por Nathalia Zaccaro
Trip #273

Um conto inédito de Geovani Martins, o carioca de Bangu que causou no mercado editorial com seu primeiro livro, O sol na cabeça

Em O sol na cabeça, seu primeiro livro, o escritor Geovani Martins escolhe com cuidado as palavras, mergulha nas neuras de seus personagens e cria um universo particular dentro dos clássicos cenários cariocas. Lançada em março pela Companhia das Letras, a coletânea de contos se espalhou instantaneamente, foi vendida para nove países e deve virar filme sob a direção de Karim Aïnouz. Chico Buarque disse que “ficou chapado” com a leitura, Antonio Prata elogiou o talento e a sensibilidade do escritor e João Moreira Salles falou em “nova língua brasileira que chega com força inédita”.

“Tinha dois menó ali perto de nós com mó cara de quem dá um dois. Desde que nós chegou que eles tava ostentando. Passava mate eles comprava, passava biscoito eles comprava, açaí comprava, sacolé comprava. Deviam tá mermo era numa larica neurótica”, escreveu em “Rolézim”, o primeiro dos 13 contos de seu livro, em que narra a aventura de uma turma de amigos que aproveita o calor para curtir um dia na praia. “Por ter morado em algumas favelas, e frequentado várias, eu sei falar muitos tipos de língua portuguesa. Na favela de uma facção, se fala de um jeito, na de outra, se fala de outro. Busquei um jeito de transformar tudo em literatura. Deu trabalho, mas quis mostrar como nossa língua está sempre em movimento”, explica.

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Geovani tem 26 anos, nasceu em Bangu, morou na Rocinha, na Barreira do Vasco e, hoje, vive no Vidigal. Foi ajudante de pintor, entregador de panfletos, garçom, alugou cadeira na praia, se virou. Mas ele tinha um plano: colar na Flip de 2017 com um livro escrito, mostrar para alguém, tentar publicar. “Expliquei pra minha mãe que não podia mais ter um emprego fixo, que precisava escrever. Ela aceitou me receber de volta na casa dela e lá fiquei trabalhando umas oito horas por dia, por dois anos”, lembra. Chegou em Paraty com os textos em um pen drive, foi lido, reconhecido, publicado e está vivendo de literatura, como queria. “Ganhei mais dinheiro do que imaginava ser possível com um livro só. A falta de grana me ajudou muito a escrever. Era um desespero enorme, falta de perspectiva. Apostei tudo”, diz.

Bangu

Ele sabe que seu texto atinge diferentes leitores de diferentes maneiras – quem mora na favela, gosta de se ver representado; quem mora no asfalto, gosta de ser surpreendido pela tão distante realidade vizinha. A violência da polícia, a adrenalina de uma pichação, o mistério de um terreiro, o movimento da boca, assim como amizade, medo, amor, humanidade. “Tem uma turma grande de intelectuais na favela, gente que trabalha com pensamento. Isso é fruto de uma situação mais confortável que a gente teve para viver nos anos 2000. Minha mãe começou a trabalhar com 9 anos, eu pude começar com 16, e isso muda muita coisa”, explica.

Leia um conto inédito que Geovani enviou com exclusividade para a Trip:

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Créditos

Imagem principal: Ilustração sobre foto de Chico Cerchiaro

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