Pé na Tábua: a vida pulsante dos veículos antigos

por Nathalia Zaccaro

O evento completa dez anos botando para correr motos, carros e Kombis de décadas passadas e reúne apaixonados pela história do automobilismo

Foi dentro de um Trabant 1971, automóvel ícone na antiga Alemanha Oriental, que Luiz Carlos Ferreira, de 76 anos, conseguiu recuperar a confiança em seu corpo e mente. Uma árdua luta contra um câncer no esôfago e no estômago o obrigou a passar nove meses internado em um hospital e se submeter a quatro cirurgias, mas ele trocou temporariamente sua cadeira de rodas pelos pneus do Trabant. No mês passado, Luis participou da mais recente edição do Pé na Tábua, evento que há dez anos promove corridas de carros antigos no estado de São Paulo. “Foi um teste importante. Percebi que vou recuperar meus movimentos e raciocínio e aí poderei vencer a corrida. Mesmo que eu esteja com um carro como o Trabant, que é fraquinho, mas valente!”, diz.

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Para além da adrenalina das corridas – que passa longe das altas velocidades dos autódromos de Fórmula 1 –, os encontros entre apaixonados por essas máquinas resgatam a potência desse tipo de conexão. Cláudio Schnabel, especialista em restauração de motocicletas antigas, precisou se virar para conseguir participar da prova.

“A corrida era para motos com motores dois tempos e eu só tinha de quatro tempos. De última hora, me inscrevi e tive 40 dias para montar uma moto. Foi difícil, quase não deu tempo e tive que sair sem testar. No dia da prova, ela deu pau, não quis andar, tive problemas com o carburador. Mas aí algo aconteceu: muitas pessoas se aproximaram para me ajudar. Juntos, conseguimos consertar. A moto funcionou e fiquei em segundo lugar na corrida”, comemora. 

O auto é móvel

No autódromo da fazenda Dimep, em Itatinga, a 220 quilômetros da capital, o Pé na Tábua reuniu cerca de 50 veículos antigos para uma série de corridas. “A gente foge da tendência desse setor, que é de fazer só exposições. Se o auto é móvel e não fixo, ele tem que andar!”, defende Tiago Songa, organizador do evento, que acontece quatro vezes por ano, mesclando corridas de motocicletas, Kombis e carros. As próximas vão rolar em junho, julho e novembro. “Uma categoria que não abro mão de promover é a feminina e ela está crescendo a cada ano”, conta Songa. A esposa de Cláudio, por exemplo, já integra uma crew de motociclistas e confirmou presença nas próximas corridas.

Outra categoria central do Pé na Tábua é a que homenageia o período romântico do automobilismo brasileiro. "Quando ainda não existia a Fórmula 1 no Brasil, aconteciam circuitos de rua e a DKV [histórica marca de automóveis e motocicletas] montou uma equipe que foi muito importante. Tivemos a participação de alguns carros dessa época, chamados de carreteiras. É um resgate histórico muito legal", conta Songa. 

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A trajetória do misterioso piloto Volante 13 foi recuperada na última edição do evento. Importante nome do automobilismo brasileiro dos anos 60, o carioca Flodoardo Arouca corria usando um pseudônimo para poupar sua mãe, que era cardíaca, das fortes emoções das provas. Ele morreu em 1969, vítima de um acidente enquanto esquiava, e acreditava-se que seu carro – apelidado de Mickey Mouse – tinha se perdido no tempo. 

“São poucos os veículos que realmente corriam naquela época e que resistiram. Mas o dele estava a salvo com a família”, diz Maurício Marx, que trabalha com compra, venda e restauração de automóveis antigos e foi procurado pelos parentes de Volante 13 para ajudar na recuperação do carro. “Essa época é a origem do automobilismo brasileiro e a de grandes nomes do esporte, como os irmãos Fittipaldi”. Décadas depois das vitórias de Volante 13, o carro deixou a garagem da família e passou quatro meses em reforma até tocar de novo o asfalto de um autódromo na última Pé na Tábua. 

Os veículos antigos carregam um tanto da história do Brasil e de sua gente. E continuam mobilizando em torno de seus universos pessoas interessadas construir novos percursos. Deixar um pouco de lado nossas novas realidades hiperdigitais e superprodutivas para olhar para o passado e para quem divide com a gente o presente pode ser transformador.

Créditos

Imagem principal: Rodrigo Marques

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