Repensar a cidade através dos carros

por Ronaldo Lemos

O revolucionário veículo a ser lançado pela Riversimple é movido a eletricidade e hidrogênio

 

A reestruturação da indústria automobilística nos Estados Unidos é um dos marcos simbólicos mais importantes do nosso tempo. Ela representa, por exemplo, a decadência de um modelo de empresa monolítico, em que todas as inovações são feitas exclusivamente por gente dentro dela mesma – criadores externos são ignorados ou no máximo assimilados. Isso já virou até tema de filmes, como Tucker ou Flash of Genius. Além disso, mostra o fim de uma era em que os carros eram produzidos sem preocupações com sustentabilidade ou com os efeitos colaterais da sua multiplicação sobre as cidades ou sobre a vida das pessoas.

 

Isso é especialmente importante porque hoje não há como pensar o futuro das cidades sem pensar no futuro dos carros. Mas a boa notícia é que tudo isso começa a mudar rapidamente. Há toda uma nova geração de pequenas empresas entrando no mercado automobilístico. Empresas que possuem apenas uma ínfima fração do capital das grandes empresas tradicionais, mas que apostam pesado na inovação e na flexibilidade para competir no futuro desse mercado. Além disso, partem do princípio que inovação de verdade depende de modelos abertos e da contribuição descentralizada de qualquer pessoa, inclusive dos próprios consumidores. Em outras palavras, um modelo exatamente oposto ao tradicional. Leve, flexível e aberto.

Um exemplo prático é a empresa Riversimple, que acaba de se lançar no mercado com uma proposta nada modesta. O convite para o evento de lançamento dizia com todas as palavras “gostaríamos de convidá-lo para testemunhar um momento determinante na história dos transportes”. O carro a ser lançado pela Riversimple é movido tanto por eletricidade quanto por hidrogênio. Do seu escapamento, o único resíduo exalado é água. O carro é pequeno, para apenas duas pessoas, o que parte da constatação de que a maioria dos carros roda com uma ou duas pessoas, mesmo tendo capacidade para levar mais gente. Do ponto de vista de consumo de carbono é como se o carro fizesse 127 km por litro de combustível.

Faça você mesmo

Mas a verdadeira revolução da empresa é reinventar o modelo de negócios dos carros. Por exemplo, todo o design do automóvel será open source, disponibilizado através do site 40fires (lançado junto com o carro). Qualquer pessoa pode participar do redesenho do carro, que se torna um produto aberto, para sempre inacabado. Tanto especialistas quanto amadores podem fazer sugestões para o aperfeiçoamento do produto. E o mote principal dessas contribuições, de acordo com o objetivo da empresa, é torná-lo progressivamente mais sustentável e durável.

Com isso, abre-se um futuro diferente não só para os carros, mas também para as próprias cidades. Abrindo espaço para mudanças que afetam diretamente a organização do espaço urbano, a qualidade do ar e até mesmo a configuração da planta industrial das fábricas. A promessa é de fato ousada. A Riversimple se compromete, por exemplo, a ter um modelo de administração que não coloque lucro na frente de impacto ambiental. Cabe acompanhar o empreendimento para ver sua repercussão. Mas desde já fica o sinal para que outras indústrias excessivamente monolíticas e fechadas em si mesmas repensem seus modelos e passem a experimentar formas de inovação mais abertas. Enquanto ainda há tempo.

*Ronaldo Lemos, 33, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br

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