por Micheline Alves
Tpm #152

’’Seres humanos do sexo feminino vivem em guerra contra o próprio peso e isso não é novidade’’

Você vai até a balança e ela mostra: 60 quilos. A explicação da física para esse número é que a gravidade está puxando você para baixo, em direção ao centro da Terra, com uma força de... 60 quilos. Mas a explicação de muita gente – convencida por anúncios comerciais, passarelas de moda, revistas femininas e outros oráculos contemporâneos – é bem menos poética: 60 quilos na balança, quando você tem pouco mais de 1,60 metro de altura, quer dizer claramente que você não tem a menor disciplina. Que perder parte desse número seria o ideal. E que sua grande meta de vida no momento deveria ser manter a boca fechada (neste caso, não tanto pelo que sai dela; mas pelo que entra).

Seres humanos do sexo feminino vivem em guerra contra o próprio peso e isso não é novidade. Desde que foi criada, esta revista – e lá se vão 14 anos – fala desse assunto e defende precisamente que cada um tem que ter o corpo que quiser e puder ter. “Não visto 38, e daí?”, já disse aqui uma provocadora Gaby Amarantos, em uma época em que mulheres de seu tamanho não costumavam estampar capas de periódicos (não que hoje isso seja muito diferente).

A busca pelo “corpo ideal”, esse cálice sagrado caçado diariamente em academias, grupos de dieta ou em páginas de internet prontas a oferecer o goji berry do mês, ganhou um aditivo “de peso”: uma espécie de nova consciência alimentar que faz cada vez mais gente querer comer de forma mais saudável (e quem pode ser contra?), analisar rótulos de produtos antes de comprá-los (o que parece ótimo) e, se preciso, se entregar às mais diversas combinações à base de couve e gengibre passados na centrífuga (dependendo da mistura, até que fica bom).

O suco detox é o novo preto e se cuidar virou o barato de muita gente. A história da cantora Pitty, capa desta edição, tem um capítulo sobre isso: ela vinha engordando sem ter muita explicação até descobrir, no fim de 2013, um hipotiroidismo. O ano de 2014 começou com novos hábitos – reposição do hormônio da tireoide, exercícios físicos para ativar o metabolismo e comida saudável. Pitty gostou da mudança, se diz até meio viciada em corrida, e hoje ostenta um corpo que, a cada foto nova publicada em suas redes sociais, levanta todo tipo de comentários: “Gata!”; “Corpão!”; “Gente, a Pitty está anoréxica?”. 

Pitty está na revista mais pelo que tem a dizer sobre a vida do que exatamente pelos gramas perdidos. Assim como Sharon Azulay, personagem das Páginas Vermelhas, que entre muitas coisas fala sobre ter 50 quilos a menos – mudança que aconteceu depois que ela perdeu o pai, o estilista David Azulay. 

Achamos que peso é um assunto interessante. O físico e o, digamos, existencial. Mas não, não temos nenhuma receita de suco seca barriga. E não pretendemos vencer a força da gravidade.

Micheline Alves, diretora do núcleo Trip e Tp

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