Projeto fala sobre a relação de mulheres com a parte mais feminina de seus corpos
Mama, peito, busto, teta. Os nomes são poucos e os julgamentos abundantes. Desde o momento que eles começam a se desenvolver, lá pelos 10, 11 anos, as meninas se veem de um jeito diferente. O andar, por exemplo, fica mais pesado e as recém-adquiridas mamas balançam de um jeito incômodo. É preciso um sutiã para garantir um conforto físico e preparo psicológico para aguentar as possíveis comparações, piadinhas e opiniões não solicitadas.
“Não podia usar camiseta branca que os meninos me chamavam de vaca, diziam que iam tirar leite de mim”, lembra a dançarina Sweetie Bird, 30, que sentia vergonha do corpo pelos comentários que ouvia na escola.
Em sua primeira relação sexual, aos 13 anos, a assessora de imprensa Carol Mello*, 21, que ao contrário de Sweetie, tinha pouco volume nos seios, adquiriu um trauma ao ouvir do namorado que ela precisava colocar silicone. “Durante os seis anos em que namoramos, não consegui mais fazer sexo sem blusa ou de luz acesa”, conta.
Essas histórias são mais comuns do que se imagina. Traumatizadas com comentários desagradáveis e experiências não tão boas na adolescência, meninas se tornam mulheres que não conseguem aceitar o próprio corpo.
De acordo com o último estudo divulgado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, os procedimentos de aumento e redução de mamas somam 33% das intervenções estéticas feitas no País. Ou seja, muitas mulheres estão insatisfeitas com o tamanho e o formato dos seios.
Os seios também levam muitas mulheres às salas cirúrgicas por razões mais sérias. Dados do Inca (Instituto Nacional do Câncer) indicam que o segundo tipo de doença com maior índice de morte no mundo é o câncer de mama.
Mulheres com câncer de mama, garotas frustradas com o tamanho dos peitos, mães que tiveram o prazer de amamentar, damas orgulhosas de seus seios fartos, meninas felizes com o corpo que tem e outras nem tanto. Todas elas são mulheres que você conhece, seja alguém da sua família, uma amiga ou conhecida qualquer.
Os seios vão muito além do lado sexual, a parte mais feminina do corpo humano é também fundamental para autoestima da mulher. Cada caminho, escolha e história fazem a beleza de cada mulher.
*Nomes alterados para preservar identidade das entrevistadas
A reportagem foi extraída do livro Além dos Seios , projeto realizado pelos jornalistas Camila Ochoa, Camilla Feltrin, Lygia Porto, Renan Botelho e Tatiane Marsilli. O seu blog é o http://peitoaberto.wordpress.com
Leia algumas das histórias do livro na galeria de fotos
A batalhadora, 54 anos, dona de casa - “Tinha 48 anos quando fui diagnosticada com câncer de mama. O nódulo avança silenciosamente dentro do seio e deixa rastros irreparáveis. Tinha Carcinoma Ductal, um câncer maligno que atinge o ducto de amamentação. Foi contraditório ver que a doença atingiu a mesma parte que alimentou meus filhos e minha alma”. Durante todo o processo que envolveu a descoberta a cura do câncer, Meire pode contar com o apoio de seu marido Lucio e de seus dois filhos.. “Não precisei fazer quimioterapia ou radioterapia. O tratamento seria uma mastectomia. Antes de retirar todas as células, glândulas e tecido, dei um beijo e me despedi de meu peito”. Alem da tempestade que estava enfrentando, reunia forca para cuidar da mãe, Clara, precisava de cuidados especiais . Um ano depois da cirurgia, Meire se submeteu a outra operação, dessa vez para reconstruir o seio, apesar do formato, continuou sem o mamilo. “Mesmo sem um pedacinho de mim, hoje sou uma mulher muito melhor e mais inteira do que antes de tudo isso acontecer"
Crédito: Lygia Porto
A sonhadora (travesti), 26 anos, coordenador de eventos e travesti - Nas noites de folga do trabalho como coordenador de festas infantis, Caio* se maqueia, coloca roupas femininas e um salto alto para se prostituir em frente de uma igreja católica, em São Bernardo do Campo (SP). Atendendo pelo nome de Paloma*, o moreno guarda diversas histórias da noite, desde fetiches sexuais nada convencionais ou da cicatriz que tem em uma das pernas por ser arrastado por um cliente que queria ir embora sem pagar. Caio não quer ser uma mulher completa e nem cogita fazer a cirurgia para mudança de sexo, acha ruim se livrar de algo que nasceu. Mas o sonho de ter peitos turbinados com 750 ml, ele não abandona, nem que para isso tenha que abdicar do emprego no buffet infantil, das aulas de balé e intensificar a prostituição. Caio deseja ser Paloma e para isso precisa de seios
Crédito: Lygia Porto
A filha, 21, estudante de artes visuais - “Quando meus seios começaram a se desenvolver eles já tinha essa forma caída, sempre foram direcionados para baixo. A parte de cima é muito comprida e a de baixo curta. O que me incomoda e também me prejudica é o fato deles serem volumosos e pesados”, conta a jovem que passou boa parte da adolescência com vergonha do corpo. Aos poucos e com a ajuda da mãe, já se aceita melhor. Ela sabe que precisa se amar do jeito que é, mas as mamas não são apenas um caso de estética, mas também de saúde. As frequentes dores nas costas causadas pelo tamanho e volume tornaram-se insuportáveis. Para resolver a situação, Fabiana pretende conseguir uma cirurgia de redução das mamas pelo Sistema Único de Saúde ou por alguma faculdade de medicina. Se não achar, vai ter de financiar em muitas parcelas com um cirurgião particular. A mãe, que ainda não desistiu de ver a filha amando o próprio corpo, já prometeu ajudar com os custos e com carinho
Crédito: Lygia Porto
A mãe, 37 anos, fisioterapeuta - Manuela* ouviu de uma tia que passar os pentes nos seios, durante o banho, ajudaria o leite descer quando tivesse que amamentar os gêmeos que esperava. Como já imaginava, a simpatia não passava de uma lenda. Laura e Leandro nasceram, mas não conseguiram experimentar o leite materno – o alimento é produzido pelo hormônio prolactina, que entra em ação no organismo feminino durante a gestação, além disso, a mulher também produz o hormônio ocitocina, responsável por fazer o leite ser ejetado pela mama. A ocitocina, porém, depende da segurança e da tranquilidade da mãe para ser produzida – . Por conta do estresse que viveu durante a gestação, Manuela perdeu a chance de realizar o sonho de amamentar os filhos
Crédito: Lygia Porto
A intelectual, 35 anos, prostituta - Enquanto os clientes não chegam, a morena costuma ficar na esquina lendo livros, apostilas do curso técnico de enfermagem e também romances psicografados por Elisa Masseli. Veterana na área, Paula acredita que aquela frase amplamente divulgada por aí sobre a preferência do brasileiro realmente está certa. Em uma disputa imaginária de peito versus bunda, o título de campeão ficaria com a parte traseira – bom, ao menos para os clientes dela. A profissional do sexo não tem seios grandes e fartos, mas de tamanho suficiente para fazer espanhola, prática sexual na qual os seios servem de plataforma para a masturbação masculina. Ela deseja colocar, muito em breve, próteses de 300 ml em cada uma das mamas. Paulinha deseja seios maiores, empinados e mais redondinhos para aumentar o bem estar pessoal e, claro, agradar os clientes
Crédito: Lygia Porto
A avó, 83 anos, aposentada - Catarina* teve uma criação rígida nos anos 1940, quando o conservadorismo imperava no Brasil. As mulheres permaneciam presas a um sistema patriarcal que as subjugava. Ela aprendeu que vaidade não era coisa de ‘mulher direita’, foi obrigada a casar aos 21 anos sem ter ao menos beijado o noivo, e não gostava de ficar nua nem mesmo sozinha no quarto. As décadas se passaram e ela aprendeu com as quatro filhas, frutos de outra geração, a respeitar o próprio corpo. Hoje, aos 84 anos, ela anda sem sutiã quando está com muito calor, vai ao salão de beleza semanalmente, compra roupas que valorizam seu corpo e de vez em quando se arrisca com decotes. “Falam que peito de velha é caído e flácido. Mas os meus não estão tão murchinhos assim”, diz
Crédito: Lygia Porto
A atriz, 22 anos, atriz e psicóloga - Rafaela já carrega no peito muita história para contar. Quando tinha 13 anos procurava por sutiãs para adolescentes que servissem em seu busto tamanho 50. Aos 15 anos, foi prejudicada por constantes dores nas costas que apenas uma cirurgia redutora curaria. “Era meu sonho ter seios menores, e a cirurgia não me assustou, eles ficaram exatamente como desejei: grandes, mas naturais. Só as cicatrizes denunciavam a operação”. Aos 19 anos, aprendeu na faculdade de Psicologia, e nas aulas de teatro, a lidar com as inseguranças e enxergar o corpo como forma de arte. Assim, se libertou dos padrões de beleza impostos pela sociedade. Aos 21 anos, viu sua saúde ameaçada. Uma má calcificação – herdada na última operação - formou um nódulo de 2 cm e Rafaela precisaria passar por uma nova cirurgia. ”Minha preocupação era que meus seios ficassem deformados. Queria que fossem naturais como os de Sophia Loren ou Penélope Cruz. E assim foi! Mas a melhor parte é que agora, que não preciso de tanta sustentação, posso sair na rua tranquilamente sem sutiã”
Crédito: Lygia Porto
A pelada, 37 anos, psicóloga e presidente do clube de naturismo de São Paulo - Rose não gostava dos comentários e gracinhas dos homens da família que viam suas calcinhas e sutiãs, número 52, estendidos no varal. Passou a pendurar as roupas íntimas, ainda úmidas, dentro do guarda-roupas, o que encheu o armário de mofo. Outras atitudes estranhas como usar diversas blusas, sutiãs gigantes e até amarrar panos ao redor do peito entraram na rotina de Rose. Ela desejava ser menos percebida e dar menos satisfações sobre ela mesma. Solteira, a moça de família conservadora engravidou pela primeira vez e ouviu ainda mais sugestões, opiniões de gente não grata se metendo. Anos depois, já casada e com duas crianças para cuidar, encontrou no naturismo uma libertação para seu corpo e mente: se aceitar e ser livre. Acredita que os seios cresceram ainda mais desde então. E comemora
Crédito: Lygia Porto
A ativista, 24 anos - Flávia* tinha 9 anos quando correu até a enfermaria da escola e pediu um absorvente. Durante os quatro meses seguintes, a jovem invadia o banheiro da mãe para desviar protetores íntimos. Ela não tinha coragem e nem intimidade para contar para a família que tinha ficado menstruada. Quando a mãe percebeu, achou melhor que a professora explicasse à filha questões relacionadas à puberdade. A família da jovem pareceu distante de assuntos da filha até mesmo quando ela emagreceu muito e apresentou sintomas de anorexia nervosa no começo da adolescência. O pai não pode fugir do assunto quando abriu o computador e viu uma pasta cheia de fotos de Flávia com o namorado. Eles estavam nus. Depois disso, nunca mais conversou com a família sobre o corpo e sexualidade. De lá para cá, Flávia fez um piercing no mamilo, começou a praticar aulas de dança contemporânea e a utilizar Florinda, uma bicicleta com cestinha, para passear por São Paulo. Se sente mais feliz por não reprender o corpo. Sinal disso é a participação da jovem na Pedalada Pelada e a Marcha das Vadias
Crédito: Lygia Porto
A loba, 53 anos, pedagoga - Por mais que Ana Maria* negasse, a preguiça excessiva, o apetite nada moderado e a tristeza profunda tinham um nome: depressão. Miguel*, pai de Ana, faleceu após morar 13 anos na casa da filha. Foi nessa época que a rotina e autoestima da pedagoga mudaram drasticamente. “Deixei de lado a minha saúde para cuidar de meu pai e relaxei. Demorei a assumir que aquela situação só me deixava para baixo, e então, depois do falecimento dele, resolvi dar a volta por cima e voltar a me amar”. Ana fechou a boca e voltou para a academia, mas sabia que só seria feliz quando estivesse com tudo em cima o quanto antes. Procurou um médico e em poucas semanas já estava acertado que faria uma elevação dos seios, colocaria próteses, e passaria por uma lipoaspiração e abdominoplastia. “Estar de bem com o espelho era meu sonho e a cirurgia ajudou a recuperar a minha autoestima, agora não saio mais sem salto alto ou maquiagem”, conta aliviada
Crédito: Lygia Porto
A retocadora, 28 anos, designer - A retocadora de imagens de uma conceituada revista de moda se sente culpada por criar um padrão de beleza inexistente. Ela sabe que a repercussão da estética é nítida na vida de milhares de pessoas que desejam ser como os corpos criados no Photoshop, até na dela. Com 110kg e cheia de desenhos pelo corpo, a designer é categórica ao afirmar que é mais respeitada no frio. “É a época que meu o corpo e as tattoos estão cobertos”, explica. Seus mamilos são invertidos, isso significa que eles ficam para dentro porque os canais mamários são mais curtos. A paulistana já foi mais encucada com isso, já fez um piercing que durou apenas duas semanas e hoje não liga muito por ter os seios diferentes. Mesmo fora do padrão, está feliz consigo, menos com o emprego que propaga a mentira. Antes de tratar imagens de outras mulheres, Aline retocava fotos de alimentos para sites e catálogos. E era totalmente o inverso. As frutas e os pratos, quanto maiores, mais cheios e suculentos, melhor
Crédito: Lygia Porto
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