Com o Na Prosa, Monique Evelle quer ser cada vez mais real

por Dandara Fonseca

A empreendedora baiana fala sobre seu novo programa de entrevistas na Lab TV e a vontade de mostrar um lado sem regras nem certezas

Conhecida por seus trabalhos como empreendedora e ativista social, Monique Evelle decidiu trilhar um caminho um pouco diferente em 2020. Em setembro, ela estreou como apresentadora no programa #NaProsaComMonique, na Lab TV, canal da Twitch do Laboratório Fantasma, hub de entretenimento dos irmãos Emicida e Evandro Fióti. Toda segunda-feira, às 19h, ela recebe personalidades como as cantoras Ivete Sangalo e Maria Gadú e a produtora de conteúdo Gabi Oliveira para um papo real, sem clichês. "O Na Prosa traz pessoas públicas, mas trata de um lugar de subjetividade, trazendo humanidade não só para mim, mas para os convidados e convidadas", diz. "Eu quero saber como é a Ivete Sangalo sendo mãe. Eu quero saber como começou a jornada de ativismo indígena da Maria Gadú. Quero saber o que é importante para essas pessoas além do trabalho".

A vida pública de Monique começou cedo. Ela tinha 16 anos quando desenvolveu o Desabafo Social, projeto que há quase dez anos leva a crianças e jovens de periferia informações sobre educação, comunicação e direitos humanos. Aos 26 anos, entre suas muitas ocupações, é dona da SHARP, hub de inteligência cultural, autora do livro Empreendedorismo Feminino: Olhar Estratégico sem Romantismo e foi reconhecida pela Forbes, em 2017, um dos 30 jovens mais promissores do país.

Mas Monique quer ser vista menos pelos títulos e mais por sua totalidade, suas paixões, seu jeito, suas falhas. "Eu sei da minha importância, da representatividade, mas é sempre uma corda bamba. As pessoas tiram muitas vezes o meu direito errar", diz. "Talvez no programa elas me enxerguem mais a Monique CPF ao invés de CNPJ." 

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Tpm. Quando questões como feminismo e negritude entraram na sua vida? 

Monique Evelle. Minha consciência política de raça e gênero chegou aos 15 anos. Foi quando eu comecei a querer transformar os sentimentos sobre esses assuntos em alguma coisa. Por isso inclusive surgiu o Desabafo Social, muito em formato de grêmio estudantil porque ainda estava no colégio. Eu queria verbalizar esses pensamentos. E depois do Desabafo eu descobri que era isso que eu queria fazer da vida. É algo que eu nunca abri mão, mesmo criando novos projetos, porque me deixa em movimento. 

Por que escolheu educação, comunicação e empreendedorismo como as principais diretrizes do projeto? Desde os meus oito anos, quando eu ganhei um livro de minha mãe que contava a história de uma professora que mudou a realidade da periferia, eu queria ser professora. A educação com certeza veio por conta desse desejo. Os demais, principalmente o empreendedorismo, vieram por entender a realidade brasileira, de que as pessoas empreendem muito por necessidade, para sobreviver. Eu nasci em território periférico e sei dessa jornada. Mas como falar desse assunto de forma mais real? Porque muita gente sobe em palcos de eventos e vendem e verbalizam fórmulas mágicas que não existem. Eu queria utilizar uma linguagem pé no chão, para amadurecer um negócio mesmo, principalmente das mulheres, da galera preta, periférica, LGBT+. Foi aí que pensei em decodificar o que acontece no mundo dos negócios de uma forma que fosse útil para essas pessoas. 

Empreendedorismo é uma palavra muito usada hoje em dia e ganhou diversas conotações. Para você, o que ela significa? Para mim, empreender é muito mais sobre atitude, sobre jornada. Pode ser, sim, para os negócios, mas também pode ser para a vida. As pessoas que criam, que são inquietas como eu, que conseguem dentro da adversidade escolher se movimentar ao invés de paralisar. Tem o lucro, tem o faturamento, mas isso é só uma parte. Empreender é sobre sonhar, imaginar e criar. Eu compartilho meus próprios aprendizados que podem, em alguns momentos, ser similares a de outras pessoas.

Você sempre foi uma pessoa desinibida, que teve facilidade com o público? Eu tive uma fase de silenciamento, que é diferente de timidez. Todos os momentos em que eu me vi em silêncio não era por uma questão de escolha, era por conta da estrutura, dos ambientes que eu frequentava. Quando entendi o que estava acontecendo foi quando eu rompi essa barreira e criei o Desabafo Social. Hoje eu posso escolher o momento que eu quero apenas escutar e o momento que desejo falar. 

Foi difícil desenvolver coisas tão grandes tão cedo? Eu fui uma criança madura antes da hora. Não foi imposto nem nada, esse é meu jeito estranho de viver. Quando eu criei o Desabafo, eu já estava em um lugar de muita responsabilidade, só que eu não sabia a proporção que isso iria tomar. Então realmente foi difícil, a ponto das pessoas acreditarem que tinha que ser sempre trabalho. Elas não conseguiam me enxergar como uma menina de 16 anos. E aí foi quando virou a chave e percebi que eu precisava resgatar a minha subjetividade, senão talvez a gente nem estaria tendo essa conversa. A responsabilidade tinha se confundido com um fardo. Hoje eu tenho 26 e mesmo assim essa jornada ainda é complexa. Há quem queira focar sempre na militância, mas sou o tipo de pessoa que quer equilibrar a vida pessoal, a profissional, o ativismo. 

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Como é ser uma das mulheres negras mais influentes do país? Isso pesa para você? Eu sei da importância, da representatividade, mas é sempre uma corda bamba. Porque as pessoas tiram a nossa humanidade, e eu tenho que ir em busca da minha todos os dias. Quando eu falo humanidade, é esse lugar de que eu posso e vou errar. Cada vez que eu recebo títulos como o 30 under 30, da Forbes, a responsabilidade está aumentando, mas também é um sentimento de que meu trabalho está sendo feito com qualidade. Fico feliz, mas entendo que quanto mais títulos eu recebo, mais responsabilidade vou ter, mais as pessoas vão tirar a minha humanidade e mais eu vou ter correr atrás dela. É bem complexo. 

No podcast Fora da curva, que aborda temas como empreendedorismo, inovação e diversidade, você já tinha tido uma experiência como apresentadora. Como foi? Eu sou viciada em podcast e sempre gostei de conversar. Então pensei: por que não gravar conversas fodas que tenho com pessoas incríveis? Diferente do Na Prosa, no podcast eu trago pessoas mais anônimas, que eu admiro e que precisamos dar visibilidade. Só que agora, que já tratei sobre essa linha da inovação, do trabalho, dos negócios, vou caminhar para um outro formato, que tem mais a ver com cultura e música, algo que é um hobby. Eu gosto de entender o mundo da música, de saber o lançamento do próximo disco de fulano. E vai ficar mais leve para mim me tirar apenas desse lugar de empreendedora. É sobre cada vez mais ser e poder escolher o que eu quero.

Agora, no Na Prosa, você experimenta outro tipo de apresentação. Como surgiu o convite do Laboratório Fantasma? Desde que saí do Profissão Repórter [programa da Rede Globo] eu recebi muitos convites para TV, mas nada que me tocasse e me fizesse pensar: é isso. Era mais do mesmo e eu não queria. Eu já conhecia o Emicida e o Fióti e esse ano mediei para o Laboratório Fantasma um bate papo com a Drika Barbosa e a Xênia França sobre saúde mental. E quando o Fióti me falou da TV e que seria legal um programa meu falando sobre autocuidado, topei na hora. O Na Prosa traz pessoas públicas, mas trata de um lugar de subjetividade, bem-estar, com o objetivo de trazer humanidade não só para mim, mas para os convidados e convidadas. A primeira convidada foi Ivete Sangalo, alguém que todo mundo admira, mas para quem a maioria pergunta quando é o próximo show, o próximo disco. Esses são questionamentos óbvios, eu quero saber como é a Ivete Sangalo sendo mãe. Eu quero saber como começou a jornada de ativismo indígena da Maria Gadú, que foi a terceira convidada. Quero saber o que é importante para essas pessoas além do trabalho. 

É o que te deixa mais animada do programa? Acredito que é o fato de tirar a Monique dessa lógica de saber de tudo. Muitas vezes eu nem consigo processar a informação de uma notícia e as pessoas estão perguntando o que eu penso. E no programa tem um quadro sobre o que eu acho. Pela primeira vez, eu consigo sair achando coisas, porque a internet não permite que eu ache. Ela quer que eu faça um grande textão, explique, aprofunde. E às vezes eu só acho sobre um assunto. É uma troca de aprendizados. Tem também o fator de que eu nunca serei novamente uma totalmente anônima, porque eu trabalho com isso, mas pode ser horizontal, uma troca de aprendizados com o público e os convidados.

É uma vontade sua mostrar um lado mais íntimo? Eu não quero ser mais a Monique do Desabafo, a Monique da Sharp, a Monique da Globo, porque todo lugar que eu passei foi assim. Eu quero ser a Monique Evelle. E talvez no programa as pessoas enxerguem mais a Monique CPF ao invés de CNPJ. A pessoa física que vai pedir ao vivo para parar um pouquinho o programa porque não está conseguindo respirar de chorar, que não vai conseguir controlar o riso e ficar gargalhando por 10 minutos no programa. Pela primeira vez eu acho que estou sendo a pessoa física ao vivo para muita gente. E acho que foi uma construção. Antes eu não estava confortável o suficiente para me abrir dessa forma. Se isso fosse ano passado, talvez eu não aceitaria, porque é uma exposição demais. Eu nunca abri meus rituais, eu nunca falei para ninguém que eu faço colagens, que eu componho, que eu canto. E eu cantei diante da Ivete no programa. Em 2020 é isso que eu quero, é o que me dá tesão. Eu não vou deixar o Desabafo, eu não vou deixar de ter as minhas empresas. Eu só vou colocar a minha energia em algo que movimenta. 

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Você sente falta desses papos mais abertos? Sim, e é por isso que, principalmente na internet, a gente demoniza e idolatra as pessoas. Sempre é o script do previsível e as pessoas continuam em um transe achando que todas as pessoas são uma coisa só, e ninguém é. Ninguém é só maravilhosa, perfeita, sem defeitos. É necessário enxergar o outro por inteiro. E o Fióti me enxergou assim. Ele sabe que eu sou empresária, mas tanto faz, ele vê além disso. Quando eu entrevisto o convidado com esse olhar plural significa que eu tenho interesse, eu quero escutar. Eu sinto falta em programas de pessoas realmente interessadas. Eu sempre quis ter um talk show meu, não é à toa que minha ídola é a Oprah. E eu falei com a produção que pós-pandemia, pós-vacina, preciso fazer o Na Prosa presencial. Porque por mais que no on-line tenhamos essa proximidade com o convidado e com o público interagindo, a gente vai estar precisando se encontrar pós-pandemia. 

Você trabalhou por dois anos no programa Profissão Repórter, na Globo. É uma experiência muito diferente? Muito, é outra plataforma. E a parte boa é que a gente pode criar na mesma hora uma enquete, jogar na tela. É louco o universo das plataformas que estão surgindo nesse momento do mundo. E também tem um lugar bem diferente do Profissão Repórter porque lá eu fazia matéria sobre sertanejo, feminicídio, aborto, temas pesados. E ainda era jornalismo. Hoje eu faço entretenimento, o que me deixa mais tranquila, mais leve, sem esse peso de que a notícia tem que ser assim. Hoje eu posso escolher seguir algo que me deixe tão leve a ponto de flutuar. E esse algo tem a ver com autocuidado, com bem-estar e subjetividade. 

Empresas, podcast, programa de entrevistas. Como conciliar tanta coisa junto? Eu sou virginiana com touro, acho que isso responde bem. Eu me organizo certinho, com agenda. A forma que escolhi para me projetar no mundo é esse lugar multimídia, e eu gosto. Mas tem que equilibrar para não surtar, não quero adoecer a ponto de não conseguir enxergar uma realidade. Tem momentos que eu pauso absolutamente tudo para respirar um pouco e viver essa Monique, baiana, filha única de Dona Neusa e Ari.

Estar em muitas plataformas também é uma forma de não falar apenas sobre um assunto? Sim, foi uma escolha, inclusive. As pessoas nem sabem direito sobre mim e só querem me perguntar sobre raça ou qualquer tragédia da humanidade. Eu sou muito mais do que isso, eu sou muitas Moniques aqui. Tem a Monique do Desabafo, da Sharp, do Instagram, do Twitter. Todo mundo é essa multipotência que a gente desconhece. Eu não sou especialista em racismo. Claro que inicialmente, por conta do Desabafo, a causa social sempre foi maior pra mim. Mas com o passar do tempo, entendi que posso continuar fazendo isso e somar em outras áreas.

Créditos

Imagem principal: Mari Cobra/Divulgação

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