brad Pitt. Cameron Diaz leu minha mão. Meu trabalho como jornalista que me levou a escrever livros. Eu era VJ da MTV porque era jornalista. Foi o melhor emprego do mundo. Eu sou muito feliz quando estou na frente do computador, escrevendo. Eu diria ao meu filho só uma coisa: não faça pelo dinheiro, porque não é nesta profissão!
Quem você ainda não entrevistou mas gostaria?
Johnny Depp e Prince, que eu admiro de verdade. E o Michael Jackson, porque ele é pirado. Não seria nem um pouco tedioso, com certeza.
Você planeja escrever mais livros?
Escrevi um romance que saiu no verão passado e terminei recentemente um livro que sairá em junho. É uma compilação de escritos sobre minha família. Depois de But enough about me eu ouvi muitos leitores dizerem que queriam mais histórias sobre minha família maluca, então este é só sobre eles. Minha mãe de 68 anos acabou de fazer uma tatuagem, por exemplo, então escrevi sobre isso. Qualquer um o faria.
Como é ser entrevistada depois de tanto tempo entrevistando?
Eu adoro ser entrevistada. Alguns jornalistas dizem para mim: “Me sinto intimidado porque você é uma jornalista também, e sinto que deve estar me julgando”. Eu nunca julgo ninguém – eu sei como é difícil. Estou geralmente focada em tentar dar boas frases de efeito que eles possam usar, porque eu já estive do lado oposto por muito tempo. Eu sei como é entrevistar um chato que não fala.