Vinícius Zanotti

Como o brasileiro se engajou na construção de escolas de bambu na Libéria

Em meio a uma grande viagem mochilando por Europa e África, Vinícius Zanotti descobriu sua vocação em um dos países mais pobres do mundo. Ao conhecer o projeto das escolas de bambu da Libéria, engajou-se de vez no tema e agora tenta convencer os empresários daqui a investir em boas ideias para lá

Não é sempre que pegar malária vem a calhar... Aos 25 anos, Vinícius Zanotti estava de malas prontas para encerrar sua visita ao continente africano e seguir mochilando pela Europa, quando recebeu o diagnóstico. Resolveu ficar, já que a Libéria está trocentas vezes mais acostumada a cuidar da enfermidade do que doutores europeus. Internado em um dos países mais pobres do mundo, começou não apenas a entender, mas a sentir, o que é miséria de verdade. “O Brasil tem muita pobreza, mas não tem comparação. A situação do interior do Nordeste, perto da Libéria, é quase luxo”, ele conta enquanto enumera dados sobre o país com o sexto pior IDH do mundo e que há menos de dez anos saiu de uma guerra civil que matou 300 mil e deixou sequelas terríveis em pessoas e cidades. A Libéria, fundada em parte por escravos recém-libertos dos Estados Unidos, já foi uma das nações mais pacíficas do continente e uma das maiores esperanças de uma nação africana livre da opressão. Hoje vive sem infraestrutura elétrica, sem uma economia viável, sem rede de esgoto, com baixa expectativa de vida e sem qualquer esperança para jovens e crianças. Ou quase... porque, enquanto se tratava da malária, Vinícius conheceu Sabato Neufville, um tipo de herói local. Como “profissional”, ele presta serviços para a missão de paz da ONU no país. Na prática, usa seus 800 dólares mensais para cuidar de nove filhos adotivos e organizar o United Youth Movement Against Violence. E ainda arrumou tempo para erguer a única escola da comunidade de Fendell, periferia da capital, Monróvia.

“Quando vi aquela escola no meio do nada, sem banheiro, construída como dava, me emocionei muito”, confessa Vinícius, que, antes de embarcar para a África, já militava em movimentos sociais no Brasil. Como jornalista e ativista, e agora ainda mais doente, vítima de uma febre tifoide, continuou no país para filmar um documentário sobre a escola de bambu que Sabato ergueu. Enquanto filmava, fez um pacto com seu novo amigo e com as crianças da Libéria. Iria voltar para casa e dar um jeito de construir uma nova escola. Maior, mais preparada, sustentável e que fosse capaz de criar um intercâmbio de conhecimento e de tecnologia brasileira.

De volta há dois anos, ele quase não fez outra coisa. Trouxe Sabato para o Brasil e viu seu amigo entrar em choque ao ver prédios, ruas e eletricidade farta. “Para um morador da Libéria, nossas favelas são quase um sonho”, explica. Arrebanhou amigos e aliados. Lançou o documentário e começou a levantar o financiamento para a construção da escola de bambu na Libéria. Hoje mais de 30 pessoas colaboram voluntariamente com a ideia, entre elas o arquiteto autor do projeto, André Dal’Bó, que desenvolveu uma escola feita toda de bambu e tijolos de adobe, materiais locais e de fácil manipulação. Mas pensada para ser mais do que um mero teto para aulas.

 

“O Brasil tem muita pobreza, mas nada que se compare. Nossas favelas, para os moradores da Libéria, são praticamente um luxo”

 

Os sistemas de esgoto, de iluminação, de hidráulica e de geração de energia elétrica são autônomos e de baixíssimo custo. As soluções criadas para sustentar a escola, como um gerador baseado em rodas de bicicletas e HDs de computadores reciclados, transcendem muito a questão das aulas. Em um país quase sem chances de emprego como a Libéria, soluções estruturais como essas também são formas de criar trabalho e novas especialidades no país. “A Libéria é um grande depósito de lixo eletrônico. Imagina se a gente consegue criar pessoas capazes de utilizar parte desse material para fabricar geradores de eletricidade”, Vinícius explica.

“É um prédio bem mais barato. O que projetamos custa 400 mil reais, ao passo que uma escola de alvenaria no Brasil sai 2 milhões de reais”, segue o rapaz. E emenda: “A Libéria já tem florestas de bambu, o material está na mão e é mais sustentável do que o ferro. O bambu, quando você corta, em três anos cresce. Já o ferro é extraído da natureza e acaba”.

E você com isso?
O plano, a equipe, a autorização do governo da Libéria já estão na mão. O que falta, como sempre, é conseguir a verba para fechar a conta da escola. Incluindo tudo, viagem e casa para o time brasileiro no pacote, são 410 mil reais. Mas a conta pode cair muito se parte do projeto for feita na própria Libéria. Vinícius acredita que com pouco mais de metade desse valor seja possível colocar o essencial de pé: “Levantar recursos tem sido o mais difícil. Todo mundo gosta do projeto, mas, na hora de patrocinar, qual empresa vê a Libéria como algo relevante para seu marketing?”.

O projeto é explicado em www.escoladebambu.com e ali, além de descobrir como dá para ajudar, as contas são abertas e dá para entender para onde irá cada centavo. Falta muito? “Este ano temos promessas de doações maiores e vamos acelerar a divulgação. Mais 50 mil e temos condições de embarcar no começo de 2013 para lá.” Por enquanto o dinheiro vem de doações, festas beneficentes e vendas de produtos, como uma camiseta desenhada pelo estilista Ronaldo Fraga, que, quando topou ajudar o projeto. “Não tinha como não me envolver. O mundo encolheu. Não é um problema brasileiro ou internacional. É um problema do nosso tempo”, analisa Fraga, ajudando a desfazer uma das mais comuns, e míopes, críticas que se faz à Escola de Bambu: por que fazer algo na Libéria, se tanta gente precisa de ajuda aqui?

Vinícius esclarece: “Muita gente me faz essa pergunta. Mas foi algo que eu vivi. Fiz amizades, conheci pessoas, fui ajudado por elas e vi o tamanho da importância de uma escola ali. Tem gente que se orgulha de que, hoje, o Brasil pode ajudar a Europa financeiramente... e o que estamos fazendo para tentar reparar a exploração e todo o mal que a África sofreu por séculos? O que digo quando me criticam por tentar ajudar crianças na Libéria é: ‘E o que você está fazendo para ajudar as crianças no Brasil?’”.

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