Era uma vez um planeta estranho em que as pessoas estudavam várias coisas esquisitas...
Então tá. Era uma vez um planeta meio estranho em que as pessoas estudavam várias coisas esquisitas. Fiquei sabendo que, mais lá para a metade norte desse planeta, havia cientistas gastando seus euros para pesquisar, por exemplo, se o uso de maconha leva à obesidade.
O racional é aceitável até. Um dos efeitos do consumo da maconha é o aumento do apetite. Mesmo sendo uma das palavras que mais detesto (juntamente com suvaco e chulé), a “larica” ela é real e conhecida. Dessa forma, seria esperado que alguém que fume rotineiramente coma mais e, consequentemente, tenha mais chance de desenvolver obesidade/sobrepeso, certo?
Parece que não. Uns pesquisadores franceses descobriram justamente o oposto. Usuários de maconha têm menos chance de desenvolver obesidade quando comparados com os certinhos que usam camisa pólo dentro da calça e pedem caipirinha de saquê. A surpresa foi tão grande que a equipe pesquisadora até cogitou ter cometido algum erro de metodologia no estudo. Para se assegurarem de que não tinham feito nada errado, repetiram o estudo com uma amostra de participantes totalmente diferente de primeira. E não é que o resultado foi o mesmo? Publicaram tudo no American Journal of Epidemiology, se você quiser comprovar o que estou falando.
A obesidade é uma importante questão de saúde pública praticamente em todo o mundo. Todos sabem do aumento na incidência de hipertensão, de diabetes e dos danos que ela causa em diversos órgãos e sistemas. Mas, antes que alguém pegue um megafone e saia animadinho na Avenida Paulista ou na USP pregando o uso da cannabis como solução e prevenção de problemas mundiais, é preciso um pouco de calma.
Eu poderia publicar, amanhã, um estudo dizendo que, num determinado hospital, num determinado intervalo de tempo de estudo, doentes infartados atendidos por médicos de cabelo castanho tiveram resultados melhores do que aqueles atendidos pelos loiros. Os médicos morenos são mais inteligentes que os loiros? Não. Coincidências acontecem e inúmeros fatores de confusão surgem. Nesse exemplo, no grupo de médicos castanhos poderia haver mais cardiologistas. E no de médicos loiros, mais dermatologistas e psiquiatras (sem clichês ou piadinha infames, por favor).
Outro exemplo? Imagine um E.T. descendo de sua nave e dando de cara com obesos tomando coca-zero no ponto de ônibus ou na rua. O que ele pensaria? “Não vou tomar esse negócio aí. Essa porcaria engorda”.
Enfim, eu acho que sempre cabe um pouco de ponderação. Tanto para gastar incontáveis euros/dólares para realizar esses estudos, quanto para interpretá-los e divulgá-los na mídia. Especialmente porque, além de gerarem intensa ansiedade em quem os lê (alguém lembra de quando foi divulgado -e,posteriormente refutado- que o uso de celular poderia causar câncer?) e um bombardeio de perguntas sem resposta nos coitados dos médicos de consultório. Além do mais, algo que pouca gente tem lembrado de estudar ou divulgar é o fato de que, mais ao sul desse mesmo planeta, há quatro milhões de pessoas sem dinheiro para comer. E que 750 mil delas vão morrer nos próximos meses se nada for feito…
(meu twitter: @mperroni)