Atendendo a um chamado interno

por Mara Gabrilli
Tpm #143

Encontrar a atleta Laís Souza era um desejo meu desde o acidente que mudou a vida dela

Encontrar a atleta Laís Souza era um desejo meu desde o acidente que mudou a vida dela. O encontro aconteceu. E o U2 cantou bonito entre meus pensamentos...

Desde que a Laís Souza se acidentou, em janeiro deste ano, treinando para a Olimpíada de Inverno de Sochi, na Rússia, e quebrou o pescoço, sinto uma vontade louca de estar perto dela. Isso acontece comigo muitas vezes. Quando alguém se acidenta ou sofre uma mudança de percurso radical na vida ou quando chega até mim uma notícia de injustiça que expõe algum ser humano às mazelas do sistema, é como se fosse um chamado de algo muito grande no universo. O sentimento de urgência se instala na minha cabeça e no meu coração. Enquanto eu não atendo ao chamado, a inquietação persiste. Foi assim com a Laís.

Cheguei a Miami em missão oficial, para uma visita ao The Miami Project to Cure Paralysis, um dos maiores centros de pesquisa de cura de paralisias do mundo. A intenção da missão é trazer para o Brasil um protocolo de pesquisa inédito, que há muitos anos vem sendo desenvolvido por eles. Já iniciaram com a aprovação do FDA, o Food and Drug Administration (o órgão americano equivalente à nossa Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária), do implante de célula de Schwann (célula que temos no nosso sistema nervoso) em alguns pacientes com lesão medular aguda.

Um dos fundadores e presidente do Miami Project é o doutor Barth A. Green. Neurocirurgião abnegado, com profunda admiração por quem tem sua vida transformada pela perda de movimentos, ele dedica sua existência a dar qualidade de vida a essas pessoas. Em 1996, quando a minha lesão ainda era fresca, vim fazer um tratamento no Complexo do Jackson Memorial Hospital, onde está o Miami Project. De tanto admirar o doutor Green, sabia exatamente o rosto e o sorriso dele. Um dia, caminhando com um amigo pelos corredores do hospital, dei de cara com ele e em suspiros falei em voz alta: “I know you! You are dr. Green!”. Ele ficou muito curioso a meu respeito e pediu que eu fosse ao consultório. Saí de lá tão feliz que parecia ter beijado o Bono, do U2. Assim começou a nossa amizade.

No mês passado, poucas horas depois do meu desembarque, eu já estava no Jackson. Encontrei a Laís sentada em sua cadeira sob uma árvore milenar, bem em frente ao Miami Project. Foi incrível aquela cena para mim! Ela diante do centro de pesquisa que eu visito todos os anos. Estacionei minha cadeira junto à dela e nos beijamos com a ajuda de sua mãe, Odete, da Gil e de amigas. Obviamente me emocionei! Emoção por ter conseguido atender o chamado, por saber do medo que perpassa os pensamentos de alguém que de um dia para o outro perde os movimentos do corpo, por poder, de alguma forma, ajudar.

Conseguimos colocá-la no meu carro alugado para uma voltinha. Almoçamos e conversamos. Na hora de devolvê-la ao hospital, percebi que o estacionamento era o mesmo que eu usava em 1996, quando meu irmão me levava ao tratamento. Porém, notei uma grande diferença: hoje, tem nele a paz de ter sobrevivido à dor da vida sem movimento.

Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Pró­ximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br

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