Na infância, esta era a época de voltar de férias e se afastar do convívio com os pais
Quando era criança, esta era a época de voltar de longas férias e, consequentemente, se afastar do convívio intenso com os pais
Entrar em um avião depois do Carnaval me remete instantaneamente ao tempo de volta às aulas da minha infância. Desta vez estou dentro do avião num domingo, indo para Brasília. Embora eu tenha trabalhado durante o mês de janeiro, estávamos em recesso do plenário da Câmara Federal. Tive apenas uma semana de descanso, que teve de ter força de três meses. Faz falta a época em que as férias eram gigantes e voltávamos às aulas em março.
Essa mistura de prazer com desprazer é repetida. Já senti muito isso nos domingos que antecediam o primeiro dia de aula. A minha sorte é que sempre tive prazer nisso! Uma ansiedade quase gostosa, uma energia revigorada longe dos assuntos cotidianos, vontade de rever pessoas, e olhar algumas com olhos diferentes, de quem pensou sobre elas. E o dissabor vem acompanhando o final de um ciclo, refletindo um desconforto por termos de mudar.
Quando criança, voltar às aulas também significava parar de brincar com meus pais. Brincávamos de jogar tênis na parede de fora do quarto, de Vai-Vem (um brinquedo de corda com um objeto oval que desliza quando abrimos os braços). Andávamos de bicicleta, buggy e motinho. Fazíamos churrasco e esquiávamos. Comecei com 6 anos numa prancha aos pés do meu pai. Vai fazer dois anos que ele faleceu. Tenho sentido muito a presença dele. Com a morte do paizinho da Gil, minha assistente, revivi emoções imaginando a dor dela. Agora, por exemplo, identifico a sensação de não brincar mais com ele porque é fim de férias.
O avião vai pousar. Nessa hora me vem uma ideia de morte. Penso se posso morrer naquele momento. Muitas vezes não posso de forma alguma, mas tem pousos em que me sinto bem para morrer ali. Na maioria das vezes nem penso nisso. Mas hoje eu morreria numa boa.
Para onde vão os mortos? Será que existe alguma manifestação deles fora dos nossos pensamentos?
Outro dia estava indo a pé para a casa de um amigo. Um senhor levando um cachorrinho perguntoume se eu era filha do Duílio de Santo André. Expliquei a ele que este era sócio do meu pai, chamado Luiz Alberto Ângelo. Quando percebeu quem era meu pai, disse ser amigo dele. Fazia visitas a sua empresa e até lembrava do pôster que meu pai tinha atrás da mesa do escritório. Era a foto de um barco. O mar era uma das grandes paixões do meu pai.
Coincidências
Curiosamente, na mesma manhã daquele dia, a moça calada que trabalha na minha casa chegou contando histórias do seu ex-patrão. Contou que nas férias ele costumava alugar casa em Angra dos Reis e sempre alugava algum barco que não funcionava. Pois era o meu pai que salvava as férias do senhor João, emprestando o seu barco que ficava ancorado lá.
Era o barco do pôster, e mais coincidência ainda é que ele e meu pai sempre foram muito amigos, e essa moça veio trabalhar comigo sem saber disso.
Cheguei em casa e estava um fim de tarde resplendoroso, como na música que diz: “Passar uma tarde em Itapuã”. Me pus em pé na cadeira de rodas e fiquei ali sozinha, nutrida de bons pensamentos, até que o vermelho do sol virou céu colorido.
Na hora que o show celeste acabou, ouvi até palmas no meu imaginário. Peguei o tablet para fazer uma pesquisa sobre a rosa do deserto, minha arvorezinha que acabara de participar como coadjuvante no espetáculo. Foi a primeira vez no dia que me dei conta da data: era aniversário do meu pai!
Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br