por Pedro Carvalho
Trip #275

O ex-surfista profissional Marcos Sifú está mais feliz agora, com sua cervejaria, do que na época em que seu trabalho era pegar onda

 Marcos Sifú é bom em causar surpresas. Aos 21 anos, ele avisou os pais que estava largando a faculdade de marketing para virar surfista full time. Tinha conseguido um apoio da marca Lost (roupas e ajudas de custo nas viagens) e andava incomodado porque os estudos pareciam conduzi-lo aos escritórios do centro do Rio de Janeiro. Muita gente o desaconselhou. “Diziam que eu não tinha ‘nível CT’ [o circuito mundial], que não iria dar em nada”, lembra. “Mas eu queria saber que tinha tentado.”

O nome de Sifú marcou uma geração de fãs no início dos anos 2000. Não que ele tenha chegado ao CT, campeonatos nunca foram sua praia. Sua opção foi se destacar em vídeos e revistas do segmento – aquilo que se chama de carreira de free surfer. “Dediquei minha vida a fazer filmes, todo videomaker que me chamava para filmar eu ia”, conta. Assim, o carioca rodou o mundo e fez seu nome – literalmente. Antes, “Sifú” era só um apelido entre amigos. Ele, digamos, era sempre aquele que se dava mal nas viagens. “Eu tentava manobras novas e acabava me machucando. Ainda garoto, me contundi no mesmo dia em que o [surfista] Mark Foo morreu e alguém soltou: ‘Morreu o Mark Foo e aqui o Marcos Sifú’.” Em um dos primeiros filmes que apareceu, Lombrô 3, o videomaker Rafael Mellin legendou suas ondas com o apelido. “O filme fez sucesso e acabei quase obrigado a ser o Sifú”, conta.

Em 2006, ele surpreendeu outra vez. Naquela época, o filme de surf mais aguardado do ano era sempre aquele assinado pelo americano Taylor Steele. Ser incluído em uma sequência do diretor era tão disputado como um troféu do circuito mundial – e, às vezes, significava mais do que isso em termos de visibilidade. E quando Steele lançou Campaing 2, o mundo do surf viu, logo na primeira onda – antes de Kelly Slater, Andy Irons e Shane Dorian –, Marcos Sifú decolar em um aéreo tão extravagante que era preciso ver o replay para entendê-lo.

LEIA TAMBÉM: Em vez de ceder diante de uma doença incurável, Eduardo Hiroshi se jogou em algumas das ondas mais pesadas do Brasil. É lá, com sua câmera, que ele reencontra a força que seus músculos perderam

Foi o auge profissional do surfista. Dali para a frente, sua carreira deu uma esvanecida – eram tempos em que os DVDs já não vendiam e o YouTube ainda não tinha decolado. Ou seja, ninguém ganhava dinheiro fazendo vídeos de surf. Até que um dia a geração que tinha aprendido a gostar dos tubos e manobras de Sifú ligou a televisão e descobriu que ele havia virado paraquedista e base jumper.

Ventos da mudança

Sifú estava surfando nas Ilhas Fiji e perdeu o voo de volta. Com mais um dia por lá, foi tomar uma cerveja em um bar da praia. No meio do copo, um amigo que descia de paraquedas aterrissou bem na sua frente. Sifú perguntou como era o visual lá do alto e ouviu: “Está de tênis e tem um cartão de crédito? Vem comigo”. O surfista deixou o copo pela metade. Eram apenas três minutos de van até o campo de decolagem. Embarcaram, voaram e Sifú fez seu primeiro salto. Quando aterrissaram, a cerveja ainda estava na mesa – e ele voltou ao bar para terminá-la.

Pouco depois, Sifú machucou o ombro e passou três meses sem surfar. Resolveu reabilitar a forma no litoral mexicano. Em Puerto Escondido, teve o laptop roubado. Para refrescar a cabeça, foi tomar uma cerveja com um amigo – não era a primeira vez que uma cerveja mudaria seu destino, e não seria a última. “Está chegando uma turma do paraquedismo na cidade, você não quer fazer um curso?”, perguntou o amigo. O preço – US$ 1.200 – era o mesmo de um computador novo. Começaram uma discussão sobre dinheiro e riqueza. O amigo disparou: “Você decide comprar o laptop. Volta para o Brasil e liga. Ele está vazio. Só com aquele ‘Welcome’ da tela inicial. Você se sente pobre ou rico? Agora imagina voltar com um pendrive, ligá-lo a um computador qualquer e ver um monte de imagens iradas de saltos de paraquedas no México. Pobre ou rico?”.

“Não consegui dormir à noite”, lembra Sifú. “Só pensava: ‘Que merda eu fiz! Ok, vou fazer esses oito saltos – senão esse gringo vai me chamar de pussy o resto da vida – e depois nunca mais coloco um paraquedas’.” Dez dias depois, ele tinha feito 42 saltos. Quando voltou ao Brasil, negociou com o canal Off a série Aprendiz de base jumper, que rendeu 26 episódios e revelou aos fãs do surfista sua nova carreira.

Mas seu “salto mais sinistro”, como ele diz, ainda estava para acontecer. E o cenário não seria nada paradisíaco.

Borbulhas de amor

“Eu quase nem pego mais onda, tenho surfado três ou quatro vezes por mês”, conta, enquanto caminhava entre caixas semiabertas e funcionários que passavam atribulados pelos corredores. Sifú tinha acabado de mudar o QG da cervejaria Praya – um negócio que abriu com três amigos das antigas – para um casarão colonial, dentro de uma vila no bairro da Gávea.

Nos últimos meses, aquele papo de “meu escritório é na praia”, para ele, inverteu de mão: sua praia atualmente é o escritório. Ao explicar a atual rotina, Sifú comenta sobre a alocação do capital imobilizado, compara as margens das operações, mapeia o fornecimento dos insumos, detalha as estratégias de marketing, analisa as alternativas de distribuição, sempre com um entusiasmo bem visível.

Foi há pouco mais de dois anos que resolveu transformar um hobby em aposta profissional. Outra vez uma cerveja alterava os caminhos de Sifú. “Eu andava de saco cheio, não via perspectiva no surf ou no base jumping... Tinha aprendido a fazer cerveja na Califórnia e parecia um bom investimento. Você não sai com dinheiro para comprar uma bermuda ou uma camiseta, mas sempre tem para uma cerveja”, explica.

Ao fundar a Praya, sua ideia era produzir um tipo de cerveja de que ele gostava (a witbier) e de um jeito mais bacana que as concorrentes. “As marcas brasileiras têm uma pegada machista... Você não vê aquela que ‘me representa’”, pensa. No começo, fabricava 1.500 litros por mês; hoje, produz entre 45 e 50 mil litros mensais. “Estou organizando nossa chegada a Búzios, vamos entrar em 30 pontos de venda por lá”, ele conta.

No casarão da Gávea, trabalham 12 pessoas. A cerveja é produzida em três fábricas terceirizadas e distribuída em São Paulo e no Rio de Janeiro. Sifú faz um pouco de tudo: de entregar caixas a participar de degustações, de bolar ações de marketing a pintar as paredes do novo escritório. Mas sua responsabilidade principal é cuidar da bebida. Não é pouco, visto que se trata de uma marca artesanal e que quase todos os insumos são importados – o limão vem da Argentina, o coentro, do México, o malte, da Alemanha, o lúpulo, da Eslovênia, e por aí vai. “E se faltar a tampinha, não tem cerveja”, ele lembra. “Muita gente tentou fazer cerveja artesanal – inclusive uma galera do surf – e não se ligou que é um puta business complexo”, diz.

O ex-surfista afirma que ainda não obtém lucro do negócio. “Poderia tirar, mas estamos reinvestindo tudo para fazer a marca crescer. De que adianta ter pouco lucro? A sensação é de que estou regando uma árvore que ainda vai dar o fruto”, ele diz.

Vida de sonho

Passando cada vez mais tempo no escritório, será que Sifú morre de saudade da praia? Não exatamente. A tal “vida de sonhos” que tantos aspirantes a surfista vislumbram é cheia de nuances. “Sinceramente, meu retrato agora é de uma pessoa feliz com o que faz. Até mais do que quando era surfista”, confessa. “Várias vezes eu acordava de saco cheio para ir surfar, as ondas estavam pequenas, o mar estava uma merda, mas eu tinha que ir. Hoje, quando acordo para fazer uma coisa que estou construindo de verdade, que estou vendo ganhar corpo, fico amarradão”, diz.

Ao mesmo tempo em que considera a empresa seu salto mais radical, ele também vê a empreitada como sua maior chance de aterrissar em um lugar mais seguro. “Nada do que eu fiz na vida tinha garantia. Aqui, também não tenho. Mas acho que se não fizer algo sólido agora, talvez nunca faça”, diz o carioca de 38 anos.

Sifú parece enxergar seu passado “de sonhos” de maneira meio agridoce. “Às vezes penso em quanto tempo perdi pensando só em surf, surf...”, diz. “Você fica meio alienado. Não é que tenha sido perda de tempo. É que você é muito seduzido a ficar para sempre naquele mundo. E uma hora tem que ver que acabou.”

Vida de sonhos, para Sifú, parece ser não passar a vida a sonhar. “Eu olhava para a rotina de escritório com preconceito, tipo ‘isso aí não é para mim’. Mas, se você quebra essa barreira, percebe que o surf não é tudo na sua vida”, explica. “E, sinceramente, tem muita coisa que eu gosto de fazer mais do que surfar.”

fechar