Convicção. Mesmo com o exemplo trepidante de meus pais, sempre acreditei no casamento. Não no do papel, no do contrato, muito menos no do altar, mas na vida levada a dois
Não me lembro se meus pais voltaram a interpretar seus papéis pirotécnicos no meio de uma noite calma, mas lembro de pensar que a primeira sensação de achar que eu havia, com aquela inesperada lição de moral, salvado o casamento, rapidamente se mostrou falsa. Eles continuavam a se espetar, se cutucar e a se tratar silenciosamente de forma regular. “Maria Emilia, diga a seu pai que o Ernesto ligou”, falava minha mãe na mesa de jantar, com meu pai ao lado dela. “Pai, o Ernesto ligou”, repetia eu, por diversão. “Eu já falei com ele”, respondia meu pai, olhando para mim. “Mãe, o papai já falou com ele”, dizia eu, quase rindo, para desespero de minhas irmãs, que antecipavam a pancadaria. “E eu com isso?”, grunhia minha mãe, levando o garfo à boca.
Apesar do mau jeito, nunca se separaram. Quando o velho morreu, em 2001, minha mãe perdeu o rumo, o rebolado e a companhia de sábado à noite. Ainda assim, até hoje, ao pensar na relação deles, me pergunto se teriam sido mais ou menos felizes se tivessem optado pela separação e escolhido seguir em vôo solo. Não sei, e não há como saber.
Um ou dez anos, que seja eterno
Mesmo com o exemplo trepidante, sempre acreditei no casamento. Não no do papel, no do contrato, muito menos no do altar, mas na vida levada a dois. Quando, aos 16 anos, entendi que era gay, nunca me passou pela cabeça não casar, não dividir um teto, não compartilhar o supermercado. Não havia, e talvez não haja até hoje, em minha concepção, outra alternativa a não ser a de chegar em casa e encontrar alguém me esperando para saber o que vamos jantar. Anos de terapia me ensinaram que, muitas vezes, a solitude é a situação recomendada. E, embora tenha amigos e amigas que parecem ser bastante realizados dessa forma, ainda acho que é impossível ser feliz sozinha. Para o bem ou para o mal, preciso dividir as contas, brigar pela decoração da sala, sair com você para comprar as plantas da casa, passar a noite de Natal dividida entre famílias, freqüentar as festas de aniversário de sua sobrinha, sentar ao seu lado, num domingo qualquer, e sonhar com a casa que teremos na montanha. Que dure um ano, dois ou dez, mas que, nesse período, seja eterno.
É por isso que, por mais que eu ame você, não posso continuar. Me chame de careta, de intransigente, de intolerante. Estou apenas sendo coerente com minhas convicções. Para ser completamente feliz, quero saber que vamos, você e eu, todas as noites para o mesmo endereço, sem que seja preciso combinar com antecedência.
Era apenas isso o que eu queria: casar com você, freqüentar os seus, deixar você freqüentar os meus. Isso, e saber que, se o aquecedor quebrasse, poderia ligar no meio da tarde e pedir para você resolver. Afinal, o aquecedor seria tão seu quanto meu. Convenhamos, só o fato de poder passar para você esses perrengues mundanos já justificaria a união. Mas você não quer assim. E tá tudo certo. Porque, como dizia Nietzsche, se a grande inimiga da verdade não é a mentira e sim a convicção, então você terá me colocado na estrada certa.