Igreja Batista de Westboro usa tribunais para pregar o ódio a homossexuais e soldados
Um homem que vive sob um slogan de puro ódio e sua enorme família são, hoje, o maior exemplo de intolerância religiosa do lado ocidental do planeta. Em sua luta, cega pela ira, a Igreja Batista de Westboro tornou-se um perigoso grupo de ódio, armado até os dentes de uma visão limitada das escrituras judaicas e cristãs, de uma imparável máquina legal arrecadadora de fundos e da intocável primeira emenda da constituição americana e seu bastião mais sagrado: a liberdade de imprensa e de expressão. Para essas pessoas, o sacerdócio de todos os crentes não tenta ganhar as almas para a igreja. Ali, só se prega a "vingança de Deus".
Hoje a igreja conta com centenas de sermões transmitidos pela internet, diversos sites de propaganda atualmente fora do ar devido a um ataque do grupo Anonymous, e pelo menos 20 mil piquetes realizados entre funerais de soldados, vítimas da aids, feiras de quadrinhos, cinemas, teatros, circos, sinagogas, mesquitas e outras igrejas, sempre capitaneados por Shirley Phelps-Roper e suas palavras de ordem memorizadas como por uma criança forçada a aprender tabuada. Essa pequena congregação deixou de ser um problema da minuscula Topeka, no Kansas, passando a ser problema de todos nós.
Depois de muita pesquisa sobre o pastor Fred Phelps e seu séquito de fanáticos fundamentalistas, não é difícil perceber a repetição constante de uma mesma passagem bíblica para justificar o combate da "agenda homossexual" por parte da Igreja Batista de Westboro: Levítico 18:22, "Não te deitarás com homem como se mulher fosse; é abominação". Levítico, o mesmo livro bíblico que postula como crimes passíveis de pena de morte a plantação de dois tipos diferentes de sementes em uma mesma safra, ou o uso de uma roupa com dois tipos de tecidos misturados (19:19), aparar a barba e o cabelo de forma arredondada (19:27), ou até gravar marcas na pele (19:28). Mas para Phelps, como para a imensa maioria dos radicais cristãos, o que vale da escritura são esses fragmentos de texto perdidos em milhões de traduções e que hoje pouco ou nada valem para o cristianismo, que segue se movimentando no sentido de distanciar-se das leis judias como as do Levítico.
Uma máquina litigiosa de fazer dinheiro
Mas não estou aqui para ensinar escritura ao vigário, ou melhor, ao pastor. O que me interessa mesmo é falar sobre como Fred Phelps, um dos mais importantes advogados de direitos civis no meio-oeste americano durante os anos 60 e 70, tornou-se esse monstro movido a pura raiva que prega o fim do mundo e a vingança divina sobre os homossexuais e sobre aqueles que os protegem, aos quais identifica com o pouco elogioso termo de Fag Enablers. E mais ainda: como a Phelps Chartered Co., firma de advocacia que ganhou grande prestígio durante o movimento dos Direitos Civis, tornou-se uma máquina de perjúrio que funciona como engrenagem mestra do sistema de captação de fundos e de contra-processo da Igreja Batista de Westboro. Sempre com suas defesas montadas atrás do escudo intransponível da primeira emenda da constituição norte-americana.
Com mais de 400 casos federais no currículo, Phelps e sua equipe (atualmente formada por seus filhos) atuaram juntos até 1989, quando finalmente o reverendo foi banido de tribunais federais sob a denúncia de nove magistrados do país, depois de pelo menos uma dúzia de processos por calúnia, difamação e coação de oficiais ligados ao sistema de justiça. Dali em diante, seus filhos assumiram a empresa e seguiram trabalhando sob a cartilha do velho Phelps: atirar para todo lado com processos um mais frívolo que o outro e forçar seus acusados a partir para um acordo rápido e assim não ter de arcar com custos de defesa. Desta forma, o dinheiro segue entrando como dízimo nesta igreja que não tem sequer fiéis para colaborar com suas causas lunáticas e sem sentido.
Com a Phelps Chartered Co como braço comercial e legal, a Igreja Batista de Westboro arranca dinheiro do Estado, do contribuinte e de qualquer instituição ou pessoa que cruze seu caminho. E quando algum ato político passa entre os congressistas americanos e restringe as ações dos piquetes da Igreja, é a mesma Phelps Chartered que entra em ação gritando e esperneando em nome da liberdade de expressão. Sempre seguindo na melhor tradição do "processe primeiro e pergunte depois", tão comum na terra dos livres e lar dos bravos. Assim, gira a máquina financeira da família Phelps, perpetuando a ignorância e o ódio enquanto um povo se diz escolhido e em condições de julgar e condenar todos os outro humanos como infiéis.
O melhor exemplo vem do caso Snyder vs Phelps, que chegou à Suprema Corte em 2006. Depois que a igreja realizou um piquete no funeral do soldado Matthew A. Snyder, a família do veterano morto em combate processou a igreja por uma quase impublicável lista de acusações que incluiam difamação, invasão de privacidade e calúnia. No veredito, a igreja foi condenada a pagar US$ 10 milhões em indenizações à família e ao Estado. Ao apelar, os Phelps conseguiram primeiro uma redução para US$ 8 milhões em indenizações, depois reverteram a sentença em julgamento federal e levaram US$ 18 mil às custas da família do soldado. A causa? Um juiz considerou que a liberdade de expressão protegeu as ações da igreja e, portanto, a família Snyder deveria ser considerada responsável pelos custos processuais da ação.
God Hates Phelps
O caso da Igreja Westboro é especial no que diz respeito a maníacos fundamentalistas dos dias de hoje. Primeiro por ser um grupo cristão-americano que aparementemente se difere de todos os outros cristãos do ocidente. Depois por ser um grupo tão pequeno e tão insignificamente, mas que mesmo assim coloca em cheque a maior dicotomia da democracia americana: a confusão entre censura e bom senso. O grande problema é que eles não são lá tão diferentes de você.
Basta assistir às entrevistas de Fred e Shirley Phelps para ver a assustadora face tranquila dos dois. Não é difícil de identificar-se com a solidariedade interna entre os membros, com o carinho com que os irmãos se tratam, mesmo durante os piquetes, com a paixão pelo ensino da religião que tanta gente aprecia do lado de cá do meridiano de Greenwich. Mas é esse ensino, justamente essa mensagem de paz e amor que une as pessoas em Deus, que tornou monstruosa uma simples família religiosa do interior do Kansas graças ao comando de seu demente patriarca.
Quando os moderados e progressistas não se levantam contra essas manifestações psicopáticas, estão se alinhando atrás destes fundamentalistas. É deles, cristãos moderados, não-praticantes, livres de preconceitos e do ódio espalhado pelos Phelps, que a Westboro e muitos outros radicais tiram legitimidade para seus atos. Então da próxima vez que você ler um sinal dizendo que "Deus odeia as bichas", "gays condenam nações" ou "obrigado, Deus, pelo HIV", tente pensar que essa não é a obra de uma corja de fanáticos que em nada se relacionam com você. Se o endocruzamento dessa família não matar sua ideologia doente disfarçada de religião, só você pode erradicar esse pensamento criminoso e essas manifestações públicas de ódio irrestrito a qualquer não-praticante desta ou daquela fé.
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O tema da Trip de abril é Intolerância.