Por muito tempo temos sido um Brasil conduzido por homens. Mara Gabrilli fala sobre a desconstrução desse cenário com mulheres ocupando cargos públicos e indo na contramão desse status
Muita gente nem imagina mas, até 2016, as senadoras tinham de sair do plenário e usar o banheiro do restaurante ao lado, porque a única opção era o banheiro masculino, construído em 1960. Só por essa informação já dá para imaginar como foi minha chegada ao Senado.
Mulher e tetraplégica, levo comigo uma somatória de discriminações. Driblo na cadeira de rodas o machismo, o sexismo, a misoginia e a discriminação que se manifesta em várias outras facetas, já que carrego o plus de não me mexer do pescoço para baixo.
Em 1932, conquistamos, por lei, o direito a votar em eleições nacionais, mas vivenciamos ainda hoje uma política majoritariamente masculina, apesar de representarmos mais de 51% dos eleitores no Brasil. E essa constatação não pode ser tratada como mimimi.
Mulheres são apenas 15% dos congressistas e 14% dos vereadores do Brasil. No Executivo, apenas 12% dos municípios brasileiros possuem uma prefeita e apenas um estado possui governadora (Rio Grande do Norte).
Amargamos a 152ª posição na lista de 192 países que mede a representatividade feminina na Câmara dos Deputados, divulgada em 2019 pela Inter-Parliamentary Union. Nos cargos no Executivo, ocupamos a 161ª posição na comparação entre 186 países, de acordo com recente levantamento do Projeto Mulheres Inspiradoras. Países como Arábia Saudita, Venezuela, Rússia e Somália estão na nossa frente.
Por muito tempo temos sido um Brasil conduzido por homens. Não só isso, nossa política esteve nas mãos de homens majoritariamente padrões: brancos, mais velhos e com histórico familiar na política. Esse cenário, felizmente, começa a ser desconstruído com mulheres atípicas ocupando cargos públicos e indo na contramão desse status. Falamos de mulheres que buscam transformar a vida das pessoas, indo além de bandeiras que só fortalecem a polarização que hoje tomou conta do cenário político.
Entre várias mulheres inspiradoras, cito a deputada federal Tabata Amaral, idealizadora do Vamos Juntas, movimento suprapartidário e nacional para trazer mais mulheres para a política. A iniciativa surge em um momento muito oportuno com o objetivo de potencializar as chances de eleições femininas já em 2020.
O projeto é organizado em três grupos. No primeiro estão os mentores, responsáveis por acompanhar e desenvolver a pré-candidatura de mulheres às eleições municipais de 2020. No segundo grupo estão os embaixadores, que são porta-vozes levando a mensagem do movimento para ainda mais gente (esta que vos fala, por exemplo). No terceiro, os voluntários, pessoas que apoiam o desenvolvimento do movimento e das campanhas – aqui, homens, vocês são mais que bem-vindos para encorpar esse caldeirão.
E por que as mulheres precisam desse empurrãozinho para a política?
De acordo com a Organização Internacional de Trabalho, em 2019, a participação feminina no mercado de trabalho era quase 20% inferior aos homens (52,7% contra 71,5% deles). Quando se trata de cargos de liderança, as mulheres ocupam 25% deles dentro dessas empresas. Para os cargos do mais alto nível nas corporações, apenas 15% das empresas possuem uma mulher no topo. As mulheres têm somente 18% dos títulos de graduação em ciência da computação e representam, atualmente, 25% da força de trabalho da indústria digital.
O buraco é ainda mais embaixo: 3 em cada 10 pessoas no Brasil admitem que se sentem desconfortáveis em ter uma mulher como chefe. Os dados são da pesquisa Atitudes Globais pela Igualdade de Gênero, publicada no ano passado pela Ipsos.
Estamos diante de problemas estruturais e não podemos ignorar que uma das áreas consideradas decisivas para diminuir todas essas disparidades entre homens e mulheres no mercado de trabalho é a política.
Não ter um retrato da sociedade como de fato ela é – diversa – subtrai muitas vezes o olhar de nossos representantes para outras questões e camadas sociais, empobrecidas de representatividade entre aqueles cuja função é essencialmente ouvir e representar anseios. Mulheres não devem ser a maioria absoluta, muito menos a minoria. Para conquistar o país que a gente quer precisamos de mulheres complementando e enriquecendo o que hoje é homogêneo e empobrecido.
Por isso, provocamos aqui uma reflexão: você acredita que seu país pode mudar excluindo metade da população das decisões?
Já passou da hora de mudarmos esses números, não acha?
Vamos junt@s?
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