O papo da quarta

por Redação
Trip #168

Para não deixar somente nos andares da Trip algumas histórias interessantes sobre quem faz a editora acontecer, a partir de agora vamos revelar a todos ”quem é quem”. O escolhido para debutar esta seção é Décio Galina, editor da IMOCX (Izzo)

Já faz um tempo que toda quarta-feira da semana é reservada para o famoso "Papo da quarta". Uma pessoa da editora é escalada para entrevistar outro colega de trabalho, não importa em qual área, ou qual sua função, o objetivo é sempre revelar histórias para que todos conheçam mais sobre as pessoas que fazem a Editora Trip funcionar.

Para não deixar algumas histórias reservadas para degustação interna, a partir de agora vamos revelar a todos o que acontece nos papos de quarta. Quem inaugura este espaço é Décio Galina, editor da IMOCX (Izzo), e jornalista responsável por reportagens corajosas como "São Paulo by night", onde dormiu dois dias nas ruas de São Paulo, e outras mais relaxantes, porém não menos perigosas, como aprender a esquiar nas montanhas do Chile.


O responsável por extrair esta mini-biografia de Décio Galina foi Lino Bocchini, editor da Send, que conheceu o colega quando foi editor de Geral da Folha da Tarde, situado três andares abaixo onde Galina editava a Geral do Notícias Populares.




1. Com a mulher, a fotógrafa Regina de Grammont, em Amsterdã; 2. na redação da Gazeta Esportiva; 3. Nos tempos de NP (abaixo, uma primeira página), em um boteco da perifa, com o motorista Mexerica e o fotógrafo John Kurtis; 4. Antes de sair para Goiânia, de carro, buscar o Campeonato Brasileiro de 2005 para o Timão, com Lino, Nivaldo e Skujis; 5. Com o filho, Nicolas de Grammont Alves de Lima Mercaldi Galina (isso mesmo); 6. Com os amigos e jornalistas Beto Kleiman e Henrique Skujis, na Patagônia; 7. No destaque, o cartão de milhagem da russa Aeroflot.

É verdade que você saiu na mão com o Fernando Paiva no meio da redação?
Uma vez tive um problema com o Paiva, mas já aviso que ele é um tremendo amigo. A Trip era na rua Lisboa, eu tinha que cobrir um rali pela Mitsubishi em Natal e não podia ir, tinha algum compromisso. Ele estava no telefone dando instruções sobre a compra da passagem, pedindo o último vôo no domingo, assim eu “aproveitaria o dia na cidade”. Fiquei puto, interrompi o telefonema e disse que queria voltar no primeiro vôo. O Paiva desligou o telefone e falou pra eu descer no café. Cheguei, sentei e ele: Não é pra sentar, vamos ter uma 'conversa americana'”. Não sabia o que era aquilo, mas percebi que tinha que levantar. Ele tava muito nervoso, e a certa altura pegou o cigarro, pôs na boca e fechou uma das mãos. Pensei: “Não acredito, ele vai me dar um soco”. Começou a gritar ainda mais alto, e eu tentando manter a calma. Me demitiu, falou barbaridades, e eu lá, preocupado em não apanhar à toa, também falei um monte. Não teve briga, mas veio um monte de gente segurar o Paiva e me segurar. Arrumei minhas coisas e tava indo embora quando o Luna me chamou, se desculpou em nome da Trip e então o Paiva, do lado dele, falou uma frase que não esqueço: “Décio, não sei o que aconteceu comigo, estou me desculpando. Ajoelho no milho”. No fim, ninguém foi demitido e ele foi fazer a cobertura que eu pedi para não fazer. O final foi feliz, porque fizemos as pazes e segui trabalhando com o Paiva, um poço de cultura, que me ajudou muito a ter o texto que tenho hoje.

Que lindo! E a Fidai (Federação Internacional de Dados Italianos), um dia volta?
A Fidai nunca acabou! A gente teve só um problema por causa do sócio Alexandre Morettin. Ele pegou o campo oficial para fazer uma reforma, se prontificou junto à direção da federação a entregar o novo campo antes do fim de 2007, já estamos no meio de 2008 e nada. E, aliás, é uma boa oportunidade de alertar o Alê, porque tá muito difícil segurar a situação dele na Fidai, estou sendo muito pressionado pela direção da entidade. Ele ainda prometeu devolver o campo com iluminação, um avanço para a Fidai, que tem mais de 30 sócios. Uma prova de que a Fidai está muito bem é a colocação de novas câmeras internas em nosso andar. Acho que é para a direção da editora ver os jogos em tempo real.

E como é essa história de você tirar muito 10 nos dados?
Realmente tenho muita facilidade de tirar o número 10, assim como André Viana faz muita trinca de 9 e o Alessandro Meiguins, o Tatá, que já não está entre nós, tem facilidade com seqüências máximas. A gente aprende muito com os dados. Não é uma mera questão de sorte, muitas vezes os dados funcionam como uma espécie de búzios.

Pergunta básica: quando você entrou na Trip?
Em 2001, alguns meses depois que o NP fechou, o que aconteceu numa data fácil de lembrar, 2001-2001, ou seja, em 20 de janeiro de 2001.

Cabalístico, não?
Sim, e três meses antes de fechar o jornal eu saí porque tinha um projeto de transformar o Notícias Populares num tablóide especializado em novelas. Já tinha uma equipe dentro da redação que faria a transição do NP standard, especializado em polícia, para tablóide de novela. Na época eu era o editor de Geral [cobertura da cidade, principalmente polícia, e internacional], fechava cinco páginas por dia e tinha uma equipe de umas dez pessoas. E não estava interessado num tablóide de novelas, variedades não me interessam nem um pouco. Nesse momento ninguém imaginava que o jornal ia acabar. E, por eu ter saído tão em cima, tem gente do NP que até hoje acha que eu sabia que o jornal ia acabar. Antes do NP, participei do levantamento de dados do livro Rota 66 [Caco Barcelos] e fiquei uns meses na Gazeta Esportiva trabalhando na cobertura de campeonatos de surf.

E quanto tempo você ficou no Notícias Populares?
Foram cinco anos. Entrei como repórter de Geral, cobri todos os tipos de crimes possíveis, virei repórter especial, passei para a edição de um caderno semanal, o glorioso Domingão do NP, e aí virei editor de Geral, a parte mais importante do jornal, de onde saíam as manchetes manchadas de sangue, fantasticamente lapidadas por dois secretários de redação muito importantes na minha formação: José Vicente e Paulo Cesar Martin. Foram anos malucos, muito intensos, cada dia era uma vida. Era uma época que não tinha internet, tinha que checar tudo na rua, tudo muito diferente. Por isso acho muito importante hoje o profissional que tem experiência em jornal e não apenas em revista. Gente acostumada só com revista tem uma frase clássica: “Ah não, isso não dá para fazer em uma semana...”. O que não dá pra fazer é derrubar o World Trade Center com um avião americano. O resto dá.

Fala mais dessa história de fechar um bando de páginas por dia, e sem internet.
Olha, eram de três a cinco páginas diárias. E uma diferença grande é que hoje nenhum jornal tem mais equipe fixa na madrugada, o que é absurdo [à época, NP, Folha da Tarde – que virou Agora SP – e Diário de São Paulo tinham]. E isso é muito triste. Com o fechamento do NP, não só perdemos o jornal mais interessante do país como houve também um afrouxamento da cobertura da periferia de São Paulo. E São Paulo não é o Rio, que tem a periferia no centro. Lá fica mais difícil de ignorar a existência dela, e em São Paulo é fácil ignorar. Aqui na editora mesmo, chega na reportagem e pergunta quem sabe onde fica o Grajaú, a avenida Dona Belmira Marin, pergunta quem sabe que tem uma balsa dentro do município de São Paulo... Ninguém sabe. Esse tipo de conhecimento da cidade é importante para a formação, e isso o jornal te dá. Mas, voltando, continuam morrendo mais de 40 pessoas por fim de semana. Da sexta-feira à noite até a segunda cedo, na minha época, morriam cerca de 55 pessoas de forma violenta na periferia paulistana. Melhorou, hoje devem morrer “só” umas 40. Mas nesses 40 não tem só bandido, claro, tem muita história dramática, gente que morre de graça. Enquanto isso, a Folha de S.Paulo se preocupa com o roubo do relógio do Luciano Huck nos Jardins.

Você chegou a ver muita gente morta?
Vi todos os tipos de morte que você pode imaginar. Começa com tiro na cabeça, o que já é uma loucura, porque uma pessoa morta com um tiro de calibre 12 perto de uma parede é muito impressionante, tem os miolos espalhados. Mas teve cadáver de todo tipo: queimado, sem cabeça, enforcado, esfaqueado, homem, mulher, criança, chacinas... É muito louco o cenário de várias pessoas mortas num boteco, por exemplo. Você fica pirando naquele segundo antes de os matadores entrarem, a turma ali, batendo uma sinuca, sem imaginar o que está para acontecer. Que coisa... E trabalhei no NP numa época de várias tragédias: a queda do avião da TAM, os Mamonas Assassinas... Lembro uma dia na redação quando interfonaram da recepção avisando que tinha uma pessoa que queria conversar com a redação do NP. Ela tava com um saco preto na mão, com um braço dentro, e o cara dizia que era o braço do Dinho, vocalista do Mamonas. Aliás, tem uma capa da Veja em que o Dinho tá com o braço pra cima. É aquele braço. Lá no NP a gente sempre mandava subir as pessoas que chegavam com alguma história. Era doido.

Mais uma história do NP, por favor.
Peguei também a explosão do shopping de Osasco, foi um dos meus primeiros trabalhos. Meu chefe na época era o Daniel Castro, hoje colunista da Folha, era um excelente chefe. Fiquei contente porque fui um dos primeiros a chegar, as pessoas ainda estavam cheias de pó, peguei o número de policiais e vítimas e dei um retorno crente que ia abafar. Nessa época, a redação do NP já tinha um celular. Aí quando liguei pro Daniel falando os números ele teve um chilique. Normalmente ele tinha chiliques comigo. Eu entregava a matéria e ele segurava o teclado com as duas mãos e batia forte o teclado na mesa, dizendo que tava um lixo – cheguei a chorar no banheiro. Bom, quando eu liguei ele começou a ter um chilique desses, me xingar: “Olha, meu, você não trabalha na Folha. Eu não quero saber quantos bombeiros têm nessa porra ou quantas pessoas foram retiradas. Eu quero uma manchete pro NP! Você não entendeu ainda o que é trabalhar pro NP!”. Nessa hora caiu a ficha. Aí fui atrás até achar a tal manchete: a explosão foi na véspera dos Dia dos Namorados, e encontrei um cara que, momentos antes da explosão, saiu do epicentro. Ele esteve numa loja de bichos de pelúcia procurando um Mickey para a namorada. Só que na tal loja não tinha Mickey de pelúcia, só de plástico. Não deu outra: “Mickey de plástico salva garoto da morte” ou algo do gênero. No NP, além dessa coisa de desgraça, que era uma marca, tinha humor, o que falta na imprensa hoje.

Pois é, tá tudo muito careta, um saco. Vocês tinham 20 e poucos anos, as tragédias não te abalavam?
É estranho fazer essa análise hoje, que tenho 35 anos, pois olho pra trás e nem entendo como agüentava tudo aquilo. Mas o fato é que, realmente, não só eu, mas todos da editoria de Geral, não podiam se envolver com os casos, ficar abalados... Senão, não dava pra fechar o jornal na hora... Na verdade, lembro de um caso que ficou marcado, porque mostra como são as pessoas da periferia e tal. Uma menina tinha morrido com vários tiros nas costas, de calibre pesado. Fui então na casa da mãe, em busca de fotos da menina, um documento, o que fosse. Estava no portão da casa, indo embora, triste, afinal tinha acabado de falar com a mãe que perdeu a filha mais velha, e ela me chama: “Filho, filho! Me desculpa, não te ofereci um café”. Não acreditei. Expliquei de alguma forma para ela que não precisava se preocupar, que a filha dela tinha acabado de ser assassinada e ela não precisava se preocupar em servir um café para um repórter de um jornal sanguinolento que tava ali para reproduzir uma foto, sei lá, da filha dela sorrindo na última festa. Essa ficou marcada, foi muito triste... [nesse momento, um soluço passa pelo longo pescoço de Galina].

Realmente... mas conta como foi a transição do NP para as customizadas da Trip.
Foi via Fernando Costa Neto, um cara muito amigo da direção da Trip, importante na história da editora, envolvido nas primeiras Trips. Ele era editor-chefe do NP na época, e me apresentou para o Luna. Contei para o Luna essa história de tablóide de novela, isso era meio que um segredo da Folha [empresa que era dona do NP]. Fiz então uma matéria cheia de metáforas, uma pagininha na Trip, matando o NP. Sem saber que o NP ia acabar, dei o título “NP vira defunto”, e aí em seguida fechou o jornal.

Premonitório.
Pois é, mas eu não sabia mesmo que ia acabar. Daí, o Luna me chamou para fazer a Daslu 5, se não em engano... Era o começo das customizadas... Na seqüência, veio a Mitsubishi, a Gol... Então, saí da cobertura dos crimes da periferia e fui entrevistar a turma da Daslu. Depois do NP, qualquer coisa é fácil.

Do NP à Daslu, bem eclético...
Sim, e por isso acho muito interessante trabalhar na Trip, pois tenho chance de escrever e editar assuntos diferentes, não há rotina. Basta ver as últimas: para a última Daslu, fiz uma matéria de aluguel de carrões na Europa; para a Notícias da Gente [AmBev] fiz uma cruzadinha sobre campeonato brasileiro de futebol; dormi na rua dois dias para uma reportagem bem bacana para a Trip; acabo de entregar um texto sobre o metrô de Moscou para a Private Brokers; fechei esta semana uma bela edição de 130 páginas da IMOCX; e semana que vem vou para uma estação de esqui no Chile para uma matéria da Gol.

Foi em meio a um triplo homicídio do NP que você conheceu a Rê (a fotógrafa Regina de Grammont, mulher de Décio)?
A Regina Maria, um belo dia, apareceu no NP cobrindo férias da Kátia Lombardi. Sem se importar que ia cobrir crimes, treinos de futebol ou qualquer outra pauta que aparecesse, lá estava ela, de vestidinho e Melissinha... Se para homem já é uma rotina difícil, imagine para uma moça... Fiquei impressionado logo no primeiro dia... Depois de muito tempo, resolvi arriscar e convidei para um cinema, pra ver Os Matadores, de Beto Brant, no Cinesesc, lá na Augusta. Mesmo ela tendo aceitado ver o filme, jamais sonhei que conseguiria ficar com uma mulher dessas... Achava muita areia pro meu caminhãozinho.

E aí? Rolou no cinema?
Não. Ela não dava sinal de que estava pensando em algo mais. Mas daí, na hora de ir embora, acompanhei a Regina até o ponto de ônibus na avenida Paulista, mas fechou o farol do Conjunto Nacional. Então, fiquei olhando a faixa de segurança e resolvi fazer algo inédito na vida: agarrei a moça mesmo sem ela dar a menor pista que poderia curtir aquilo. Ficamos uns bons faróis ali... [Regina estava presente nessa hora e confirmou a história].

Meigo... Do amor para o esporte, como foi essa história do Décio atleta?
Fiz atletismo minha juventude inteira. Treinava todos os dias no Centro Olímpico, lá no fim da avenida Ibirapuera. Depois de passar por algumas modalidades, comecei no lançamento de dardo e me dei bem: fui bicampeão estadual... Lançava a uns 50 metros.

E você nunca pensou em voltar?
Penso, essa que é a loucura. Agora faço ioga já há uns dois anos, a ashtanga vinyasa, encaminhado pela Renatinha Leão, e tô gostando muito da brincadeira. A ashtanga te dá uma clareza mental excelente. Comecei a fazer pela questão física mas, com pouco tempo de ioga, você percebe que essa coisa de oxigenar o corpo faz muito bem pra cabeça. Você organiza melhor a vida.

E o que mudou na sua cabeça nesses dois anos?
Coincidência ou não, mudei de idéia e resolvi ter um filho.

E foi a ioga que fez isso acontecer?
A ioga participou desse momento. Nunca pensei em ter um filho, comecei a pensar aos 33 anos. A Regina estava até desistindo, ela já tem dois filhos, uma de 20 anos e um de 15. Mas daí começou a me encher um pouco o saco essa história de viajar. Viajei minha vida inteira, mas, quando passei dos 30 anos, viajar começou a não falar mais muito pra mim.

Explica isso melhor.
Teve um réveillon que viajei com meu pai pra Torres del Paine, no sul do Chile, um lugar lindo. Tenho uma relação muito boa com meu pai, mas é diferente quando você viaja junto mais adulto. Descobri mais quem é meu pai. E achei muito interessante o papo de pai pra filho. Pensei: “Se eu não tiver filho, não vou ter esse papo, não vou contar minha vida para alguém de forma assim, mais íntima”. Aí voltei da viagem com a cabeça diferente e, pouco depois, fui para o Japão, lugar que queria muito ir. Fui para apurar uma série de reportagens para a revista Mitsubishi. Voltei do Japão sem a menor vontade de ir pra lugar nenhum. Entrei numa crise que achava mais pertinente para uma pessoa de 80 anos. Estava totalmente brochado para qualquer coisa, não estava a fim de nada, de viajar mais para lugar nenhum. Aí, um belo dia, acordei e o pensamento de ter um filho já me deixou feliz de um jeito que havia tempos eu não ficava. Falei com a Regina, que adorou a idéia. Achei que fosse ser um processo demorado, mas, em um mês, ela estava grávida do Nicolas, que hoje está com 11 meses.

Falando em viagens, dá pra perceber que você tem uma fixação pela Rússia. Por quê?
Quando terminei o colegial, fui para o Peru, de trem, visitar Machu Picchu, e fiquei apaixonado por viagens de trem. Ao voltar para o Brasil, a primeira coisa que fiz foi pesquisar qual era a maior viagem de trem do mundo. Pronto: assim que surgiu a Transiberiana na minha vida. Decidi que queria de qualquer jeito percorrer os trilhos da Transiberiana de Moscou a Pequim. A primeira vez que fui para Rússia, porém, conheci só Moscou – na real, era uma escala de alguns dias antes de seguir viagem para Bangcoc, pela Aeroflot. Nessa primeira viagem, reparei que as russas são as mulheres mais lindas do planeta e que o povo é divertido, até parecido com o brasileiro em alguns aspectos. Bom, e aí veio a Transiberiana com o Henrique Skujis, jornalista que hoje está na Peixes. Isso, aí já num esquema melhor, em pareceria com uma empresa. Ninguém falava sobre Rússia, o jornalismo de viagem era pior, nos cadernos de turismo só dava Orlando, Las Vegas, Washington, essas tristezas americanas. Aí começamos a fazer muita matéria de Transiberiana, e o cara da agência teve um retorno excelente. Ele levou nosso portfólio para uma feira de turismo na Rússia, um empresário do Usbequistão viu e falou “o que eu faço pra ter esses moleques escrevendo sobre o meu país?”. Não deu outra, ficamos 15 dias lá com motorista, tradutor em espanhol e fizemos matérias sobre o Usbequistão e Cazaquistão, mar de Aral, aquela tragédia ecológica, onde tem navio encalhado na areia, camelo amassando conchinha. Numa terceira viagem, fomos pro Báltico: Lituânia, Letônia e Estônia. Riga, aliás, capital da Letônia, foi o lugar no mundo em que eu mais me senti caipira.

Como assim, caipira?
É como se te convidassem para uma festa de gala e você fosse de short. Cheguei lá e vi um quadro completamente diferente do que esperava. Você fala ex-república soviética e imagina tudo caindo aos pedaços, prédios em formato de caixa de sapato. Mas não tem nada disso, até pela proximidade com a Escandinávia, Riga é uma cidade supermoderna. Essas repúblicas bálticas são mesmo foda, acabamos de dar uma matéria na Send mostrando que a Estônia é o país mais wireless da Europa. Pois é, e ninguém sabe de nada disso. Aliás, não temos informação nenhuma de lugar nenhum. Adoro viajar também até porque pelos jornais sabemos só dos EUA, um pedaço da Europa, Argentina e olhe lá. Sim, isso é bastante culpa da nossa imprensa, que se baseia muito pelo que é importante para os Estados Unidos. Crescemos estudando que a Europa é o velho continente. E a China o que é? Na escola não estudamos direito China, Japão, Sudeste Asiático, Oriente Médio, nada. Então, a importância de viajar é esta, você vê a história e a cultura dos outros países com os seus próprios olhos, sem depender de uma mídia viciada e escravizada pelos Estados Unidos.

Dá pra fazer um jornalismo de qualidade nas revistas customizadas e viajando “a convite”?
O noticiário é muito manco, e existem diferentes formas de falar de um mesmo lugar. Muitos convites são para lugares interessantes, e isso ajuda a editora a publicar boas matérias a um custo baixo. A convite ou não, o que faz a diferença é como o jornalista se prepara para uma viagem. Em relação às customizadas, a Trip é o melhor exemplo de que dá pra fazer muita coisa boa. E elas têm uma verba que possibilita pintar e bordar dentro e fora do país. Na Mitsubishi, por exemplo, fizemos uma série que totalizou 40 páginas editoriais das quais só quatro eram um pedido, sobre a fábrica da marca. O resto foi tudo pauta independente, que inventamos na redação. Na IMOCX também acabamos de produzir uma viagem de moto pela Suíça com repórter, fotógrafo e personagem convidado em que decidimos tudo: desde a escolha do personagem até o roteiro. O cliente só entrou dizendo que moto queria ver nas fotos – e ainda descolou a moto.

E não há revista não customizada no Brasil hoje que possa bancar tudo isso...
Exatamente. Se bem que hoje a editora Trip envia equipes pelo Brasil e pelo mundo mesmo nas redações não customizadas. Você vê, por exemplo, na Tpm, a Ariane percorrendo o Norte e o Nordeste do Brasil e trazendo coisas muitos boas. Na Trip também, no começo do ano fui à Ilha de Marajó com o João Wainer conhecer uma luta.

E qual o diferencial das revistas customizadas da Trip?
Seja qual for o cliente, ela investe no ser humano. Humaniza as pautas. Assim também fica mais fácil entender minha história na editora: trabalhei seis anos na Mitsubishi e não sei dirigir; agora trabalho na IMOCX e não piloto motos. Não sou especializado em motor, mas, sim, em gente. São duas as palavras que norteiam as customizadas da Trip: gente e emoção.

E que tal a vida sem carro?
Não uso carro, mas não sou masoquista: moro na Pompéia, perto do emprego. Pego o ônibus numa hora em que já está vazio. Vou sentado tranqüilo, enquanto o pessoal se mata no trânsito. Quando estou no ponto e pára um carro no farol, olho aquela pessoa dentro de uma tonelada de ferro com um cano soltando fumaça preta... É patético. E é muito louco, porque a indústria automobilística bate recordes de vendas e todo mundo acha isso ótimo. São Paulo não vai melhorar enquanto o paulistano continuar sonhando com um carro. As pessoas reclamam do trânsito, mas são elas que o fazem. Semana passada, pela primeira vez, todas as dezenas de ambulâncias de resgate de São Paulo deixaram de atender a novos chamados porque TODAS estavam presas no trânsito. É o fim do mundo.

Voltando um pouco às viagens... Faça um top five das cidades do mundo (Décio já viajou para mais de 40 países).
Tem que pensar um pouco, desliga o gravador [depois, voltando]. Vamos lá: Tóquio (Japão), Moscou (Rússia), Jerusalém (Israel), Istambul (Turquia) e Varanasi (Índia).

Lugares no Brasil?
O Brasil é o país mais interessante do mundo, sem dúvida. Em primeiro, disparado, Amazônia, mais especificamente, Pico da Neblina. Depois, Fernando de Noronha, Brasília, Recife e Rio de Janeiro.

E os templos? Você que gosta, fale cinco também.
Angkor (Camboja), em primeiro lugar. Depois, Bagan (Mianmar), Machu Picchu (Peru), Abu Simbel (Egito) e Tikal (Guatemala).

Mudando de assunto... Por que você não gosta de guarda-chuva?
Guarda-chuva é um utensílio feminino. Homem que carrega guarda-chuva eu não ponho a mão no fogo. A pior coisa que tem é aquele cara que sai de guarda-chuva quando não tá chovendo, só porque choveu no dia anterior. É o símbolo do pé-frio, do pessimista. Qual foi a última chuva que você tomou?

Sei lá.

Pois é, você não lembra. Porque, quando você toma uma chuva, fica molhado e seca, não acontece nada com você. Seca e pronto. Se a chuva é muito forte e te encharca, não é o guarda-chuva que vai te proteger. Mas a mulher pode usar. Aliás, a mulher pode fazer o que ela quiser que está no direito.

E estar ficando careca é uma situação tranqüila para você?
Mas eu não estou ficando careca.

É a testa que tá crescendo?
Olha, o que caracteriza a pessoa ficar careca é a perda de cabelos, e quando eu acordo não tem fios no travesseiro.

Ah, tá, então eles caem todos na hora do banho?
Não, é só uma nova composição da minha testa. Não tenho problemas quanto a isso, ao contrário do André Viana e do Fabinho [Duda], que sempre conversam sobre isso e trocam informações sobre novidades de tratamento. E, para o André não me amolar depois, deixo aqui registrado que o considero o cara de maior bagagem cultural das 200 pessoas que trabalham na editora. Cinema, teatro, literatura, música, arte... É impressionante o que o moleque sabe. Sabe e não fala. Só quando precisa.

* Lino Bocchini fez de tudo como jornalista, menos trabalhar no NP, sua grande decepção. Conheceu Décio no prédio da Folha, quando foi editor de Geral da Folha da Tarde, três andares abaixo de onde Décio editava a Geral do NP. Assistiu emocionado ao primeiro banho de Níiolas, filhão de Galina e Regina, de quem é sócio – no bom sentido
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