Em um dos meus raros banhos de mar, fui invadida por uma onda de amor
Em um dos meus raros banhos de mar, fui invadida por uma onda de amor ao perceber o quanto me deixo viver em perigo quando estou com ele
Tiramos uma semana de férias. Fomos viajar eu e o Alfredo, mais a Gil de assistente. Chegamos a Salvador naquele sol maravilhoso e fomos de carro sentido norte. Aquele inspirado design de interiores para fazer caber nós três, o motorista, as malas e a cadeira de rodas num carro de médio porte. Nosso destino era a praia do Forte, cujo cenário é nada menos que o mar azul esverdeado com ondas que lambem a praia deserta, além da vasta camada de coqueiros ao vento. Por fim, adentramos no território do hotel, com piscinas, piscinas, piscinas.
Os baianos por ali não param de sorrir e sempre querem prosear e ajudar em alguma coisa. Para ir à praia tive de ser carregada, foi o único lugar do hotel sem acessibilidade, mas não faltaram salva-vidas para me levar. Aliás, foram eles que muito me tentaram a dar uma “salgada”. Huum, mergulhar nas ondas baianas... sabia que o Alfredo não ia gostar da ideia. Declinou meu “convite banho de mar” durante toda a semana. Eu pedia oceano e ele me dava a doce água de piscina. Até que chegou o último dia e ele quis fazer a minha vontade. Paramos em frente à escada rústica de madeira com areia e ficamos a observar. Não tinha salva-vidas, o sol estava escaldante e o mar batia gritando alto. Um alemão moreno de sol apontou o mar e nos perguntou: “Onda?”. Dissemos que não, porém, em pouco tempo sua companheira chegou perguntando, em inglês, se quatro pessoas estaria bom para nos ajudar. Saiu recrutando uma equipe de apoio que falava inglês.
Super-herói
O Alfredo, que sente mais segurança me carregando sozinho, me jogou nas costas, tipo capa de super-herói, com a minha cabeça pendurada e os braços dançando de lá pra cá. Uma cena nada comum para quem vê. Para mim, porém, já é costumeiro ver o mundo de cabeça para baixo. À equipe resignada, restou carregar a cadeira. Como a distância até o mar era bem grande, demoramos a chegar. Quando aterrissamos na água, percebemos as ondas robustas, batendo com força ininterruptamente. Para mim, estar no raso sem ficar em pé e sem mexer os braços é muito pior que no fundo, pois meu corpo rala na areia. O Alfredo, além de me segurar nas pancadas das ondas, ainda tinha que amparar meus braços, pernas e biquíni e as ondas me viravam de bruços e me engoliam. Depois de bem salgada, o Alfredo me catou nos braços, tipo noiva, me deixando numa chaise no meio da areia. Fiquei olhando ele ir até o mar para tomar um banho só, e fui invadida por uma onda de amor, ao perceber o quanto me deixo viver em perigo quando estou com ele.
Lembrei da primeira vez em que fomos à praia juntos. Há seis anos, num réveillon em Maresias, pedi que me levasse ao mar. No primeiro dia foi tudo ótimo, mas, no segundo, ele não queria por não ter banhistas nadando e só surfistas. Insisti e ele cedeu. Cruzou a praia comigo nos braços e parou quando a água chegou no joelho. Veio uma onda e enterrou os seus pés na areia. Veio outra e desestabilizou, a terceira da sequência me tirou dos seus braços. Fiquei girando dentro da onda esperando confiante o Alfredo me desafogar. E mais uma vez a onda não me levou...
Mara Gabrilli, 40 anos, é publicitária, psicóloga e vereadora por São Paulo. Fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP), é tetraplégica e foi Trip Girl na Trip #82. Seu e-mail: maragabrilli@camara.sp.gov.br