Major Fydrych é ex-líder do grupo polonês que combateu o comunismo com duendes laranjas
Pintar gnomos e duendes laranjas na parede é uma forma de expressão política? E que tal distribuir absorventes e papel higiênico na rua? No caso da Pomarańczowa Alternatywa [Laranja Alternativa, em polonês], um movimento político anti-comunismo que durou de 1986 a 1989, essas ações eram mais do que atos de expressão política, eram formas de resistir e derrubar o regime comunista na Polônia. Quando algum cartaz da oposição polonesa colado na rua era censurado pela polícia com uma camada de tinta, a Laranja desenhava gnomos por cima.
Fundada por Waldemar Fydrych em 1986 na cidade Wroclaw (no sudeste do país), a Laranja Alternativa resolveu enfrentar o comunismo pela via do humor. Ao invés de protestar diretamente contra o regime, Fydrych, chamado de Major, organizava passeatas com alguns milhares de pessoas nas quais todos estavam vestidos com chapéus de gnomo e roupas laranja. Em 1987, integrantes do movimento distribuíram papel higiênico e absorventes nas ruas de Warclaw para lembrar dos constantes racionamentos que os países do lado de dentro da "Cortina de Ferro" sofriam. Textos como "Vamos compartilhar de maneira justa. A justiça deve começar pelo papel higiênico" eram uma das marcas das ações da Laranja.
"Estamos no mundo midiático, que é o inimigo da liberdade hoje."
A alcunha de Major de Fydrych veio da época em que foi convocado para o serviço militar obrigatório. Querendo escapar, ele se vestiu com uma indumentária completa de major e agia como se fosse mesmo um alto oficial. Deixou os militares perplexos e conseguiu a dispensa porque foi considerado mentalmente incapaz de servir. Ficou o apelido.
Além dos happenings, boletins oficiais da Laranja Alternativa eram emitidos. Neles, o movimento publicava textos repletos de afirmações que pareciam grandiosas mas não faziam nenhum sentido ("Não, a solução não está na síntese. Ela está cheia dos gases mais nobres: argônio, neônio, hélio e leite"). Formado em história da arte, Fydrych se inspirou em artistas surrealistas como Salvador Dalí e Witkacy para criar a linha de atuação do seu grupo.
Em 2001 a Laranja foi reativada pelo Major e fez suas tradicionais marchas de gnomos por outros lugares do mundo, como Nova York. Hoje a atuação do grupo é limitada, mas Fydrych e o folclore criado em torno do grupo são admirados até hoje. A Laranja Alternativa já foi objeto de estudos universitário na França e tem um site dedicado a preservar a memória dos happenings com fotos, documentos e relatos. Com 57 anos e escrevendo uma ópera, o Major elegeu seus inimigos neste século XXI, acha que ajudou a derrubar o comunismo, disse que ainda vê esperança no futuro e pensa que o humor ainda é a melhor forma de combater autoritarismos. Ele conversou por telefone com a Trip, de sua casa na Polônia.
Ação da Laranja Alternativa em outubro de 2009, chamada de "Cabaré democrático de rua"
De onde surgiram os duendes?
Essa história começa no período da Lei Marcial na Polônia. Durante esse período, havia muitos slogans anti-governo escritos nas paredes dos edifícios nas cidades polacas, que eram então rapidamente cobertos com tinta. Naqueles pontos cobertos por tinta eu decidi pintar duendes. Dei nome a esse tipo de arte de "pintura dialética" porque representava uma relação dialética, onde o slogan era a base, que é a tese; a mancha de cobertura era a antítese e o duende era a síntese. A segunda condição dialética importante foi a evolução da quantidade em qualidade. Então eu disse: quanto mais duendes houvesse melhor. Foi essa a explicação que dei durante um interrogatório, enquanto eu estava detido na delegacia de polícia. É claro que fui detido por pintá-los
Por que você escolheu a cor laranja?
Por puro acaso.
Chamar a si mesmo de Major foi uma piada sobre a hierarquia comunista?
Essa piada surgiu quando eu estava visitando um psiquiatra, como parte do processo de ser convocado para o serviço militar obrigatório. Eu estava tentando evitar ir para o exército, então fui visitar o psiquiatra. Durante uma das visitas, ele começou aplicar a técnica de psicodrama em mim - a seu ver, um tratamento que ele considerava para a minha condição psiquiátrica - e começou a dirigir-se a mim como se ele fosse um Coronel. Eu respondi a ele como um Major.
Como é que você planejou os acontecimentos? A arte performática o influenciou?
Eu sempre gostei de fazer coisas arriscadas, mas eu não conhecia na época a arte performática, portanto, não poderia me influenciar.
O que você aprendeu fundando e participando no Alternative Orange?
Eu aprendi que é bom ir contra a corrente.
Qual é o seu trabalho hoje?
Atualmente estou trabalhando na produção do meu libreto de uma ópera chamada "Don General"
A juventude está apática atualmente? Há lugar para o Alternative Orange em 2010?
Decididamente muito mais apática, mas ainda há uma razão para tais ações, enquanto houver pessoas dispostas a participar delas.
O humor é ainda uma forma eficaz de influenciar a política?
Até certo ponto, sim. Mas estamos no mundo midiático, que é o inimigo da liberdade hoje.
Você contribuiu para acabar com o comunismo na Polônia?
Em um certo grau sim, mas o Partido Comunista da URSS cavou sua própria cova.
Qual é o inimigo de hoje, uma vez que a URSS não mais existe?
A imoralidade em primeiro lugar, o fanatismo em segundo e em terceiro a hipocrisia.
Qual é o seu sonho, algo completamente impossível, mas que você gostaria de fazer?
Ausência de problemas, a paz, a presença e espontaneidade por um lado, e nem um único pensamento que invada essa harmonia - o Céu na Terra.
Saiba mais: no site oficial da Laranja Alternativa e o museu on-line do movimento