Trabalho com impacto
Você se preocupa mais com o futuro de seu tataraneto do que com a vida de seu vizinho hoje? A indagação dos paulistas Daniel Izzo, 39 anos, e Antonio Moraes, 30, é retórica — eles sabem o que diz a maior parte dos chamados grandes investidores do Brasil. Porque, embora a resposta humanitária e altruísta seja “não”, quando menos de 1% dos investimentos dos muito ricos está voltado para o “social”, fica claro que a resposta é “sim”.
“Acho curioso”, diz Izzo, “porque você não vai conhecer seu tataraneto, muito menos saber se o tataraneto vai ser uma boa pessoa. O dinheiro que existe no mundo hoje deveria estar sendo usado para melhorar a vida de nossos contemporâneos”. Na lógica de Izzo, melhorando a vida de quem divide o mundo com a gente, acabaríamos melhorando a nossa, porque não precisaríamos gastar em coisas como segurança e muros e remédios e criaríamos assim um mundo melhor no qual o citado tataraneto poderia crescer em paz e alcançar seus sonhos sem precisar de uma montanha de dinheiro que não foi ele quem ganhou.
Incomodados com a situação, Izzo e Moraes criaram um negócio capaz de transformar para melhor a vida de seus contemporâneos: a Vox Capital, um fundo de investimento de impacto social — isto é, para captar dinheiro de investidores que estejam dispostos a incentivar modelos de negócio que comprovem ganho social.
“Não ajuda ficar só fazendo caridade”, diz Moraes. Neto de Antonio Ermírio e portanto um dos herdeiros do Grupo Votorantim, ele faz parte da quinta geração de uma família de milionários, mas explica que muito cedo entendeu que seu propósito era o de combater a desigualdade. “É preciso encontrar soluções novas para evitar que seres humanos sofram dores desnecessárias. Eu vou morrer, você vai morrer. O que terá valido a pena?”, pergunta, e ele mesmo responde: “Melhorar a vida de outros seres humanos, isso é o que vale”.
Izzo e Moraes fundaram a Vox Capital movidos pelo sonho de trabalhar com um propósito, e não apenas trabalhar para enriquecer ainda mais os já muito ricos. Na época, em 2009, Izzo era gerente de produto de uma das maiores corporações do mundo, a Johnson & Johnson, mas aquilo já não o motivava. “Estava trabalhando muitas horas por dia para enriquecer um acionista nos Estados Unidos e todas as noites quando saía do trabalho, entre a porta do escritório e a do meu carro, passava por crianças dormindo na rua. Não me parecia certo.” Moraes compartilhava do incômodo. “Há hoje no mundo 63 bilionários que têm a mesma riqueza da metade da população do planeta, ou de 3,5 bilhões de pessoas, e dizem que em breve teremos o primeiro trilionário. Ou a gente entende que precisa evoluir para um modelo de negócio que resolva essa desigualdade e o sofrimento ou não haverá mais consumidores em algumas décadas.”
O foco da Vox Capital são empreendimentos que atuem nas áreas de saúde, educação e inclusão financeira e que trabalhem com as classes mais baixas, desde que com o mesmo padrão que seria dispensado às mais altas. Um exemplo é a Avante, empresa de microcrédito com foco no pequeno empreendedor periférico, que recebeu aporte da Vox Capital em 2015. “O modelo tradicional de negócios gerou muitos problemas — poluição, desmatamento e desigualdade — porque é pensado para o maior lucro possível no menor espaço de tempo. Daqui a alguns anos nenhum negócio vai existir sem provar que é socialmente relevante”, diz Izzo.
Izzo costuma lembrar de uma frase de Fabio Barbosa, que foi presidente do Banco Real e do Santander, sobre como quando o CEO de um banco coloca dinheiro em algum negócio ele faz uma escolha que não é entre risco e retorno, mas uma escolha de futuro. “Se ele coloca a grana na empresa A, e não na empresa B, ele está desenhando um futuro de empresas As, e não de Bs”. A Vox já arrecadou capital para viabilizar o nascimento de uma dúzia de negócios que pretendem mudar para melhor o mundo, tendo como medida de sucesso retorno financeiro com impacto social. Mas no trabalho com investimentos de longo prazo, eles sabem que alguns resultados levarão mais de 10 anos.
Pensando também em longo prazo, o que os dois querem deixar para seus filhos pequenos é um mundo sem desigualdade e sem sofrimento, dentro do qual eles poderão desenvolver todas as suas habilidades e capacidades e, se tudo der certo, convertê-las em valor social. Privilégio gera oportunidade, que gera responsabilidade.