O pensamento libertário este órfão

por Alê Youssef
Trip #239

Criamos campanhas na internet, mas é preciso se reorganizar politicamente

Embaralha e dá de novo. Ouvi essa expressão outro dia, dita por uma amiga para explicar uma onda de casais conhecidos que estavam se separando e formando outros novos casais. Depois das risadas, ponderei se esse tipo de reorganização seria possível na política brasileira, especialmente depois da ultrarradicalização de ânimos gerada pela eleição de 2014. 

Mesmo sabendo da quase impossibilidade de uma recomposição em busca de um recomeço – recentemente defendi neste espaço que as pontes entre os diferentes Brasis estão terrivelmente abaladas –, começo a desconfiar que só através de um milagroso choque de civilidade e boa vontade capaz de zerar os muitos ressentimentos políticos conseguiremos encarar o grande desafio que temos pela frente.

Explico melhor: a cada dia que passa tenho a convicção de que a caretice e o pensamento conservador ganham mais força e espaço na nossa sociedade. Por meio de uma organização política pragmática e organizada que sabe usar nosso sistema político capenga e cheio de vícios, bancadas vão sendo eleitas e, com isso, vamos ficando cada vez mais distantes de avanços que poderiam representar passos em direção a um futuro mais arejado e moderno. Análises apontam que o Congresso Nacional eleito é o mais conservador desde 1964.

O pensamento libertário está órfão de padrinhos e estratégias políticas que o representem de verdade. Fazemos campanhas na internet, articulamos artistas famosos e com boa cabeça para defender avanços em temas simbólicos, bebemos cerveja nos bares da vida fazendo discursos revoltados diante do crescimento do conservadorismo, organizamos prêmios para celebrar os que lutam por uma sociedade diferente, mas, no final do dia (ou da eleição), tudo isso gera pouco resultado objetivo.

AGENDA POSITIVA

A verdade é uma só: ou atuamos em busca de uma reorganização capaz de alinhar políticos, futuros políticos e todos aqueles que acreditam em uma sociedade diferente onde valores como a sustentabilidade pautem novos modelos de desenvolvimento e barreiras morais sejam ultrapassadas em favor de políticas inteligentes ou seremos reféns do fanatismo e do discurso da culpa que contamina os corredores do Congresso Nacional e nossas redes sociais.

Como disse, eu sei que o recomeço que precisamos urgentemente é quase um sonho e imaginar isso beira a ingenuidade máxima. Mas esse é justamente o ponto limite e praticamente intransponível que chegamos com nossa super “despolitização polarizada”. 

A parte da sociedade brasileira que tem cabeça aberta para o novo precisa tentar reconstruir as pontes debilitadas pós-guerra eleitoral e começar a pensar em uma agenda positiva de união. Por enquanto, estamos a anos-luz disso. Feliz 2015.

*Alê Youssef, 40, é apresentador do programa Navegador, da Globonews, comentarista do programa Esquenta!, da TV Globo, advogado e produtor. Seu e-mail é alexandreyoussef@gmail.com

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