por Carol Sganzerla
Tpm #84

Entre a novela das oito e o jornal da MTV, o ator Bento Ribeiro se joga na Tpm

Ele é filho do escritor João Ubaldo Ribeiro, tem 27 anos e já pesou 140 quilos. Contando hoje, parece roteiro de filme. Em ação, o ator Bento Ribeiro

De longe, só via a fumaça. O silêncio depois do estrondo foi interrompido pelas primeiras crianças e mulheres que brotavam da nuvem aos berros. Desesperadas. O que está acontecendo? Demorou a cair a ficha que o Rio de Janeiro era bombardeado em plena segunda-feira. Peguei meu bloco, a bolsa. Corri pra praia. Leblon, altura da rua Rita Ludolf. A menos de 500 metros do calçadão, submarinos estacionados. A areia quente levantava com o pouso dos helicópteros em chamas, esvoaçando a multidão. No instante em que franzia a testa, me pegaram forte pelo braço. Era o Bento. “Desculpe, estou atrasado... É que começou uma guerra mais acirrada entre o tráfico e o Bope e não me avisaram...” Bento dizia isso sem soltar meu braço, até que reparei nas unhas ligeiramente sujas. O cabelo também não estava impecável... Mas para um sobrevivente de guerra até que estava bem. O som dos tiros nos vidros dos carros disputava decibéis com as sirenes. Não entendia o que Bento dizia, então passei a contemplar a cor dos seus olhos levemente puxados. Ora azul, ora cinza. Nos afastamos em direção a um café, e, sem indícios, um temporal desabou. Nas primeiras passadas, já estávamos encharcados. Bento, de papete, bermuda e camiseta Nike branca, enfrentou bem a correnteza que se formava. Ilhados na Ataulfo de Paiva, começamos a entrevista. Quem está na chuva é para se molhar.

Sobre Chucky e Gremlins
O encontro descrito não passa de ficção. É que Bento adora uma cena como essa. De cinema. Se amarra em explosões, desabamentos, coisas que voam. Pra ele, isso sim é diversão. “Esses filmes ultrarrealistoides são sempre uma parada densa, calcada na realidade, sem aspecto fantasioso. Um filme, pra ter conteúdo, não precisa ser chato. Gosto de dizer: ‘Você viu a parte em que o cara cai do avião atirando?’.” Cresci me amarrando nesses filmes. Não foi [Ingmar] Bergman que me fez, com 12 anos, dizer ‘quero fazer cinema’. Foi Exterminador do Futuro”, confessa. Some à lista personagens com poderes: Homem-Aranha, Batman, Wolverine. Bento coleciona revistas desde os 15 anos. Os bonecos vieram mais tarde: por ali, corre-se o risco de topar com o Chucky, o brinquedo assassino.“Me amarro na temática do terror. Uma garota disse uma vez: ‘Nunca vi um homem que tinha um bicho de pelúcia’. Falei: ‘Pô, é o Gizmo, do Gremlins!’.”

Entre descobrir o cinema e ter seu primeiro papel de destaque se passaram 15 anos. Bento Manuel Batella Ribeiro – filho do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro com a psicanalista Berenice – não imaginava tão cedo se ver na novela das oito. Para quem já segue o caminho das Índias, refresque a memória: ele era Juca, par romântico de Cida (Claudia Ohana), em A Favorita.

Papelão na estreia
Na real, ele ainda não sabe se quer mesmo ser ator. Por ora, fechou contrato com a MTV para apresentar, a partir de março, um programa de sátira jornalística, ao lado da humorista Dani Calabreza. Bento tem uma veia cômica. Imita diálogos e cenas, como sua estreia na TV, em Malhação, há sete anos. “Mandei tão mal, mó vergonha. Usava um gel no cabelo, suava e o troço escorria, limpavam e a parada grudava no papel... Aí um mosquito me mordeu a bochecha, o diretor dizia: ‘Bento, dá sua fala e levanta pra esquerda’. Eu ia pra direita. Pensava que nunca mais iam me chamar, acho que esqueceram”, brinca. Se esqueceram da caótica estreia, certamente se lembraram do sorriso e das pintas que pontuam seu rosto quando o escolheram para aparições em novelas da Globo, como Laços de Família (2000), Da Cor do Pecado (2004), no longa Tropa de Elite (2007) – em que era um dos alunos da faculdade – e na extinta série Faça sua História (2008), em que atuou em sua primeira cena na cama, com seis mulheres. Pra ele, tirar a roupa não é problema. Mas poderia ser. Bento tem nas costas, barriga e braços estrias da época em que sua pele esticou para suportar os mais de 140 quilos. Isso mesmo: 140 quilos.“Dos 16 aos 20 anos era gigante, não passava na roleta do ônibus. Quebrava cadeira, cama, vivia suado. Gordo não precisa fazer esforço pra suar e ninguém entendia isso”, lamenta. Culpa da ansiedade e da comida barata em Berlim. Foi lá que começou a comer, quando morou dos 10 aos 13 anos, antes de ir com a família pro Rio. Bento nasceu em Portugal “só pra pegar passaporte europeu”, como diz, e, antes de engatinhar, desembarcava na ilha de Itaparica, na Bahia, para lá viver até os 10 anos na casa que tinha sido do avô.

Comer, amar, atuar
Sem obesidade na família, era o único de quatro irmãos (ele mais três irmãs, duas da primeira união do pai) a usar manequim 56. “Comia que nem animal, era doença. Não bebia, não fumava, comida era minha droga. Não tinha vida social, só comecei a sair com mulheres com quase 18 anos”, lembra, sem traumas. E sem apelidos. “Não me zoavam porque era palhaço na sala de aula, imitava os professores”, conta. A balança marcou 89 quilos após três anos de boca fechada. Agora sim, hora de curtir “a night”. Por pouco tempo. Bento se apaixonou pela mulher que lhe tirou a virgindade. “Namorar não era o bastante. Saí de casa com 17 anos e fui morar com ela, contra minha família”, lembra. Bento pagava as contas com a loja de revista em quadrinhos que abrira com o amigo Chico Paschoal, com quem hoje divide apê no Rio. O namoro não durou dois anos: “O relacionamento era neurótico, ela era louca. E eu, careta, só comia, transava e jogava videogame. Voltei para 115 quilos. Aí acabou”, conta ele, que faz análise desde essa época. Naturalmente Bento chegou aos 75 quilos, mantidos com corrida e academia. Na época, o curso de teatro na Casa das Artes de Laranjeiras serviu de estímulo. “Os diretores gritavam: ‘Bento, seu obeso, da cintura pra baixo não tem movimento!’.” Com algumas peças no currículo, como Zapeando, escrita com o amigo Chico, aguarda patrocínio para textos já prontos. A ilha que nos abrigou estava cada vez menor. O nível da água só aumentava. Bento, gentil, sugeriu que nos agarrássemos a um tronco que por ali passava – e assim escapamos do pior. Antes de me pendurar na corda jogada pelo helicóptero que me tiraria dali, pedi desculpas caso alguma informação não saísse correta – afinal, meu bloco estava em frangalhos. Com os olhos, respondeu que não havia problema. Ele bem sabe que a vida tem muito de ficção.

 

ESTILO E PRODUÇÃO ANA HORA ASSISTENTE FERNANDA PONTVIANNE ASSISTENTE DE FOTO MARCELA NUNES AGRADECIMENTO ESTALEIRO ALIANÇA (21 2523-6962)

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