Capítulo 14: O vibrador quebrou
Sexo é onde a gente pode ser o que não pode ser, fazer coisas que não podem ser feitas, dizer coisas que não podem ser ditas. Acompanhe mais um capítulo da história de Milly Lacombe
Créditos: Manhã Ortiz
Por Milly Lacombe
em 22 de maio de 2020
Perdeu os primeiros capítulos desta história? Leia aqui.
Quarentena, dia 22
– Otávio, preciso conversar com você
– Não fui eu
– Não foi você o quê?
– Que quebrei ou manchei ou estraguei
– Engraçadíssimo. É sério, Otávio
– O que houve?
– Há quatro noites aconteceu uma coisa chata e eu preciso te contar
– Fala, Marina. Que suspense
– Meu vibrador quebrou
– Marina, eu não sei consertar vibrador
– Eu é que não sei onde vende noção porque se eu soubesse pedia um caminhão
– Eu não posso te comer
– Não pode ou não quer?
– Não posso
– Promessa?
– Não
– Jurou amor à outra?
– Não
– Caiu o pau?
– …
– Caiu?
– Não queria falar sobre isso
– Mas já estamos no assunto agora
– Tô com um problema lá
– No pau?
– É!
– Fala, Otávio. Caralho.
– Ele ficou muito vermelho e inchado e eu mandei uma foto para meu irmão
– Teu irmão é oftalmo, Otávio
– Mas é médico, né?
– Tá, e o que ele disse?
– Que parece uma alergia
– A quê?
– Não quero falar
– Meu Deus do céu. A quê?
– A sabão! A sabão! Eu tô lavando maniacamente desde que você me disse que ele era imundo
– Não queria rir. Eu nunca ouvi isso. Com que sabão você tá lavando? Sabão de coco? E eu nunca usei a palavra imundo
– Tô lavando com um sabonete líquido chique que você tem no banheiro
– Não! Otávio, pelo amor de Deus.
– O quê?
– Uma embalagem azul e laranja?
– É
– É um sabonete com ácido, Otávio. Para o rosto! Me estranha não ter caído mesmo. Quer que eu olhe?
– Não. Não quero. Tá medonho
– Não tô conseguindo não rir
– Pois é, Marina. Se ele não estivesse tão limpo poderia estar funcionando. Agora tá limpo e inútil. Era melhor sujo e útil, né?
– Se são essas as únicas opções…
– Bom, é isso. Sinto muito
– Eu também
– E eu não quero te fuder pragmaticamente
– Romanticamente é que não vai rolar, né?
– Então não vai rolar. Quer me fuder me tira pra dançar antes, Marina
– Sol em Câncer e ascendente em Peixes. Eu devia estar mais preparada pra esse seu jeito
– Sol e ascendente em Escorpião. Eu é que devia para o seu
– É. Hoje eu queria mesmo só putaria. Dar de quatro e escutar você me chamar de vadia
– Sabe o que não entendo?
– Gente de calça jeans na quarentena? Eu também não.
– Isso também. Mas eu não entendo um monólogo feminista ser seguido desse tipo de desejo
– Se você não entende isso você não entende sexo, Otávio
– Então não entendo sexo
– Sexo é onde a gente pode ser o que não pode ser. Onde a gente pode fazer coisas que não podem ser feitas, dizer coisas que não podem ser ditas. É sublimação. É suspensão
– Isso no sexo consentido, né?
– Só existe sexo desse tipo, Otávio. O resto chama estupro
– Não vou dar conta de outro debate hoje
– Ok, então. Vamos mudar de assunto
– Sobre o que você quer falar?
– Como você tá?
– Fora o pau, tudo bem. E você?
– Mas não tenho escutado você tocando e quando você não toca é porque tem alguma coisa pegando
– Talvez eu ande um pouco triste
– Por causa do pau?
– Não, Marina.
– O que então?
– Não sei. Um vazio estranho
– Eu estava num buraco assim, mas de repente saí
– Saiu porque bateu uma energia criativa que acabou com aquela pulsão de morte do começo. Tô te vendo criar, ter ideias, rir
– É. Voltei a dormir, a ansiedade deu um tempo. E saí do noticiário também. Ajuda, né?
– Isso sempre. Que bom, Marina
– Mas não gosto de te ver assim. Posso fazer alguma coisa?
– Pode me contar uma história. Eu gosto quando você me conta histórias
– Vou te contar a história do dia em que fiquei com a Noca
– Para te tentar me excitar, Marina. Toda vez que tem um aumento da pressão ali embaixo ele dói. E você não ficou com a Noca
– Mas quase
– Quase não é ficar. Conta uma história da sua infância. Me fala da Raquel
– Ah, Otávio. Para você de tentar me emocionar
– Me fala, Marina. Eu gosto de conhecer a Raquel pelo teu olhar. Quando você fala dela é como se ela ainda existisse, como seu eu tivesse conhecido minha cunhada
– Tá. Vou falar da Raquel, do dia em que ela e eu fomos suspensas do colégio
– Adoro essa história. Adoro a Raquel. Que mulher era teria sido
– Abrimos um vinho para falar da Rac?
– Por favor. Pega o vinho que eu vou colocar uma música
Esta história continua. Acompanhe os próximos capítulos na Tpm.
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