Esse ano eu decidi que não vou desejar nada disso para ninguém.
Depois de 4 anos passando Natal e reveillon de plantão em alguma UTI, finalmente consegui uma folga. Foi bom porque eu pude reencontrar minha família toda (fato raro) na deliciosa e aconchegante casa dos meus pais, no interior e porque tomei sol depois de seis meses exposta apenas a luz branca. Mas também teve seu lado ruim porque o fato de eu ter conseguido folga nessas datas significa que estou começando a ficar um tanto "sênior" e que já existem pessoas mais novas do que eu fadadas se darem mal na escala, sendo obrigadas a trabalhar no natal e no ano novo por algum tempo.
Deixando a conversa sobre a cruel hierarquia da medicina de lado, no meio de todos aqueles abraços apertados, presentes e desejos de que eu alcance todos os meu objetivos e realize todos os meus sonhos, não consegui deixar de pensar nas pessoas que ficaram deitadas nos leitos das UTIs em que trabalho na noite do dia 24 e no almoço do dia 25. Não com pena. Nada de "pobres coitados que não podem abraçar seus familiares e comer, em uma noite, o suficiente para sobreviver por um inverno". Eu pensava era em como eles estariam enxergando aquilo tudo.
Tudo o que eu conseguia pensar era em como os clichês de fim de ano se perdem completamente quando nos vemos confrontados com a realidade desses indivíduos. Como desejar "boas festas e muita comilança" para alguém que não tem náuseas constantes devido a um tratamento e zero de forças para sair da cama? E que "todos os seus sonhos se realizem" para alguém que pode não chegar a ter um ano inteiro pela frente? E sucesso e um "próspero ano novo" para alguém que não tem disposição física para trabalhar?
Não estou dizendo, de forma alguma, que devemos deixar de aproveitar essas comemorações e nos sentirmos mal por haver seres humanos nessa situação. Infelizmente isso é algo que não temos como controlar. Acho que podíamos é lembrar que o mundo tem sete bilhões de vidas humanas. Sete bilhões de cabeças. E, portanto, sete bilhões de sentenças e sete bilhões de realidades. A opressiva lavagem cerebral e metralhadora de clichês dos comerciais de Natal e fim de ano da TV com as famílias felizes reunidas em volta da mesa farta dificilmente vai ser capaz de retratar os desejos de tanta gente.
Eu resolvi que não vou despejar e repetir nada disso para ninguém. Não vou desejar "Boas festas". Vou me contentar em desejar que a vida das pessoas seja, na medida do possível, uma festa boa. Pelo tempo que ela durar.
(meu twitter: @mperroni)