Autoestima ou pressão estética? Investigar a relação com nosso corpo e conversar com um especialista são imprescindíveis na decisão de colocar próteses de silicone
Brasil e Estados Unidos disputam o topo do ranking dos países que mais realizam cirurgias plásticas por ano. Segundo o último censo bianual da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), o país faz, anualmente, 1,7 milhão de procedimentos, sendo que 60% deles são para fins estéticos. De acordo com o levantamento, o aumento de mama segue sendo o procedimento mais procurado pelos brasileiros, seguido de lipoaspiração e a abdominoplastia. Embora a associação tenha registrado uma queda na procura por essa cirurgia entre 2016 e 2018, são realizados 350 mil procedimentos por ano.
André Cervantes, cirurgião plástico, membro titular da SBCP e diretor médico do Instituto Thuler & Cervantes, afirma que a colocação de prótese de silicone pode mudar a vida da paciente que procura o procedimento e ser determinante para sua autoestima, mas ressalta o papel fundamental do médico no processo: "A paciente tem o direito de escolher o que faz com o corpo, mas o profissional tem que elucidar, conversar. A prótese não é inócua. Apesar de raro, podem haver complicações, e a paciente tem de estar a par delas", afirma. A medicina não é uma ciência exata, ele explica, e, apesar de cada paciente reagir de uma forma aos tratamentos e procedimentos, a segurança é inegociável. "Uma cirurgia não pode ser feita em qualquer lugar. A falta de regulação associada a um grande desejo faz com que as pessoas acabem buscando algo que não é seguro. Jamais podemos transformar a cirurgia plástica em algo simplista", atesta.
Grandes mudanças
Camila Cacovich, 37, decidiu que colocaria próteses de silicone depois de uma cirurgia bariátrica que a fez emagrecer 50 kg, mas o profissional que a recebeu dois anos depois do procedimento se recusou a operá-la, pois era muito cedo para que ela se submetesse a outro procedimento. "Voltei, então, dois anos mais tarde e já era possível realizar a intervenção", conta a bancária, que após um emagrecimento massivo sentiu que passou a ter uma nova preocupação. "Me olhava no espelho e percebia que havia mudado de problema: estava muito feliz por estar magra, mas meus seios estavam caídos", relata. "No pós-plástica, quando comecei a perceber a cicatrização, aquilo despertou outra mulher em mim. Me sentia valorizada, com liberdade de mostrar que eu podia me sentir feliz e satisfeita novamente."
A servidora pública municipal Roberta Pavan Malagoli, 48, compartilha da mesma sensação de upgrade na autoestima. "Eu tinha pavor dos meus seios", diz ela, que antes de colocar as próteses passou pela colocação de uma banda gástrica, uma cirurgia bariátrica e duas amamentações. "Eu não sentia prazer no toque, estava sempre de sutiã, me envergonhava até do meu marido." Tudo mudou quando ela decidiu procurar um cirurgião plástico na rede municipal de São Paulo. "Fui chamada em 2017, depois de apenas quatro meses de espera. Daí em diante, minha vida foi outra", conta. "Antes, não via metade da minha barriga, depois, comecei a tirar a roupa e passei a ter sensibilidade novamente. Até lingerie comecei a comprar. Me sinto muito mais bonita, segura, foi um ganho espetacular." Ela chama atenção para o apoio que recebeu do profissional, que deixou claro o passo a passo de todo o processo.
A jornalista Verônica Guimarães conta que sempre teve peito pequeno e sofreu com isso durante a adolescência. "Comecei a pensar em colocar prótese já adulta, quando amigas estavam passando pelo procedimento. Mas, com a correria do dia a dia, acabei deixando para lá. Passei, então, a me aceitar e gostar mais de mim", diz. "Desisti completamente da ideia quando, depois de dar à luz meu primeiro filho, vi meus seios ficarem enormes no princípio da amamentação. Me achava horrível. Acabei experimentando, por um curto período, a sensação de ter um peitão e aquilo não me satisfez de forma alguma".
Rubia Raia, que trabalha com serviço social em Londres, também desistiu depois de ouvir conselhos de um profissional. "Eu sempre fui muito magra e tinha pouco peito. Tinha muita vontade de colocar silicone e acabei tomando a decisão de visitar um médico depois de provar vestidos abertos nas costas para um casamento e achar que nenhum modelo caía bem, pois teria de usá-lo sem o sutiã de bojo que eu estava habituada", conta ela, que na época morava em Campinas.
Ela relata que a consulta foi muito elucidativa. "O cirurgião me explicou tudo, em detalhes, e, quando me examinou disse que eu deveria pensar melhor, pois tinha seios bonitos. À época, pedi para o meu namorado, que embora apoiasse minha decisão também achava que eu deveria repensar, me dar um exemplo de uma mulher bonita que tivesse seio pequeno. Ele me mandou uma foto da Isis Valverde, linda. E desisti. Parei até mesmo de usar bojo", afirma. E o casamento? Rubia foi. Com um vestido aberto nas costas e sem sutiã com bojo.
Pressão social
A mulher sofre com uma demanda cultural da beleza, diz a psicanalista Joana Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio e professora da Universidade Veiga de Almeida. "A colocação de próteses de silicone pode aliviar um trato estigmatizante, afinal, o seio é o 'falo' feminino e representa não somente um corpo erotizado, mas também ostentação financeira, já que só faz uma cirurgia do tipo quem pode pagar", diz. "Um procedimento como o de aumento de mamas pode, claro, diminuir o sofrimento da paciente, mas há que se considerar os riscos e é importante não fazer nada de maneira afobada".
Para a psicanalista, diminui-se o risco quando a paciente busca apoio psicológico e realiza um trâmite sem afobação. "É fundamental pensar por que você quer fazer a cirurgia. Para casar, salvar um relacionamento ou suprir outro problema?". O médico André Cervantes completa: "Às vezes, a pessoa busca na cirurgia a solução de um problema que o procedimento não consegue resolver". Ou seja, quanto mais informações a paciente tiver, mais preparada estará para se submeter ao procedimento ou para optar por não realizá-lo.
Joana Novaes chama atenção para outro aspecto: a expectativa que a paciente acaba colocando na figura do médico. "Além do pensamento 'vai mudar a minha vida', aventa-se a ideia de que o profissional será capaz de colocar a paciente em um lugar de poder e sedução", diz. "As pessoas não tiram do nada que uma cirurgia estética irá mudar ou salvar a sua vida, isso faz parte de uma cultura ampla e irrestrita de valorização do corpo." Ela explica que o corpo atua como capital, uma moeda de troca que faz a pessoa se sentir bem em todas as áreas da vida, facilitando até mesmo o trabalho. Nessa seara, André Cervantes comenta que muitas pacientes relatam ter sentido mudanças significativas de atitude depois de colocar próteses, inclusive em produtividade no campo profissional.
A psicanalista lembra que há muitos exemplos na mídia de mulheres bem-sucedidas que investem fortemente na aparência. Em determinados grupos sociais, essa influência das famosas faz muita diferença. "Os adolescentes, por exemplo, estão mais vulneráveis, já que grupos exercem um poder maior entre os jovens", explica. O Brasil lidera o ranking mundial de procedimentos entre jovens de 13 a 18 anos: segundo o último censo da SBCP, nos últimos dez anos houve um aumento de 141% no número de cirurgias plásticas nessa faixa etária, ou 6,6% das intervenções realizadas no país. "Para muita gente, o valor das pessoas está na aparência, mas há que se pensar que a vida vale a pena ser vivida de toda e qualquer forma", pondera Joana.
Uma importante questão que essa discussão levanta é que a paciente tem de se sentir segura com a decisão de realizar qualquer tipo de procedimento e que essa segurança se alcança tanto com informações precisas fornecidas pelo médico quanto pelo apoio de familiares e amigos – e talvez até uma consulta com um profissional de psicologia possa ajudar a candidata à colocação de próteses a se sentir mais confiante para seguir em frente em sua decisão.