Vida desdobrada em Conto

por Luiz Alberto Mendes

 

Conto Vivo

 

_ Ei, senhor, senhor...

Virei para olhar e, embora não me sinta senhor de ninguém, era comigo mesmo. Parei a esperar. Um jovem alto e muito magro acelerava os passos em minha direção.

_ Por favor, senhor, me dá uma atenção...

Já estava dada. Não sei negar atenção. O rapaz estava mal vestido, amarfanhado, parecia sujo e bem desajeitado. Aos poucos fui identificando. Era um daqueles “nóias” que ficavam à noite na viela em frente minha casa. São filhos das famílias aqui do bairro. De vez em quando algum deles “entrava no couro”. Cometiam pequenos furtos, compravam drogas fiado, não tinham como pagar. Sempre há quem goste de abusar daqueles que se fragilizam. Escutávamos gritos, não havia como socorrer.

_ Ô senhor, por favor, arruma um real pra mim tomar um café, vai...

Seus olhos eram grandes, saltavam da cara escura não sei se de natureza ou se de sujeita mesmo. Havia tanta ansiedade, tanta convicção, que me comoveu. Devia estar com fome mesmo, conclui. Nunca neguei moedas e sempre as tive mesmo para dar.

_ Toma ai. Tem duas moedas; vê se come um pão também, tá?

Seus grandes olhos umedeceram e ficaram redondos. Agradeceu efusivamente, pegou as moedas e saiu andando em direção à padaria. Senti que começara o dia bem. É ótimo ser capaz de alimentar quem esta com fome. Faz um bem enorme.

Dia seguinte saia novamente de casa e ao virar a esquina dou de cara com o rapaz.

_ Ô meu senhor, me dá um real pra mim tomar um café?

Olhei bem em seus olhos. Novamente aqueles olhos enormes arredondando, parecendo holofotes, a me focarem. Comovia com o modo humilhe que pedia. Senti que devia dar o dinheiro logo para parar com aquela atitude súplice. Aquilo me incomodava. Passei a vida toda sendo humilhado, colocado abaixo de bunda de sapo.  Ao ver alguém assim se humilhando por moedas, não havia como reagir diferente.

_ Toma ia, cara, vai lá...

_ Brigado, senhor, matou minha fome.

Fiquei olhando ele seguir para a padaria ainda alegre por poder colaborar. Afinal, o que era uma moeda? Havia tantas; poderia dar uma ou duas tranquilamente. Não iria morrer de fome por causa disso. Continuei contente.

E assim os dias foram passando e o rapaz a me cercar quase todos os dias para me pedir um ou dois reais. Aos poucos aquilo começou a me irritar. Ele estava me “tirando”, por trouxa ou otário. Até que um dia acordei aborrecido com alguma coisa, nem lembro o que. Quando o rapaz veio para cima, achei que era o momento de dar um basta.

_ Ô Senhor, senhor, por favor, um real pra eu tomar um café...

Seu sorriso era confiante. Vinha até agradecendo na certeza de receber o que me pedia.

_ Não tenho.

Respondi, quando ele chegou perto, de cara fechada e olho no olho dele, para que não houvesse dúvidas.

_ Não tem nem um real, senhor, puxa...

Ultrapassei-o, dei as costas e continuei caminhando duro em direção ao ponto do ônibus. Já estava arrependido. Quase volto para pagar o café do rapaz. Tenho filhos adolescentes. Continuei andando na calçada, imaginando-o a me olhar incrédulo.

Passei o dia fora correndo atrás da vida. Desci do ônibus cansado e com dor de cabeça. Quando caminhava para casa, vi o jovem do café da manhã vindo em minha direção. Imaginei, já irritado, que aquele maluco vinha me pedir alguma coisa novamente. Deixei resposta na ponta da língua para ele, tipo: “vai trabalhar vagabundo!”

Quando chegou perto, estendia uma nota de cinqüenta reais e dizia sorrindo com aqueles olhos enormes:

_ Toma, senhor!

_ O que você esta pensando, seu maluco, tá me “tirando”? Que porra que é essa?

 Sei lá o que pensei na hora, mas aquela nota me ofendia. Estava querendo me pagar pelo que eu lhe dera? Dando “tapa de luva de pelica”? Mas ele sorria, parecia alegre, sincero. Fiquei ali de bobeira, sem saber o que dizer, com aquela nota que ele colocou em minha mão.

_ Não se zangue...

_ Como que “não se zangue” se você vem me importunar toda hora? O que é isso, rapaz?

_ Não se aborreça, senhor. Não estou “tirando” o senhor. Fica com esse dinheiro porque o senhor não pode ficar sem.

_ Porque não posso ficar sem?

_ Porque o senhor sempre dá dinheiro pra quem pede. Então o senhor precisa ter dinheiro para dar.

E saiu andando parecendo muito satisfeito. Entendi. Fiquei com o dinheiro até sem querer. Sabia que o prejuízo seria maior. Ele não deixaria de pedir e eu não poderia mais recusar. Mas aquela era a vez dele se sentir bem. Não podia lhe recusar tal prazer; eu sabia como era bom!

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Luiz Mendes

24/10/2010.

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