A paranoia do desapego

por Laura Pires

”Algumas pessoas deixam de aproveitar o que estão vivendo por ficarem cheias de neuras quanto ao que o outro está pensando e o que pode acontecer depois. Quem consegue ser feliz assim?”

Você está lá vivendo sua vidinha, quando de repente conhece alguém que parece ser a melhor invenção desde a pizza de pepperoni.

Você resolve mostrar interesse, porque, vai que rola? A pessoa se mostra interessada também e, sim, rola. No dia seguinte, como faz? Manda mensagem? Espera mandar mensagem pra você? Se você mandar mensagem hoje, vai parecer que está interessada demais? Se não mandar, vai parecer que não gostou? Pode dizer que adorou ficar com a pessoa e quer de novo? Ou tem que esperar ela dizer primeiro? Dizer que tá com saudade, tá liberado? E assim começa a paranoia.

Não sei se algum dia já foi diferente, mas está em evidência hoje em dia a paranoia do desapego.

O medo de envolvimento é tão grande, que deixa-se de viver o bom, só pra tentar evitar o ruim. Pior: algumas pessoas deixam de aproveitar o bom que estão vivendo naquele momento por ficarem cheias de neuras quanto ao que o outro está pensando e o que pode acontecer depois. Quem consegue ser feliz assim? Vale a pena?

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A paranoia do desapego parece ter duas origens: medo de sofrer e medo de fazer sofrer. Quem tem medo de sofrer é quem já sofreu na vida e agora, antes de se envolver, precisa ter certeza de que é correspondida.

O problema é que a outra pessoa pode estar pensando a mesma coisa. Vira maluquice: cada um do seu lado se contendo nas demonstrações de afeto e passando uma mensagem de desinteresse pro outro.

A que tem medo de fazer sofrer é aquela que não quer a responsabilidade de ter alguém gostando dela. A pessoa pode até gostar de você, mas ela tem medo de ser correspondida e não saber lidar, aí ela mantém um braço de distância pra não se descuidar e acabar caindo num relacionamento.

“Não tem diferença nenhuma entre quem não está envolvido e quem até está, mas simplesmente não quer ficar sério com você”
Laura Pires

Esse segundo tipo confunde muito. A pessoa está se mostrando desapegada porque não está envolvida ou porque está tentando controlar tudo pra não se envolver mais? Meu palpite é que: tanto faz. É tudo furada do mesmo jeito.

Não tem diferença nenhuma entre quem não está envolvido e quem até está, mas simplesmente não quer ficar sério com você. Seja qual for o caso, se alguém demonstra desinteresse, acredite no desinteresse, porque forçar a barra não faz bem pra ninguém. E também não adianta de nada querer compromisso e fingir pra outra pessoa (ou pra si mesma) que não quer.

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Claro que qualquer ser humano pode se ver em um lado ou outro da história, mas, tradicionalmente, em relações entre homens e mulheres, o homem é quem quer evitar compromisso e é a mulher que teme se apegar a alguém que não vai corresponder. Nem sempre é verdade que mulheres querem compromisso e homens não, mas esses estereótipos ajudam a criar todo um imaginário das relações afetivas/sexuais que guiam nosso comportamento.

Conversando com mulheres que se relacionam com mulheres, ouvi muito que essa paranoia do desapego tem mais a ver com o indivíduo do que com a orientação sexual. No entanto, todas incluíram um porém que admitia que, entre mulheres, pela experiência delas, isso é menos frequente.

É também um estereótipo associar sentimento à feminilidade, como se só mulheres tivessem sentimentos e isso fosse sinal de fraqueza. Imagino, então, que quando uma mulher se relaciona com outra, não haja de antemão uma expectativa de que a outra pessoa não quer se envolver, conforme o estereótipo masculino. Fora isso, ainda tem aquela cultura que ensina mulheres a “se fazerem de difíceis” pra conquistar o cara.

“O muro erguido que te protege do sofrimento é o mesmo que te impede de vivenciar coisas legais”
Laura Pires

A preocupação com o desapego pode fazer sentido como proteção pra muita gente que já se machucou antes. Se você sente que precisa disso, quem sou eu pra dizer que tem mais é que encarar?

Mas as pessoas são diferentes, as situações são diferentes e o muro erguido que te protege do sofrimento é o mesmo que te impede de vivenciar coisas legais. A gente só consegue de fato aproveitar o momento e tudo de melhor que alguém tem pra nos oferecer quando a gente se entrega. E não existe só colocar o pezinho na piscina: ou fica olhando de longe ou mergulha de vez.

Sentir e demonstrar não tem nada a ver com fraqueza. Muito pelo contrário, é um ato de coragem e é muito mais saudável do que ficar engavetando tudo. Quem não se envolve vive apenas no superficial. E o apego? Bem, vamos trabalhar internamente pra sermos pessoas autônomas, que conseguem se envolver emocionalmente sem depender daquilo pra existir. Porque aí, não é o envolvimento que causa sofrimento, mas a maneira que escolhemos vivê-lo. De resto, se joga.

Créditos

Imagem principal: Beatriz Leite

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