Esperança renovada

por Mara Gabrilli
Tpm #118

Miami Project terá primeiro protocolo de implante de células em humanos com lesão medular

Depois de 23 anos de pesquisa, o Miami Project terá o primeiro protocolo de implante de células em seres humanos com lesão medular

Num ímpeto daqueles que produzem movimento, me vi fazendo uma ligação internacional para o doutor Green. Me atendeu com gentileza, disse que lembrava de mim. Pensei que fosse por educação, mas, como a última vez que o vi foi em 2004 na casa dele com o Emerson Fittipaldi, era natural que lembrasse. Sugeri tomarmos um café e ele determinou a sexta-feira. Ele é presidente do maior centro de pesquisa de cura de paralisias do mundo, o Miami Project to Cure Paralisys, que congrega cientistas do mundo inteiro.

Desde que quebrei o pescoço, em 1994, ouvia falar dele e do Marc Buonicontti. Este, filho de um famoso jogador de futebol americano (Nick Buonicontti), também teve a cervical fraturada. Seu pai e o doutor Green fundaram o centro de pesquisa em 1985. Sempre via fotos de todos eles. Em 1996, fui fazer um tratamento de biofeedback (que logo veio para o Brasil) no Jackson Memorial Hospital, em Miami. Passeando com um amigo pelos corredores depois de encerrada a sessão, vejo passar aquele rosto tão familiar por fotografias, que carregava na imagem as cores da cura. Saí atrás dele falando: “Eu te conheço, doutor Green...”. Aí ele parou e conversou um pouco comigo, do tipo “de onde você é, qual é a sua lesão, como aconteceu”. Fui embora pelo corredor com um sorriso no rosto de quem acaba de encontrar Brad Pitt em Hollywood.

De repente comecei a ouvir alguém correr atrás de mim, me chamando. Era o doutor Green, que queria ver minha ressonância e me examinar como paciente. Toda oportunidade que tive até então de passar nessa instituição de Miami foi para conhecer as novidades. Antes era uma sala no porão. Hoje se transformou num grande e belo complexo hi-tech com um logotipo gigante de uma pessoa levantando da cadeira de rodas na parede do prédio. Algo de muito comum em todas as minhas visitas foi ouvir que nada de concreto teria para reverter movimentos de pessoas com lesão na medula. Sempre foram muito sérios e com um rigor que até provocava irritação.

Sonhos inevitáveis

Enquanto aguardava o doutor Green, ocupado com pacientes vítimas do terremoto do Haiti, conversei com a doutora Kim, médica cadeirante, e com o doutor Dietrich, diretor científico que eu também conhecia por fotos. Doutor Green chegou com muita simpatia e doçura, nada condizente com o estereótipo de um neurocirurgião. Apesar de triste com os traumas causados pela catástrofe natural, ficou feliz em me ver em tão boa condição física e me dar a notícia de que depois de 23 anos de pesquisa, o Miami Project terá o primeiro protocolo de implante de células em seres humanos com lesão medular. Estavam todos empolgados, comemorando. Conversamos muito e disse a ele que sou a primeira tetraplégica “congress woman” do Brasil. Ele, então, foi nos levando para fora, através dos jardins do centro, e agradecendo muito por sua tristeza ter ficado para trás. E ainda me disse não ter outro deputado federal tetraplégico no mundo. Nesse momento todo o filme da minha luta por movimentos veio à minha mente, ao meu coração e até meus olhos. No muro de um grande canteiro redondo, com flores, uma frase de Christopher Reeve arrematava o encontro: “At first, dreams seem impossible, then improbable, and eventually inevitable (Primeiro, os sonhos parecem impossíveis, depois improváveis e, eventualmente, inevitáveis)”. Chorei de emoção abraçada ao meu namorado, Melo.

Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br

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