por Redação
Tpm #134

Verdade sempre? Mentira às vezes? Manu Carvalho e Clara Averbuck falam sobre

Verdade sempre? Mentira às vezes? A stylist, produtora e professora de moda Manu Carvalho segue uma linha: ser sincera em qualquer situação. A escritora Clara Averbuck vai na contramão e defende: falar a verdade o tempo todo é “desagradabilíssimo”

 

Com jeitinho, eu falo mesmo

Por Manu Carvalho

Sou uma apaixonada pela verdade, eu acho. E para mim não existe meia verdade, assim como meia

mentira, meia ética. Tenho relações em vários níveis – pessoais, com amigos e conhecidos; profissionais, com clientes e fornecedores, antigos e novos. Mas não vejo relações sem verdade. Sem verdade não estamos ligados, não há elo, somos soltos.

Em casa, sempre tive que falar a verdade, senão me ferrava feio. Na rua, várias vezes senti que a mentira poderia facilitar, mas no final das contas não me sentia 100% bem, me sentia covarde, mesmo sem saber que nome tinha essa sensação.

Desde pequenininha, tinha duas questões de vida sérias para mim: o bem e o mal, a coragem e a covardia – acho que um pouco pela minha educação e um pouco pela formação católica inicial. Quando 
criança, eu era bundona, medrosa; na adolescência quis dar de arrogante, malandra... mas eu detestava esses adjetivos. Aos 17 anos, comecei a me interessar pelo budismo zen e tibetano: foi uma luz, uma nova consciência, uma virada mesmo. Fui praticando todos os fundamentos, inclusive o da verdade, em todos os sentidos. Na virada dos 20, fui tomar consciência das contas da vida, ajustando minha cabeça, meu jeito e entrando num trilho que é o que para mim funciona.

Sempre fui bem verborrágica, contestadora, e acho que ser geminiana e ter pai advogado e jornalista e mãe jornalista só me fez mais falante. A questão era o conteúdo. Quando fui morar em Nova York, por algum acaso perguntei à minha roommate o que seria up-front e ela explicou: “É ser honesto, franco, falar o que pensa”. Eu pensei: “Uau, isso existe? Vou ser assim, vou ser up-front!”. Aí coloquei esse adesivo com meu nome no peito e nunca mais tirei. Juntei com um ensinamento da minha mãe – “Filha, sorrindo você diz qualquer coisa” – e aplico nas mais diversas situações.

Outro dia, estava no supermercado com um vestidinho mexicano e uma galocha (chovia lá fora). Uma menina me olhou e comentou com a mãe, em voz alta: “Brega!”. De início, pensei em não falar nada, mas também aprendi com a minha mãe a não levar desaforo pra casa. Dei a volta na gôndola e peguei as duas de frente. Com o tal sorriso no rosto, disse: “Com licença, ouvi o que vocês falaram de mim e quero dizer que pensar que uma coisa é brega e dizer, isso sim é que é brega. Me surpreende uma menina com sua idade pensar assim. Fiquei muito constrangida por vocês duas”. Gostei de ter falado. Com jeitinho, falo mesmo.

A verdade é corajosa, limpa e boa como um copo d’água. A verdade blinda a gente, fortifica, honra. Não abro mão.

 

Mentirinhas são inofensivas

Por Clara Averbuck

“Não minto jamais” é uma mentira. Mentimos todos os dias. Mentirinhas convenientes, “oi, tudo bem?”, “tudo”. Mentimos que gostamos do presente da tia Romilda, senão a tia Romilda fica magoada. Mentimos quando os amigos perguntam “precisa de alguma coisa?” e dizemos “não”. Mentimos que estamos sem tempo quando estamos sem vontade. Mentimos quando dizemos que não temos uma moedinha pro mocinho sentado do lado de fora do supermercado. Mentimos que não mentimos. Mentimos, mentimos o tempo inteiro. Mentimos porque a mentira faz parte da sociedade. Falar 100% de verdade o tempo inteiro é desagradabilíssimo. Já namorei um sujeito que acreditava que falar a verdade o tempo inteiro, como lhe vinha à cabeça, era “sinceridade”. Deixa eu te contar, querido, que isso não passa de inaptidão social. Mentirinhas não são apenas aceitáveis, são necessárias, são um filtro que torna possível conviver sem confronto constante. As mentirinhas são inofensivas. Mas sabemos que não existem apenas as mentirinhas. 

Há as grandes mentiras, as traições, as quebras de acordo, as mentiras que ferem. Essas são nocivas, destroem a confiança e geralmente são descobertas. Essas são as feias, as sujas, as colossais, as malvadas, as que ferem e prejudicam. Dessas a gente não gosta, essas a gente não aceita. Porém há pessoas que simplesmente não conseguem lidar com a verdade, com como as coisas são. O mundo não é um lugar bonito de se viver e constantemente fazemos coisas das quais nos envergonhamos para podermos fazer coisas das quais nos orgulhamos. E isso não é nenhuma vergonha. Vergonha é quem vive de apontar os dedos para os erros alheios sem sequer fazer ideia de quais são os seus, tamanha a falta de autocrítica. Mentimos mentirinhas a bem da verdade. Mas só vale quando não fere ninguém. Na verdade, isso é tudo mentira: eu só falo a verdade.

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