Sobre pais e filhos
Meus filhos começaram suas vidas em filas de portas de prisões para me visitar
Créditos: Roger Sassaki
Por Luiz Alberto Mendes Trip #229
em 13 de fevereiro de 2014
Meus filhos começaram suas vidas em filas de portas de prisões para me visitar. Me sentia um fracasso como pai. Recentemente, vi o mais novo chegar ao lançamento de um livro meu junto com sua professora. Uma emoção profunda tomou conta de mim
Nostalgia é algo que se pensa ou se sente? É bom ou ruim? A palavra é usada como sinônimo de melancolia. Um estado mórbido de depressão, de languidez e de tristeza indefinida. Nostalgia também pode ser quando se está triste e se desconhece a razão. Um tipo de desgosto, pesar. Desconfia-se de que quem sofre de nostalgia tem tendência ao suicídio. Quando me quedo a recordar de acontecimentos e mentalmente os revivo, estou nostálgico, e isso tanto pode ser bom quanto ruim. É humano. Uma certa palpitação que pode acelerar o coração quando lembramos dos momentos felizes que não voltam mais; nostalgia é memória revivida.
Por muito tempo me senti fracassado como pai. Não conseguia sequer conquistar a amizade de meus filhos. Eles pareciam nem ligar para mim e eu vivia magoado, a me queixar pelos cantos por conta disso. A nostalgia pegava pesado. Lembrava de quando eles eram pequenos e de como éramos alegres, brincando de briga na cama, jogando bola e sendo felizes juntos… Sofria, dentro de mim, com a consciência pesada; eu merecia. Torturei-me incontáveis vezes tentando encontrar meios, saídas, sem sucesso.
A história deles é, no mínimo, complicada. Foram concebidos quando eu estava preso e, aos primeiros anos de suas vidas, não pude estar presente. Via meus filhos somente quando a mãe deles os trazia para me visitar. Eles começaram suas vidas em filas de portas de prisões. Não posso julgar ou cobrar nada deles. Em última instância, a culpa sempre será minha: fui eu que estive preso e faltei quando era preciso estar presente.
Só agora, anos depois, é que fui entender que é sempre possível aprender com os erros. Os insucessos marcam, tatuam na alma e cobram mudanças. Nunca nos conformamos em perder e vivemos a nos atormentar com nossas derrotas. Isso também é nostalgia. Esquecemos que, quando os fatos se precipitam em atos, agimos ou reagimos com tudo o que nos constituía. Fizemos a partir do que fomos. Não dava para ser mais cautelosos, espertos, corajosos ou inteligentes do que fomos. Processamos informações e conhecimentos a todo instante. Nossa ação ou reação contém o que somamos em nossa experiência até o momento.
Ao descobrir isso, comecei a relaxar com meus meninos. Deixei que vivessem suas vidas como gostassem e, se não me procuravam, eu os procurava e pronto, sem mágoas ou cobranças. Aos poucos, fui construindo um diálogo tranquilo com eles, sem invadir e com todo respeito. Comecei a senti-los como pessoas independentes e não mais como apenas “meus meninos”. Comecei a gostar disso. É muito interessante observar como lidam com a vida, como resolvem suas questões. Foi surpreendente perceber o quão diferentes de mim eles são. Seus interesses são completamente diferentes. Não são violentos, agressivos e nem estão na guerra das relações sociais; simplesmente vão se preparando e vivendo tranquilamente o que vida lhes propõe.
ORGULHO
Recentemente, quando do lançamento de meu quinto livro, Desconforto, Jorlan insistiu em participar. Quando o vi chegando na livraria junto com sua professora, uma emoção profunda tomou conta de mim. Ali estava o meu filho mais novo, um dos principais motivos de minha vida. Ele sorria e parecia muito orgulhoso de seu pai. Imediatamente, o pensamento me remeteu a Renato. Meu filho mais velho havia sido classificado no vestibular. Estava “ganhando a vida”. Trabalha na revista Trip há dois anos e vai começar a faculdade de sistemas de informação do Senac. Quer ser programador de computadores; lida com isso o dia todo. Então me veio a consciência de que, apesar de toda tristeza do passado, estava dando certo. Finalmente eu estava em meu papel de pai de verdade. Não havia mais nostalgia; eu a tinha vencido. Uma alegria enorme engolfou meus pensamentos, lágrimas inundaram os olhos e eu pude ser feliz por momentos.
Restou a consciência de que devo me fortalecer, aprender e me desenvolver para enfrentar melhor os desafios que a vida haverá de colocar em meu caminho daqui para frente.
*Luiz Alberto Mendes, 60, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com
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