Capítulo 14: O vibrador quebrou

por Milly Lacombe

Sexo é onde a gente pode ser o que não pode ser, fazer coisas que não podem ser feitas, dizer coisas que não podem ser ditas. Acompanhe mais um capítulo da história de Milly Lacombe

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Quarentena, dia 22

– Otávio, preciso conversar com você

– Não fui eu

– Não foi você o quê?

– Que quebrei ou manchei ou estraguei

– Engraçadíssimo. É sério, Otávio

– O que houve?

– Há quatro noites aconteceu uma coisa chata e eu preciso te contar

– Fala, Marina. Que suspense

– Meu vibrador quebrou

– Marina, eu não sei consertar vibrador

– Eu é que não sei onde vende noção porque se eu soubesse pedia um caminhão

– Eu não posso te comer

– Não pode ou não quer?

– Não posso

– Promessa?

– Não

– Jurou amor à outra?

– Não

– Caiu o pau?

– …

– Caiu?

– Não queria falar sobre isso

– Mas já estamos no assunto agora

– Tô com um problema lá

– No pau?

– É!

– Fala, Otávio. Caralho.

– Ele ficou muito vermelho e inchado e eu mandei uma foto para meu irmão

– Teu irmão é oftalmo, Otávio

– Mas é médico, né?

– Tá, e o que ele disse?

– Que parece uma alergia

– A quê?

– Não quero falar

– Meu Deus do céu. A quê?

– A sabão! A sabão! Eu tô lavando maniacamente desde que você me disse que ele era imundo

– Não queria rir. Eu nunca ouvi isso. Com que sabão você tá lavando? Sabão de coco? E eu nunca usei a palavra imundo

– Tô lavando com um sabonete líquido chique que você tem no banheiro

– Não! Otávio, pelo amor de Deus.

– O quê?

– Uma embalagem azul e laranja?

– É

– É um sabonete com ácido, Otávio. Para o rosto! Me estranha não ter caído mesmo. Quer que eu olhe?

– Não. Não quero. Tá medonho

– Não tô conseguindo não rir

– Pois é, Marina. Se ele não estivesse tão limpo poderia estar funcionando. Agora tá limpo e inútil. Era melhor sujo e útil, né?

– Se são essas as únicas opções…

– Bom, é isso. Sinto muito

– Eu também

– E eu não quero te fuder pragmaticamente

– Romanticamente é que não vai rolar, né?

– Então não vai rolar. Quer me fuder me tira pra dançar antes, Marina

– Sol em Câncer e ascendente em Peixes. Eu devia estar mais preparada pra esse seu jeito

– Sol e ascendente em Escorpião. Eu é que devia para o seu

– É. Hoje eu queria mesmo só putaria. Dar de quatro e escutar você me chamar de vadia

– Sabe o que não entendo?

– Gente de calça jeans na quarentena? Eu também não.

– Isso também. Mas eu não entendo um monólogo feminista ser seguido desse tipo de desejo

– Se você não entende isso você não entende sexo, Otávio

– Então não entendo sexo

– Sexo é onde a gente pode ser o que não pode ser. Onde a gente pode fazer coisas que não podem ser feitas, dizer coisas que não podem ser ditas. É sublimação. É suspensão

– Isso no sexo consentido, né?

– Só existe sexo desse tipo, Otávio. O resto chama estupro

– Não vou dar conta de outro debate hoje

– Ok, então. Vamos mudar de assunto

– Sobre o que você quer falar?

– Como você tá?

– Fora o pau, tudo bem. E você?

– Mas não tenho escutado você tocando e quando você não toca é porque tem alguma coisa pegando

– Talvez eu ande um pouco triste

– Por causa do pau?

– Não, Marina.

– O que então?

– Não sei. Um vazio estranho

– Eu estava num buraco assim, mas de repente saí

– Saiu porque bateu uma energia criativa que acabou com aquela pulsão de morte do começo. Tô te vendo criar, ter ideias, rir

– É. Voltei a dormir, a ansiedade deu um tempo. E saí do noticiário também. Ajuda, né?

– Isso sempre. Que bom, Marina

– Mas não gosto de te ver assim. Posso fazer alguma coisa?

– Pode me contar uma história. Eu gosto quando você me conta histórias

– Vou te contar a história do dia em que fiquei com a Noca

– Para te tentar me excitar, Marina. Toda vez que tem um aumento da pressão ali embaixo ele dói. E você não ficou com a Noca

– Mas quase

– Quase não é ficar. Conta uma história da sua infância. Me fala da Raquel

– Ah, Otávio. Para você de tentar me emocionar

– Me fala, Marina. Eu gosto de conhecer a Raquel pelo teu olhar. Quando você fala dela é como se ela ainda existisse, como seu eu tivesse conhecido minha cunhada

– Tá. Vou falar da Raquel, do dia em que ela e eu fomos suspensas do colégio

– Adoro essa história. Adoro a Raquel. Que mulher era teria sido

– Abrimos um vinho para falar da Rac?

– Por favor. Pega o vinho que eu vou colocar uma música

Esta história continua. Acompanhe os próximos capítulos na Tpm.

Créditos

Imagem principal: Manhã Ortiz

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