Por Redação
em 6 de fevereiro de 2006
Vivem a querer nos ensinar, qual tivessem uma sabedoria caída do céu, revelada. E tudo é um enorme engodo, uma tentativa de se colocarem acima de nós ou de nos adestrar. Porque tudo o que se sabe nasce da necessidade do homem de sobrepujar seus obstáculos e dominar o acaso. A cultura humana é fruto de um esforço gigantesco que avança pelo futuro adentro a se reajustar ao que vai sendo conhecido. Tudo é muito relativo à capacidade do homem que dá passos a partir da memória e da necessidade.
Somos um constante movimento de ultrapassagem por sermos insuficientes e incompletos. Vivemos a orar para escutar e cremos porque aceitamos surpresas. Estamos todos em aprendizado, mas não conseguimos ir além sozinhos, somente a outra pessoa enche de significado nossa caminhada. Ninguém está acima de nós, somos semelhantes, embora não sejamos iguais. Ninguém sabe nada de modo absoluto já que vivemos no mundo da relatividade. É preciso que caminhemos juntos, iguais na nossa condição de usuários da privada, da mesa, e carentes da emoção, do calor do outro.
Não apenas lembramos ou fazemos previsões e não somos o espelho do mundo que nos cerca. Somos metamorfose, no plano individual e no coletivo. Somos descontínuos e vivemos a interromper a nós mesmos. A maioria das pessoas abomina a responsabilidade e saboreia longamente a autoridade que se exerce sobre elas. Não podemos aceitar, nossa vida está entre nossos dedos, não podemos deixar escorrer, senão seremos adestrados e estaremos vivendo a vida que querem os outros. Não somos o pano sujo do chão em que coisas desagradáveis acontecem. Elas acontecem para que solucionando-as sejamos criadores de nosso destino.
De fato estamos sós no mundo, mesmo sem estar realmente. Sós para nos viver, para sermos nós mesmos e viver o hoje, não o ontem. Para constituir nossa individualidade e uni-la a outras individualidades. Para estar é preciso constituir. Cada instante é o fogo do pensamento, um sopro do vento para além do tempo.
O nosso projeto de felicidade está ligado a uma arte. A de viver relações harmoniosas e produtivas com os outros. Também com a natureza, com o futuro e com a ultrapassagem do que fomos no que vamos sendo. Acordar como um artista; pensando que se vai criar o dia que se tem pela frente. Ter nossa existência como uma obra a ser executada por nós. Investir no dia disposto a colaborar com a própria vida para que ela seja melhor a cada momento é recria-la e fazer arte.
Precisamos de relações de comunidade e amor. As pessoas não são o limite de nossa liberdade, mas a própria condição de estarmos e nos mantermos livres. A pessoa não é aquele que nos torna objeto de seu conhecimento, como queria o filósofo. Antes, é a parte de nós que mais nos há de impressionar e que mais nos fará falta. O amor que desenvolvemos em nós parte dela.
Precisamos sentir a natureza como um amante enternecido ligando-se a ela como parte interior de sua manifestação e não como dono ou senhor. Nós somos a natureza também, animais racionais que somos. A árvore e a planta; a pedra e a terra; a água e o mar nos são fraternos e próximos, moram dentro de nós. Tudo é singelo e lúdico. Nos expande em participação com o universo, de céus e astros, que nos habitam e fermentam em nós.
Por fim, a nossa vida é uma relação complexa com o possível que aponta para o impossível. Algo que criamos e movemos com nosso esforço próprio, que parte do que sedimentamos, acumulamos e tentamos resolver. Somos a soma de nossos erros e acertos que vão se delineando em conquistas e revoluções permanentes.
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