Pré candidatos a prefeito falam de suas propostas para o transporte e o trânsito
Boas ideias não faltam para melhorar a questão do trânsito e do transporte público. Colocá-las em prática (contrariando setores industriais e, às vezes, os próprios motoristas) já são outros quinhentos. Aproveitamos o ano eleitoral para mostrar as propostas de sete especialistas em mobilidade urbana a 17 pré-candidatos a prefeito das cinco maiores cidades brasileiras. Confira o confronto nas páginas a seguir
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“Apagão dos transportes.” A expressão foi usada por Fernando Haddad, pré-candidato petista à prefeitura de São Paulo, para descrever a situação de sucateamento do sistema de transporte público na cidade, que, segundo ele, teria sido provocada pelos governantes tucanos. A frase foi dita após o choque entre trens do metrô no mês passado, mas, disputas políticas à parte, é boa para descrever a situação nas principais metrópoles brasileiras, sejam elas administradas pelo partido que for. “O apagão da mobilidade urbana atinge todas as grandes cidades do país, que incham com um sistema viário ruim, crescimento acelerado do número de carros e transporte público deficiente. Algumas estão piores do que outras, mas todas deixam a desejar”, afirma Sergio Ejzenberg, mestre em engenharia de transporte pela Poli-USP e comentarista do SP-TV, da TV Globo.
Para ilustrar o caos, além do que você vê nas ruas todo dia, temos números: de 1997 a 2010, a frota de carros no Brasil cresceu 7% ao ano e a de motos, 13%. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a causa seria o aumento da renda da população brasileira, do crédito fácil e da isenção de impostos. Apertando ainda mais o nó, o transporte público por ônibus perdeu 25% dos passageiros no mesmo período. O resultado todos enfrentamos diariamente: congestionamentos infindáveis; ônibus, metrô e trens insuficientes, de baixa qualidade, superlotados e com passageiros estressados.
Mas há quem enxergue luz no fim do túnel. “Não existe solução que não passe pela redução no número de automóveis em circulação”, defende Eduardo Vasconcellos, engenheiro de transporte e consultor da Associação Nacional de Transportes Públicos. “Construir mais vias é enxugar gelo. Los Angeles tem uma das maiores malhas viárias dos EUA e é campeã de engarrafamentos.” Mas como fazer com que o brasileiro, tão acostumado a associar carro com status social, deixe seu querido automóvel na garagem? Ejzenberg tem um palpite: “Se o governo oferecer um serviço público rápido e eficiente, quem vai querer ficar preso ao volante, com risco de sofrer acidente, levar multa e ficar estressado? Ninguém.”
Em busca de alternativas, entrevistamos sete dos maiores especialistas no assunto do país – além de Sergio Ejzenberg e Eduardo Vasconcellos, foram ouvidos Ailton Brasiliense (presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos), Jaime Lerner (arquiteto, ex-prefeito de Curitiba e consultor de urbanismo da ONU), Nabil Bonduki (arquiteto, urbanista e professor da FAU-USP), Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho (pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e Fernando MacDowell (engenheiro de trânsito). Com base em suas sugestões para resolver o problema, elaboramos uma lista de dez perguntas para os pré-candidatos à prefeitura das cinco cidades mais populosas do país – São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza e Belo Horizonte. Muitas propostas dos especialistas costumam ser evitadas por políticos porque em tese seriam impopulares – e afastariam o eleitor. A seguir, você encontra as respostas. Quem será que tem coragem?
1 - Investimento pesado para implantar/ampliar a rede de metrô
“O metrô paulistano começou a ser construído no final dos anos 1960, na mesma época que o da Cidade do México. Hoje a malha metroviária de lá (200 quilômetros) é quase três vezes a de São Paulo
(74 quilômetros). Xangai tem mais de 400 quilômetros de metrô, e há 15 anos não tinha nada.” – Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, pesquisador do Ipea
“Podemos pactuar metas com o governo estadual. A prefeitura aporta recursos, mas mediante cronograma de entrega de obras. Isso é possível desde que a prefeitura não abandone o que é dela, que é o transporte de ônibus.” Fernando Haddad (PT), São Paulo
“Vamos ajudar nas desapropriações e licenças [para criar um sistema de metrô em Fortaleza]. O projeto do metrô de Fortaleza tem 12 estações, que ligarão o centro à área leste da cidade. E foi contemplado com R$ 3,3 bilhões da União no PAC da Mobilidade.” Heitor Férrer (PDT), Fortaleza
“Em Salvador, o metrô foi um erro. Desmontaram o VLT (Veículo Leve sobre Trilho) para implantá-lo. Agora não há volta, o atual metrô é inviável se não for prolongado. Mas retomaria o VLT, de custo mais acessível.” Mário Kertész (PMDB), Salvador
2 - Multiplicação dos corredores de ônibus
“A primeira preocupação deve ser garantir mais corredores. É preciso ter uma rede formada por ônibus, metrô e trem e um sistema menor nos bairros, que alimente o principal. Não dá para ser como hoje em São Paulo, onde todos os ônibus saem dos bairros e entram nos corredores, provocando lentidão. É preciso fatiar o sistema para dar agilidade.” – Nabil Bonduki, arquiteto, urbanista e professor da FAU-USP
“Começamos a implantar em janeiro de 2011 os corredores BRS, que são faixas preferenciais. Com esses corredores, diminuiu-se o tempo de várias viagens, como em Copacabana, onde o tempo para cruzar a principal via do bairro caiu de 23 para 12 minutos.” Eduardo paes (PMDB), Rio de Janeiro (em busca da reeleição)
“Deve-se romper com a ideia disseminada por marqueteiros de que ônibus são transporte de massa. No caso do Rio, eles só se tornaram isso porque os investimentos em trens urbanos e metrô nunca foram realizados com seriedade. Como não é possível mudar a lógica atual a curto prazo, a tendência é continuarmos a instalar corredores.” Marcelo Freixo (PSOL), Rio de Janeiro
“Já estamos discutindo isso. Criarei corredores exclusivos para ônibus tendo como modelo o que é feito em São Paulo.” Edvaldo Brito (PTB), Salvador
3 - “Metronização” do sistema de ônibus
“Os ônibus têm que funcionar com a mesma eficiência e confiabilidade dos metrôs. Isso significa linhas mais inteligentes, ônibus biarticulados, embarque no nível do solo, tarifa paga antes do embarque por meio de cartões com leitura eletrônica e pontos mais bem distribuídos. Fizemos isso em Curitiba há mais de 20 anos e o mundo todo copiou.” – Jaime Lerner, arquiteto e ex-prefeito de Curitiba
“Faremos isso. Mas temos um problema difícil, criado pela prefeitura do PT. Ela fez uma concessão para linhas de ônibus dividindo a cidade em consórcios e causando sobreposição de linhas que, muitas vezes, congestionam corredores. Quanto aos biarticulados, eles já existem em São Paulo. O pagamento antecipado de passagem também, com o Bilhete Único.” José Serra (PSDB), São Paulo
“Vejo esse sistema como alternativa, e não como solução, para o transporte de massa em uma capital do porte de BH. Os motoristas de carro não o consideram uma alternativa tão chamativa como o metrô. Outro problema é que ele exclui faixas de trânsito inteiras, em alguns casos deixando a situação ainda mais caótica do que já é.” Leonardo Quintão (PMDB), Belo Horizonte
“Já existe projeto de ônibus biarticulados aprovado em Salvador e é preciso respeitar o que já foi aprovado. Quanto ao BRT, [sistema de Curitiba] são necessários estudos específicos.” Lídice da Mata (PSB), Salvador
“O preço do transporte público no brasil só estimula o transporte individual” Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho
4 Estacionamentos e bicicletários próximos ao metrô
“É importante fazer a integração entre transporte público e individual. Você pode criar bicicletários e estacionamentos baratos fora das áreas de maior demanda e conectados ao metrô e a corredores de ônibus. A pessoa estaciona e pega o transporte público, reduzindo a quantidade de carros na região central.” – Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho
“Me comprometo a criar bicicletários, pois sou ciclista. Só para você ter uma ideia de como sou apaixonado por bicicletas, tenho 22 espalhadas entre São Paulo, Brasília, litoral e Campos do Jordão.” Celso Russomano (PRB), São Paulo
“Aumentar o uso da bicicleta é uma boa alternativa, pois, mais do que uma questão de mudança nos transportes, promove a saúde da população. Faz parte do nosso plano de governo a implantação de ciclovias em todas as subprefeituras, integradas ao transporte urbano.” Paulinho da Força (PDT), São Paulo
“Toda alternativa e motivação que leve o passageiro a optar pelo metrô e pela bicicleta, dois modais ecológicos, devem ser adotadas. Difícil entender por que BH, com mais de 2,3 milhões de habitantes, tem apenas 20 quilômetros de ciclovias e, pior, elas não se comunicam.” Leonardo Quintão (PMDB), Belo Horizonte
"Há cidades com tolerância zero: só morador entra de carro no centro", Eduardo Vasconcellos, engenheiro de transportes
5 Implantação/ampliação do rodízio de veículos
“Poderíamos ampliar o rodízio para o dia inteiro. Ou então para dois, três dias na semana em vez de apenas um. Na Cidade do México e em Bogotá funciona assim.” – Eduardo Vasconcellos, engenheiro de transportes
“Enquanto não estiverem em operação soluções para o transporte de massa que a prefeitura do Rio está implementando, não é possível pensar em rodízio.” Eduardo Paes (PMDB), Rio de Janeiro
“Ampliar o rodízio geraria a aquisição de mais automóveis por parte de quem tem poder aquisitivo e não resolveria o trânsito.” Celso Russomano (PRB), São Paulo
“Essa solução de São Paulo não se aplica ao Rio. Lá se esperava que pelo menos 20% da frota paulistana ficasse em casa, enquanto no Rio, sem rodízio, 40% da frota já fica em casa.” Rodrigo Maia (DEM), Rio de Janeiro
6 - Estacionamento proibido em algumas vias
“Dá para estacionar no centro de toda cidade brasileira. Hoje, a maioria das pessoas que trabalha no centro vai de carro e não paga para estacionar. Há cidades lá fora com tolerância zero: só morador entra de carro.” – Eduardo Vasconcellos
“No Rio isso está bem resolvido pela equipe técnica da prefeitura, que é da melhor qualidade. Porém, se forem constatadas exceções, serão tomadas providências.” Rodrigo Maia (DEM), Rio de Janeiro
“A proibição de estacionamento em vias públicas pode ser estratégica para eliminar gargalos de tráfego e promover o transporte público, criando pontos de parada de ônibus.” Marcelo Freixo (PSOL), Rio de Janeiro
“Uma engenharia de tráfego inteligente identificará onde é necessário suprimir vagas. Simultaneamente, defendo a construção de estacionamentos subterrâneos. Belo Horizonte comportaria pelo menos 20 de grande porte, interligados ao centro via transporte público.” Délio Malheiros (PV), Belo Horizonte
7 - Pedágio urbano
“Sou a favor de pedágio em determinadas áreas muito saturadas das metrópoles. Londres implantou o pedágio urbano, e o recurso vindo dele é todo direcionado para o transporte público.” Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho
“Sou contra pedágio. Ele limita o direito constitucional de ir e vir.” Elmano Freitas (PT), Fortaleza
“Defendo o pedágio urbano para intervir na política de mobilidade. Pretendo instalar no centro e destinar o recurso para o Fundo Municipal de Mobilidade Urbana.” Netinho (PCdoB), São Paulo
“Esse é um modo de combater o uso indevido, abusivo e compulsivo do automóvel, como tem de ser feito com outras drogas, hehehe. O uso racional é OK =). Sendo implantado o pedágio urbano, a receita tem que ir toda para o transporte público! Mas não posso prometer – tenho de convencer a população e a Câmara antes.” Soninha Francine (PPS), São Paulo
8 - Novas alternativas de transporte
“O futuro é dos carros compartilhados. Ou do transporte individual, mas com bicicletas, por exemplo. Ou com veículos elétricos, que circulem a 25 quilômetros por hora, com autonomia de 100 quilômetros e transportem seis pessoas por dia.” – Jaime Lerner
“Me comprometo a investir nas bicicletas. Salvador é muito própria para esse veículo. Apesar das ladeiras e bairros íngremes, a cidade é ‘margeada’ por uma orla que é um convite ao uso da bicicleta.” Mário Kertész (PMDB), Salvador
“Vou incentivar serviços de carros compartilhados, criar muitos postos de retirada de bicicletas compartilhadas, criar plataformas para programas de carona, implantar um sistema cicloviário (o que vai muito além de ciclovias) e facilitar a vida de pedestres, com melhores calçadas e sinalização.” Soninha Francine (PPS), São Paulo
“Sou totalmente a favor da utilização de carros compartilhados, inclusive táxis, nos horários de pico. Penso em utilizar os táxis como lotações, levando mais de um passageiro. Vou conversar com os taxistas sobre isso.” Otávio Leite (PSDB), Rio de Janeiro
9 - Baratear passagens do transporte público
“O transporte público no Brasil encareceu 70% em termos reais nos últimos dez anos. Isso estimula o transporte individual. Com o valor gasto atualmente dá pra pagar a prestação de uma moto e ainda pôr gasolina. É fundamental baratear as tarifas de transporte coletivo.” – Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho
“Qualquer governante que se comprometer a diminuir tarifas estará dizendo que irá subsidiar o transporte, pagando a diferença para as empresas. Me comprometo a lutar para que o valor não aumente.” Paulinho da Força (PDT), São Paulo
“Não aceito ter um transporte tão ruim e uma passagem tão cara! Vou ampliar o subsídio, garantir passe livre para os estudantes e em alguns domingos o transporte será gratuito.” Netinho de Paula (PCdoB), São Paulo
“Seria irresponsabilidade assumir tal compromisso (de baixar as tarifas). A passagem de ônibus em BH é cara porque o sistema é ineficiente.” Délio Malheiros (PV), Belo Horizonte
10 - Descentralização das cidades
“É necessário um conjunto de políticas de longo prazo que adense o entorno dos corredores de transporte público e crie incentivos para levar emprego, comércio e serviços à periferia. Com isso, as pessoas que moram nessas regiões não precisarão mais percorrer longas distâncias e fazer viagens malucas de três horas para chegar ao trabalho.” – Ailton Brasiliense, presidente da ANTP
“Isso já está sendo feito em Itaquera, por exemplo. A malha viária e a estrutura de transportes públicos estão sendo redesenhadas para oxigenar a região. Estamos trabalhando para levar empresas para lá. Será um polo de desenvolvimento na zona leste da cidade.” José Serra (PSDB), São Paulo
“Uma das diretrizes que estabelecemos com os urbanistas que trabalham conosco é aproximar a vida nos bairros da vida na cidade. Isso significa pensar em moradias onde o emprego está localizado e o emprego onde a moradia está localizada.” Fernando Haddad (PT), São Paulo
“Uma bandeira básica nossa é o desenvolvimento econômico e o estímulo às livres iniciativas dos micro e pequenos empresários. Quanto mais convergimos para atividades econômicas nos subúrbios, menos fluxo de transporte teremos e mais qualidade de vida as pessoas terão por morarem próximas aos seus locais de trabalho.” Otávio Leite (PSDB), Rio de Janeiro
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Leia a íntegra das respostas dos 17 pré-candidatos aqui no site
Vai lá: http://bit.ly/trip211qtc