Algum veneno antimonotonia

por Fernando Luna
Tpm #142

Editorial: ’Eu sei, é chato, mas vamos encarar o fato: viver faz mal à saúde’

Eu sei, é chato, mas vamos encarar o fato: viver faz mal à saúde.

Se você está vivo, está morrendo. Inevitável. O tempo vai passando e, devagar, devagarinho, os átomos que formam esta pessoa incrível conhecida como você se desconectam, suas células morrem, seus processos metabólicos falham. Seu organismo, enfim, se degenera até deixar de ser.

Mas, devagar com a louça, também não há por que apressar as coisas.

Por isso, o bom senso e os médicos recomendam evitar qualquer atividade capaz de render uma indicação ao Darwin Awards, praticar atividade física regularmente, manter toda fumaça longe de seus pulmões e comer bem – e é aqui que a coisa fica mais complicada, como investigamos nesta edição sobre o veneno que está no seu prato, no ar que você respira, nas redes sociais, na sua mente.

Mesmo numa muitíssimo básica dieta de pão e água não está fácil escolher o que botar para dentro. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, mas só com farinha integral, muita fibra insolúvel, ômega 3, antioxidantes e beta-glucanos. E, quando tomar um copo de água – essa melíflua substância tida ingenuamente como insípida, inodora e incolor –, lembre de checar se ali não tem sódio de mais ou pH de menos.

Exagero? Ilusão de que, com a equação exata de elementos químicos, é possível ter controle absoluto sobre nosso corpo?

Bem, o único poeta de seu tempo que levava vida de poeta (hoje tem mais gente levando vida de poeta, só falta fazer um verso de poeta), Vinicius de Moraes escreveu em 1947 um soneto que vale por uma ode avant la lettre contra a paranoia alimentar.

Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem mais aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Onívoro; deem-me feijão com arroz

E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei, feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.

Pelamordedeus, claro que não faz sentido encarar um bife a cada refeição, traçar meio queijo a cada café da manhã (aliás, melhor tirar logo o café do café da manhã) ou mergulhar todas as noites na cachaça, seja de Parati ou Salinas.

Mas viver comendo em vão, entre colheradas de culpa a cada refeição e detox aloprados de sobremesa, seria uma rima, não seria uma solução. 

Fernando Luna, diretor editorial

PS: O programa Trip TV estreia na Band dia 15 de maio, levando para tela o olhar das revistas Tpm e Trip. Todas as quintas e terças, 1h30 da madruga. Liga lá.

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