O decano da fotografia brasileira
“Passa muito rápido”, disse o fotógrafo German Lorca, 94 anos. Era um dia de céu azul e ar gelado em São Paulo e Lorca estava saindo de seu estúdio na Vila Mariana para almoçar com a equipe de reportagem da Trip, que estava ali para filmá-lo, fotografá-lo e entrevistá-lo. Enquanto esperávamos o carro que viria nos buscar na porta, Lorca, cercado de jovens profissionais, repetiu o que havia dito segundos antes, dessa vez deixando claro que era preciso parar e pensar no que ele dizia: “Passa rápido demais”.
Tínhamos acabado de ficar três horas com ele, entre entrevista e coleta de imagens, e agora saíamos para comer alguma coisa antes de voltar para uma
sessão vespertina de fotos. Pela manhã Lorca pareceu animado. Falou com carinho a respeito da infância no Brás, dos anos de pobreza, de como ele e os irmãos tiveram que ser separados depois da crise de 1929 porque os pais não tinham dinheiro para sustentar sete filhos, e ele teve que ir morar com os tios na Barra Funda.
Essa ligação com bairros tradicionais de uma São Paulo fez nascer o fotógrafo, ainda que até os 28 anos Lorca tenha trabalhado como contador – a paixão pela fotografia brotou cedo, mas na época ter uma máquina fotográfica era caro e ele foi estudar ciências contábeis.
Em 1945, depois de casar, se deu de presente o equipamento e começou a sair sempre com a máquina e a fotografar despretensiosamente tudo o que via, especialmente os filhos. O tio sugeriu que ele fizesse um curso, mas morando em uma casa simples com a mulher e as três crianças no Brás não havia muito orçamento para luxos. Quando finalmente decidiu aprender a técnica, acabou sendo chamado para fazer um trabalho como fotógrafo. Percebeu atônito que em um dia fotografando tinha ganhado mais dinheiro do que em um mês como contador. E a primeira grande transformação aconteceu: trocou de carreira.
Nascia o artista que retratou poeticamente o isolamento do indivíduo dentro da cidade, um Edward Hopper das lentes, alguém capaz de transmitir sensações psicológicas com imagens singelas do cotidiano, no caso dele em preto e branco. São mais de seis décadas de fotografias ligadas à história da cidade onde nasceu. Ativo, prepara uma exposição inédita com imagens a cores que será exibida no Sesc Bom Retiro, em São Paulo, ainda este ano. Quando perguntei que tipo de talento é necessário para enxergar tanta musicalidade no dia a dia, ele respondeu: “Ah, fui pobre, a gente vê essas coisas”. E em seguida explicou que a arte de clicar exige um talento: estar sempre presente. “A fotografia acontece em um instante, você tem que estar presente para não perder o momento.”
As imagens eternizadas por Lorca sugerem que paremos e sintamos, e assim nos conduzem a um lugar de transformações possíveis porque não há transformação dentro de ambientes frenéticos. “A poesia está ao redor. Mas, claro, sou um romântico. Com 18 anos decorei um livro de poesia e depois casei apaixonado.” Lorca estava nos mostrando parte de seu acervo quando citou a paixão pela mulher, Maria Isabel, que morreu há sete anos. Não parou de mexer nas imagens enquanto falava, e, cabeça baixa, deixou que a emoção que estava sentindo transformasse aquele momento. Para ele e para todos nós que ali estávamos.