Alexandre Borges

por Ariane Abdallah
Tpm #105

Aos 44 anos, o Jacques Leclair da novela Ti-ti-ti falou sobre traição, casamento e velhice

Aos 44 anos, 16 deles na TV, Alexandre Borges foi de ator bonitinho a homem maduro. Casado com a atriz Julia Lemmertz e bombando o Ibope da Globo como o Jacques Leclair de Ti-Ti-Ti, ele fala à Tpm sobre bastidores da carreira, inseguranças, envelhecimento e infidelidade: “Você casa, mas continua com as suas inquietações e fraquezas”

Alexandre é desses homens que ficam mais bonitos à medida que os anos passam. Aos 44, com mochila nas costas e calça jeans rasgada, ele caminha por Ipanema – bairro onde mora – e toma um suco de fruta-do-conde sem se incomodar com tantos olhares estranhos direcionados para si. Apesar dos 16 anos de TV, 11 novelas, 14 longas e 6 espetáculos no currículo, nunca causou tanto frisson quanto agora, vivendo o hilário estilista Jacques Leclair no remake de Ti-ti-ti, novela das sete que tem registrado altos índices de audiência para o horário global.

Enquanto na telinha faz pose de gay para despistar o garanhão que há em si, na vida real o ator admite achar “mulher uma maravilha” e considera uma dádiva ser casado há 17 anos com a mesma, a atriz Julia Lemmertz. Mas sabe que “o marido” é apenas um de seus papéis. “O casamento não pode ser a prioridade que vai pautar sua vida. Não sou o marido da Julia o tempo todo. Ela está comigo, mas tem também meu trabalho, meu pai, minha mãe...”, pondera.

“Você acaba não fazendo o que quer, mas é você que não faz. Usa uma fachada para se desculpar por não ter coragem”

Em um dos dois dias em que falou à Tpm, Alexandre foi parado por dois carros, algumas buzinas e alguns gritinhos femininos enquanto caminhava pela rua. A primeira rodada da conversa aconteceu em seu escritório, a poucas quadras do apartamento em que mora também com a enteada Luiza, 22 anos, e o filho, Miguel, 10. Lá, ficam dezenas de livros – tem Buda, Tom Jobim, espiritismo, filosofia, literatura e psicologia – e cartazes de espetáculos. No dia seguinte, ele aparece em seu Xsara preto e escolhe conversar no restaurante do hotel Sheraton, onde frequenta a sauna do spa. Enquanto fala, acena com a cabeça para qualquer um que o encare.

Filho de uma ex-bailarina e do diretor de teatro Tanah Corrêa, Alexandre nasceu em Santos (SP) e cresceu cercado por tios artistas, vendo na TV os ídolos que hoje são colegas de trabalho, como Tarcísio Meira, Francisco Cuoco e Lima Duarte. Passou pelo grupo de teatro Boi Voador, trabalhou com Zé Celso Martinez Corrêa e fez filmes como Terra Estrangeira, de Walter Salles, e Um Copo de Cólera, de Aluizio Abranches – em que aparece em cenas de sexo com a mulher, Julia. Morou em Portugal e se apresentou na Alemanha. Entrou na Globo em 1994 e atuou em novelas como A Próxima Vítima, Laços de Família e Caminho das Índias. Até hoje, liga para a família para perguntar o que acharam de suas cenas.

Caminho do meio

Quando o assunto é o passar do tempo, ele interrompe a entrevista para mostrar o curta-metragem Eclipse, que produziu para o Multishow, em 2008, sobre um tema que não sai de sua cabeça: o ciclo da vida – enquanto nascem os filhos, os mais velhos começam a ir em direção à morte. Alexandre se vê no meio desse caminho. Mas, minutos depois, saca da mochila a peça que escreveu sobre um casal de artistas em começo de carreira. Por fim, abre um livro sobre a vida de Marlon Brando e o texto vai
ao encontro de seu próprio discurso: “Sou apenas um ser humano, exatamente como você. Fico feliz e triste, quieto e alegre. Em resumo, não sou nada mais, nada menos do que um dos 5 bilhões de animais humanos desta Terra”.Nas próximas páginas, Alexandre Borges cita também Hamlet e Guimarães Rosa. E vai da infância catando marisco nas praias de Santos ao desejo de não confundir, na própria vida, ficção com realidade.


Tpm. Você está na TV há 16 anos e ainda é considerado galã. Como lida com o amadurecimento?
Alexandre Borges. O tempo passando é uma preocupação bem masculina, e eu estou vivendo exatamente esse momento. Com 44 anos, tem a coisa de estar envelhecendo... a meia-idade [risos]. Lembro de quando eu tinha 18, estava começando como ator e pensei: “Até os 40 acho que vai dar em alguma coisa”. Ao mesmo tempo, pego fotos de quando eu tinha 27 e é muito recente. Casei com a Julia [Lemmertz] com essa idade e, até encontrar ela, estava programando morar de novo em Portugal [onde viveu de 1989 a 1990, na cidade do Porto]. Mas você vai abrindo mão de coisas por outras escolhas...

Imagina como teria sido sua vida se não tivesse casado?
Não me permito pensar nisso, é perda de tempo. Talvez eu queira, sim, acrescentar o que é o Alexandre sem filhos e sem mulher ao que sou com eles. Mas não pensando no filho como uma amarra, porque às vezes você arruma muita desculpa. “Ah, ele que não deixa” ou “é por causa da minha mulher.” Você acaba não fazendo o que quer, mas é você mesmo que não faz. Usa inconscientemente uma fachada para se desculpar por não ter coragem. Mais ou menos o que você me perguntou quando chegou: se meu filho tinha ficado triste porque hoje é domingo e eu não estou com ele – ou se eu é que estava sentindo isso.

O que faria neste momento da vida se não tivesse família?
Por exemplo, hoje não posso dizer que, acabando a novela, vou passar seis meses estudando inglês em Londres, que é uma coisa que tenho vontade, para aprender e ficar mais despachado em viagens. Antes eu tinha que entrar num acordo com meus pais, hoje é com minha mulher e meu filho. Mas, se eles me “deixarem”, não sei se consigo ficar longe de casa.

O que é o casamento para você?
É pra curtir. Viajar, ir a um restaurante, comprar uma casa juntos, transar, curtir o ócio a  dois. É o que quero. Para isso, precisa trabalhar, cuidar da saúde, dividir as contas, o condomínio, o investimento, organizar o cotidiano. Estou com a Julia há 17 anos, passou rápido. Nos conhecemos por causa do teatro, do cinema, então temos respeitopelo que somos individualmente, damos força um para o outro. Vai se formando um patrimônio emocional, que fica no corpo, na pele. É um laço forte, não é qualquer coisa que desata. Mas motivos podem pintar. Do futuro, não sei.

Que motivos seriam esses?
Pode acontecer de ela conhecer uma pessoa e ser um daqueles encontros... A vida é assim. Às vezes as coisas acontecem de maneira decisiva.

Tem medo de que isso aconteça?

O medo existe, mas prefiro saber que acabou do que acabar e não estar sabendo. Tenho mais medo
de me anestesiar. De ser levado por uma coisa confortável, estabelecida. Tem que estar sempre atento. Uma separação seria um impacto, uma mudança radical neste momento. Mas, se fosse o caso, seria mais saudável do que uma coisa de fachada, ou do que ter uma vida dupla. Se é pra brigar, reclamar, falar o que precisa mudar, tem que ser na hora. Mas é difícil perguntar: “E aí, amor? Vamos continuar juntos? Ou tá querendo outra vida?” [risos]. Acho que conversas assim são o futuro do casamento. Hoje, homens e mulheres têm autonomia, têm suas carreiras, seu dinheiro. É o que dizem: as pessoas só ficam casadas porque realmente querem.

Você é ciumento? Olha... [Pausa] Sei o que é o ciúme. Mas procuro ser um cara aberto, moderno, contemporâneo, trabalhado [risos]. Não fico enchendo o saco da minha mulher, perguntando aonde ela vai, que horas volta. Se sai produzida para uma festa, um prêmio, você vai se domando pra não falar: “Que roupa é essa? Pode tirar!”. Não dá pra dizer uma coisa dessa no ano de 2010. Se ficar falando coisas do tipo “Não acredito que não comprou tal coisa”, “Não vai na festa? Você também não quer fazer nada! Só quer saber de futebol e trabalho”, aí começa a ferrar. O casamento não pode ser a prioridade que vai pautar sua vida. Eu não sou o marido da Julia o tempo todo. Ela está comigo, mas tem também meu trabalho, meu pai, minha mãe...

 

“Tenho mais medo de me anestesiar. De ser levado por uma coisa confortável. Tem que estar atento”

Quem são seus pais?
Minha mãe, Rosa, foi a primeira mulher do meu pai, Tanah Corrêa. Ele está no quinto casamento e teve dez filhos, mas sou o único dos dois. Eles se separaram quando eu tinha menos de 2 anos. Ela era administradora de empresa, e eu passava muito tempo sozinho, vendo televisão. Era fã de Festival Jerry Lewis, Elvis Presley, Sessão da Tarde, novela. Já ficava fantasiando ser ator, acompanhava o trabalho de Tarcísio Meira, Lilian Lemmertz [mãe da Julia], Paulo Gracindo, Claudio Marzo, Jardel Filho... Sou de Santos, mas moramos em vários lugares por causa do trabalho da minha mãe. No Guarujá, em São Paulo, em Belo Horizonte, em casas de tios. Meu pai é diretor de teatro, estava sempre viajando. Então, minha mãe me levava para empinar pipa na praia, jogar bola, brincava comigo de luta. Só casou de novo depois de nove anos, até então éramos nós dois.

Que outras lembranças tem da infância? De, com uns 6, 7 anos, catar marisco nas pedras da praia com meus primos, e minha avó cuidando da gente, aquelas ondas enormes vindo. E no prédio que eu morava também moravam meus tios. Então, eu almoçava na casa de um ou de outro, voltava, fazia lição, até minha mãe chegar, à noite.

O contato com o teatro foi por causa do seu pai? Sim. Tanto que no começo eu era Alexandre Corrêa. Depois descobri que a mãe da minha mãe sempre sonhou ter um filho no palco. Meus tios eram músicos, minha mãe chegou a ser primeira bailarina do corpo de baile de Santos. Nos anos 50, minha avó levava ela pra São Paulo para fazer aula com grandes professoras. Resolvi adotar o Borges, em homenagem a minha avó.

Quando começou a trabalhar? Com 9, 10 anos, ia passar fim de semana e férias com meu pai, que estava sempre ensaiando alguma peça. Às vezes eu participava, viajava de ônibus para festivais de teatro amador. Eu andava de bolsa, pegava crachá, tickets para comer no bandejão e Sucrilhos com suco de caixinha, que distribuíam [risos]. Todos os meus irmãos tiveram alguma ligação com o teatro e somos até hoje muito próximos. Eu falo muito e ligo para tudo que é parente para saber o que acharam de uma cena.

Quando mudou para o Rio?
Primeiro morei aqui com meu pai por um ano, quando tinha 15. Tivemos momentos legais e outros
conflituosos, porque ele achava que eu era muito mimado e resolveu que tinha que dar um jeito em mim. Ele é comunista, então levava a sério a disciplina, a coisa do não desperdício, da consciência. Eu fazia comida, arrumava a cama, tinha que ir bem na escola, era uma paranoia. Depois ele disse que exigia isso para minha mãe não dizer que eu estava deixando os estudos de lado. Tinha até que ajudar no aluguel, afinal já trabalhava, participava da montagem que ele fez de Os Saltimbancos. Depois voltei para Santos e, com 18 anos, fui morar em São Paulo.

Sozinho? Não. Primeiro, morei com uma prima, no Parque Continental, bem longe de tudo. Depois, com amigos. Era aquela coisa de estar chegando num lugar que você sonhou muito. Fiz teste para o CPT, do Antunes [Filho]. Fui passando nas fases, mas fiquei meio que numa reserva de atores. Na época, o Boi Voador era um grupo dirigido pelo Ulisses Cruz, assistente do Antunes. Ele estava fazendo uma peça chamada Velhos Marinheiros e precisou substituir um ator. Me chamou e eu acabei ficando nove anos no
grupo. Foi a minha formação, muito parecida com a do Antunes, de trabalhar um texto sob várias óticas: da psicologia, da física quântica, da filosofia, da mitologia, da religiosidade, da política. Então, você já cria essa necessidade de se cercar de conhecimento. Foi um momento muito mágico.

Como era sua vida nessa época?
Eu estava duro, ficava ali com os amigos, comia sanduíche na lanchonete, andava de ônibus. Pessoas de faculdade iam me ver em peças e começaram a me chamar para participar de curtas. Foram experiências que me fizeram sair da juventude e amadurecer. Tive oportunidades de viajar com o grupo para festivais do Brasil, para Portugal. O Ulisses [Cruz] estava trabalhando na cidade do Porto com a companhia Seiva Trupe, e eu pedi pra ir também e morei um ano lá. Até então, eu era muito verde, cru, e quando você é novo acha que já sabe das coisas. Tinha que passar por aquela desconstrução e me aprofundar na profissão.

Como era a cena cultural em São Paulo nessa época?
Era o fim dos anos 80, não existiam tantos grupos. Não tinha o movimento teatral que agora tem na praça Roosevelt [onde ficam as sedes dos grupos Parlapatões e Os Satyros], por exemplo. Tinha cineclubes, como o Bijou. E no cinema brasileiro ainda tinha muito pouca coisa sendo feita.

Você era boêmio? Sempre gostei de sair para dançar. Hoje em dia saio menos, mas uma festinha de aniversário, uma comemoração de novela é sempre gostoso.

Você teve que trabalhar em outras coisas para se sustentar? Sim, a própria publicidade é isso. Tudo bem, é também uma experiência com o mundo cinematográfico... Mas eu tive sorte, porque mesmo sem dinheiro tinha estrutura para viajar, fazia parte de um grupo, os cachês davam para pagar o aluguel. Mas já vendi sanduíche natural e salada de fruta na praia, no Guarujá, quando morei lá. E, antes de começar realmente minha carreira, com 17, 18 anos, fui plantonista imobiliário. Passava a maior parte do dia lendo, mas cheguei a vender algumas coisas.

Como conheceu a Julia?
Quando fiz o filme Mil e Uma, da Susana Moraes. Fui convidado para vir para o Rio de Janeiro fazer um
longa-metragem... a coisa mais chique, né? Eu tinha essa fantasia. A Julia já era superfamosa, fiquei feliz quando soube que ela ia participar. Eu acompanhava o trabalho dela na TV desde os 15 anos, achava ela linda, um pitéu [risos]. Além de ser talentosa, resolvida, mulherão. Mas a produção foi adiada e ela não pôde fazer. Nos encontramos umas duas vezes na Espanha, ela com uma peça da Bia Lessa, eu com o Boi Voador. Depois saí do grupo e fui para o outro extremo: o Zé Celso. Já era 1993, recebi um convite para fazer Hamlet, que reabriria o Teatro Oficina, em São Paulo. Oito horas de espetáculo, uma coisa bem libertadora. A atriz que ia fazer par comigo teve que sair da peça e a Julia entrou no lugar.

De cara rolou um clima? Já tinha a amizade, e foi acontecendo. Ela estava recém-separada, eu tinha acabado um namoro de quatro anos. Começamos a namorar e, em cinco meses, começou aquela coisa de deixar uma roupinha em casa, coloca um DVD e pede um japonês para não ter que sair, aí mudei para o Rio e fomos morar e trabalhar juntos.

 

“Meu pai é comunista, então levava a sério a disciplina. Eu fazia comida, arrumava a cama”

Como foi essa mudança?
Em primeiro lugar, foi uma coisa de sustentação mais segura, em relação a dinheiro. E juntou com o
resgate da fantasia do começo da carreira, o sonho de ser famoso. A Julia tinha sugerido que eu apresentasse minha fita para a Rede Manchete, que estava precisando de atores, e fizemos minha primeira novela juntos, Guerra sem Fim.

Você tinha esse sonho de ser famoso? Quando você decide ser artista, está implícito que quer ser visto, ouvido. Quer um público. Quer mostrar o que tanto te inquieta, quer partilhar isso com as pessoas.

Você carrega certa angústia, uma melancolia típica de alguns artistas? Acho que todo ator usa um pouco a angústia. Uma característica minha, por ser do signo de Peixes, é que prezo bastante meu mundo interior, psíquico. Como trabalho com a fantasia, com o emocional, é um prato cheio para divagar. Mas tem que saber o quanto de corda dar para isso. Porque não tem jeito de não ter ansiedade com a vida urbana, o mercado, a relação familiar. Tem que cuidar para a ansiedade não virar paranoia. É como diz Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso”. Mas tem uma coisa forte na vida que é a paternidade. O nascimento do Miguel foi um divisor de águas pra mim.

O que mudou com a chegada dele? Você passa a ter aquela pessoa dependente física e emocionalmente, que te pergunta uma coisa, e sua resposta vai ser decisiva para a leitura de mundo dele. Aquele bebê que ri quando te vê. Tem que cuidar de si mesmo para poder cuidar dele. Quando você é sozinho, tem a possibilidade dessas questões mais existencialistas, de colocar umas minhocas na cabeça. Depois que ele nasceu, coisas que poderiam se estender são interrompidas pela necessidade de cuidar de uma criança.
Fora os momentos de viagens a trabalho, de eu estar no táxi, indo para o aeroporto e chorando por sentir falta de entrar em casa e olhar pra ele. O amor é muito forte. É incrível ser pai.

Assistiu ao parto? Assisti. O Miguel não queria nascer, e a Julia queria parto normal, então foi uma loucura. Aquela gritaria, o médico empurrando, o Miguel era grandão, eu fiquei lá dando força: “Tá indo, fica calma, vai dar tudo certo”. É realmente uma coisa poderosa.

Você trocava fralda, acordava de madrugada? Sim, trocava, pegava de madrugada para levar pra mamar. E hoje levo na escola, vejo TV com ele, estudo, levo para jogar bola, leio livros...

A Julia é três anos mais velha que você. Como é acompanhar o amadurecimento da mulher, o corpo já não tão jovem? Estamos juntos nisso, né? Mas ela está encarando muito melhor que eu, porque se cuida bem mais. A mulher já tem essa disciplina, faz exames, vai ao dermatologista, tem o temperamento mais relaxado. Mas, para mim, o que faz ter a percepção da “gostosa” é mais essa euforia interna. É um encantamento, com todas as imperfeições da pessoa. Não é uma questão de velhice ou de textura da pele.

Você se cuida? Faço sauna e massagem. Há uns quatro anos, praticava caratê. Estou com muita vontade de retomar. Não apenas por ser uma luta marcial para me defender, mas porque tem essa coisa zen, do equilíbrio, de canalizar a energia e trabalhar força e, ao mesmo tempo, relaxamento. Você se concentra no seu corpo, em como está posicionado, no movimento que vai fazer. Tudo isso afeta também sua autoestima, seu caráter, sua satisfação. É uma higiene corporal e mental.

Já fez terapia?
Fiz algumas sessões de análise para ver como era, porque algumas pessoas falam que “tem que fazer”. Mas gosto de ler sobre psicologia, Freud, Jung. E recentemente tenho gostado bastante de biografias. Porque às vezes você se pega pensando: “Será que vou conseguir fazer tal coisa?”, “Será que é o momento?”, “Será que quero?”. Às vezes sentimos como se as coisas só acontecessem com a gente. E lendo a história de pessoas brilhantes, você também nota hesitações, momentos em que houve uma bifurcação na vida delas.

Quem são seus amigos, com quem você sai para jantar? Na verdade, sobra tão pouco tempo pra gente, que fico muito nessa de sair só com minha mulher, o Miguel e a Luiza. Mas temos amigos, muitos que já eram da Julia quando a gente casou, como [os atores e diretores] Ernesto Piccolo, Ana Beatriz Nogueira, Fernando Eiras...

Você sabe cozinhar? Ah, aquelas coisas que a gente faz para seduzir as mulheres. Um prato bonito, com velas e vinho [risos].

Já foi mulherengo?
Sim, já fui mulherengo. Mas mulher é uma maravilha, né? Não vou ser hipócrita de dizer que, de repente,
isso desapareceu. Não mudou minha visão. Sempre achei legal paquerar, flertar. Mas quando você é casado desenvolve vínculos diferentes, que não precisam ter conotação sexual. Hoje valorizo muito amigas, pessoas com quem contraceno. É uma energia, uma força que me move, porque é o contraponto do homem. Mas em algum momento da vida você passa pela fase de cada semana estar com uma mulher. Com uns 17, 18, 19 anos tive um período desses, do sexo mesmo.

 

“Pra mim, o que faz ter a percepção da ‘gostosa’ é um encantamento, com todas as imperfeições da pessoa. Não é uma questão de velhice nem de textura da pele”

Como encara a fidelidade?
É complicado manter isso, porque nós não somos únicos. Temos uma coisa do que é certo, bom, correto, honesto, mas também aquela coisa de “Eu tô nesse mundo sozinho, ninguém é de ninguém, se pintou aquele momento, por que não?”. O mundo contemporâneo, e a gente mesmo, levanta essas questões. Não é porque casou que vira “o marido”. Você é a pessoa que sempre foi, com as mesmas dúvidas, inquietações e fraquezas. Mas casamento com infidelidade também é muito complicado.

Já passou por isso?
Em outros relacionamentos, sim. Acontece que quando você transa com outra pessoa ou chega ao extremo de ter uma amante, uma vida dupla, a qualidade da relação cai muito. Para mim, mais do que uma coisa moral, quebra aquela mágica. Eu odiaria pensar em estar casado com a Julia querendo estar com outra pessoa, ou buscando outras pessoas.

E como é o assédio das mulheres?
Também tem que saber lidar com isso. Porque é muito bom ser elogiado, ouvir “estou adorando
seu trabalho”. Muitas mulheres falam “te acho lindo”, “te acho gostoso”. Mas sou um ator, tenho que separar as coisas.

Se incomoda com os paparazzi? Como eles estão sempre se escondendo, gosto de ver e falar: “Ah, te peguei!” [risos]. Por isso, várias vezes apareço rindo. Vejo como um fenômeno mundial, que vem do entretenimento americano, inglês. Se estou correndo na Lagoa e vejo o cara ali, beleza. Mas não tenho um grau de exposição que outras pessoas, que colocaram a boca no trombone e reclamaram, tiveram. Agora, o fato de não reagir não significa que não me atinja. Às vezes tô na praia, batendo bola com meu
filho, vejo um cara tirando foto. Não quero chamar a atenção do Miguel, criar um desconforto. Mas geralmente encurta meu programa.

Qual foi a abordagem mais absurda que já sofreu? Ah, eu já dei autógrafo em velório [risos]. Acontecem umas coisas bonitas também. Por exemplo, outro dia fui visitar um tio no hospital e de repente estava tirando foto com enfermeiras, pessoas faziam questão de me levar nos quartos, para visitar o parente doente. Acho um pouco assustador quando forma multidão. Uma vez, em Paraty, estávamos gravando a minissérie A Muralha e assistíamos a uma missa. Aí começou um a olhar pra trás, outro cutucar, até que o padre falou: “Temos a presença dos atores...”. Quando acabou, começaram a pedir autógrafo, juntaram umas 40, 50 pessoas. Uma coisa sem controle, me deram um beliscão na bunda, e eu: “Gente, tá na igreja!” [risos]. Aí a produção pegou o carro do padre e me jogou lá dentro.

 

“Quando você transa com outra pessoa, a qualidade da relação cai muito. Mais do que uma coisa moral, quebra a mágica”

Se importa com o que pensam sobre você? Sim, me importo. Na época de Caminho das Índias, o Raul Cadore, meu personagem, deu o golpe, fugiu, e aí levou o golpe da Ivone, a Letícia Sabatella. Ele volta, na minha cabeça, como o cara que errou e vem com um novo olhar. Mas algumas pessoas não aceitavam. Diziam: “Ele é muito safado, merece o que está sofrendo”. E lembro de estar assistindo ao Esporte Espetacular e o Ronaldo Fenômeno estava sendo entrevistado. Perguntaram para ele sobre a novela e ele
disse: “Eu estou acompanhando e queria muito que o Raul fosse perdoado”. Achei muito legal.

Tem atores que consideram TV uma arte menor. Como você a enxerga? É onde faço meu trabalho há 15 anos, oito deles exclusivamente dedicados a isso. A TV é uma coisa séria, uma grande responsabilidade. Você se expõe muito, envolve muita gente e diversas leituras diferentes do seu trabalho. Mas é um mundo muito restrito, em relação à quantidade de atores que existe. Não tem espaço para todo mundo. Você também tem que trilhar um caminho, se preparar. Gosto de uma frase de Hamlet: “Estar pronto é tudo”.

Tem vontade de escrever e dirigir? De dirigir teatro, sim. Precisa ter coragem também, mas está na minha cabeça.

Você ficou rico? Rico? Não. Mas, se pensar em relação ao que eu era, sim. Sempre guardei dinheiro, sou pé no chão com essas coisas. Para mim é importante a dignidade, a independência, mas não o luxo. Não fico sonhando muito alto. O que mais gastamos lá em casa é com funcionários porque precisamos ter uma estrutura por causa dos nossos horários inconstantes. Temos três pessoas fixas, como o motorista, que fica com o Miguel, leva para as aulas. De resto, gosto de investir em viagens. Mas é uma profissão incerta, então me organizo para daqui a dez anos ter uma reserva, caso eu faça trabalhos com menos retorno
financeiro.

Pensa em ir para Hollywood, como Alice Braga, Rodrigo Santoro...? Se você faz um trabalho que atinge as pessoas de maneira impactante e universal, aí acredito que possam rolar convites, coisas fora. Me enriqueceria como um ator brasileiro. Mas a base do meu trabalho é aqui, com as minhas pessoas, as minhas influências, a minha língua. Enfim, no meu país.

Você parece ser bem na sua, reservado. Tenho certa formalidade que às vezes passa a impressão de ser reservado. Mas talvez eu me proteja de uma timidez. Não sou despachado, extrovertido. Às vezes porque faço personagens que exigem uma energia. Então, na vida, busco tranquilidade. Agora, de fato, só fico mais relaxado em casa, com a minha família. Como todo mundo, né?

ESTILO ANA HORA BELEZA PRISCILA FISCHER AGRADECIMENTOS OSKLEN, ARMADILLO E RESERVA

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