Conversa Insólida
Dias atrás encontrei um sujeito lá do fundo do passado, marcante demais para que fosse esquecido.
Em uma discussão por causa da escola da prisão, acabei desacatado. Havia inaugurado a escola e era o primeiro professor preso naquela penitenciária. Companheiros abandonaram a escola quando souberam que o professor era preso. Para eles, como professor, eu ficaria acima deles. Não queriam se submeter a outro preso. Possuíam lembranças duras da escola. Aquela do professor autoritário que ofendia e até batia. Essa fora minha escola na infância. O que me levou a odiá-la. Jamais aceitei isso de ser espancado.
Joaquim ficou lado a lado comigo para resolver a questão. Como a razão obviamente era minha, recebi pedido forçado de desculpas. Aceitei com a condição de que voltassem à escola e assistissem minhas aulas. Continuaram meus alunos até o fim do ano. Encontrá-lo exigia um cuidado, uma atenção a mais. Levei-o a uma padaria e comemoramos com cerveja.
Havia cumprido 22 anos de prisão, saíra recente. Era mais novo que eu e parecia velho. Conversava qual estivesse andando no pátio da prisão. Alertando-o para que tomasse cuidado com os assaltos, disse-me que estava armado. Na hora meus sensores apitaram e já preparei a retirada. Não posso estar com ninguém armado. Meu passado me condena. Então ele mostrou a arma: um punhal, desses pequenos. Quase ri. Lembrei cena do filme “Crocodilo Dunde”. Um garoto saca um canivete e diz que esta armado, então o “Crocodilo” saca o facão e diz: “_ Eu sim estou armado!” Maliciosamente, assim pra “curtir” com a cara dele,questionei:
_ Meu, se você sacar esse punhalzinho ai pra alguém, sabe o que pode acontecer?
_ O que? Perguntou já todo marrudo achando que eu estava “tirando”.
_ Já pensou o sujeito saca uma arma automática enorme, coloca na sua cara e exige que você sente em cima do punhal ou morre, o que é que você vai fazer? Ô meu, acorda! Aqui é rua, nada a ver com cadeia. Aqui ninguém vai falar com ninguém: não gostou é chumbo grosso. Esquece essas porcarias de cadeia! Entra no século XX! Vai viver tua liberdade com prazer; esquece as “tretas”, os “inimigos”; cê vai é ser preso com isso ai. Você vai ver o pau que vai tomar dos caras só por causa disso e de você haver estado preso...
Ele pensou. Percebi que decidiu por sair fora porque não dava para ele continuar aquela conversa insólida. Ele havia levado a sério. Fiquei rindo dele imaginando as comédias que andei “pagando” quando sai.
Hoje, estava vindo do Jardim Tremembé e o encontro novamente.
_ E ai meu, como é que tá?
_ Legal, vou ver um “trampo” numa padaria lá na Av. Sezefredo Fagundes.
_ Que bom, cara! Tá precisando de algum dinheiro ai? Alguma coisa que a gente possa fazer? Cê precisa ir lá em casa. Meus meninos estão virando rapazes, você nem vai reconhecer mais.
_ Não, Minha mãe me ajuda em tudo o que preciso. Mas um dia vou em sua casa sim, daí seu telefone, tenho saudades de Renato. O sujeito era orgulhos demais.
_ E o punhalzinho, ainda esta com ele ai?
_ Joguei fora.
_ Porque?
_ Já pensou os caras me pegam e querem fazer sentar em cima mesmo? Fiquei imaginando o que você falou. Eu não ia ter coragem para morrer, então joguei fora. Se me pegarem já não vou ter que ficar nessa indecisão. A gente vai ficando velho vai ficando com medo, né?
Eu ia responder que estava brincando quando falei aquilo de sentar em cima. Mas melhor calar, já tinha até falado demais.
Luiz Mendes
22/02/2010.