O mar não está para peixe

por J.R.Duran
Trip #217

Duran: ”A visão de pescadores voltando com redes cheias ficará restrita às fotos de Verger”

A romântica visão de pescadores voltando com as redes cheias de peixes vai ficar restrita às fotos de Pierre Verger. A empresa que deseja elevar o consumo no Brasil fica no interior do Mato Grosso e cultiva 2,5 mil toneladas de tilápias por ano. Em tanques

O Brasil tem 7.637 quilômetros de costa. Uma quantidade enorme de mar e praias. Tem também um dos menores índices de consumo de peixe per capita. De acordo com as pesquisas, são, no fim das contas, 9,17 quilos por boquinha, metade da média mundial, que é de 17 quilos. Tenho certa desconfiança com pesquisas. Se três amigos tomam seis cafezinhos em um dia, isso não quer dizer que cada um deles – o tal per capita – fez descer duas doses de cafeína goela abaixo em 24 horas. Pode ser que um tenha tomado três, outro, duas e um deles, uma apenas. Mas isso não tem importância, o que quero dizer é que, em um país com dimensões costeiras como as do Brasil e, come-se pouco peixe. Per capita ou não.

Leio no jornal (1) que os produtores de pescado estão investindo e se preparando para tentar elevar o consumo de peixes no Brasil. Mas atenção: foram produtores de pescado que disseram, não pescadores. Existe uma pequena e sutil diferença entre as duas atividades. Na verdade, grande. Os pescadores entram no mar, os produtores ficam em terra firme.

A empresa que deseja elevar o consumo de peixes no país fica no interior do estado de Mato Grosso e produz, atualmente, 2,5 mil toneladas de tilápias por ano. Elas são cultivadas em tanques-rede.
A oportunidade faz o negócio, e a ideia é que se consiga chegar a 1,6 mil toneladas de peixe por mês. A tal multiplicação dos peixes, se me permitem a referência bíblica.

E por que não? Para que contar com o mar? Mau tempo, ondas e marolas? A romântica visão dos pescadores voltando com as redes cheias de peixe vai ficar restrita às fotos em preto e branco de Pierre Verger. Hoje o tempo escorrega nas redes em cores alteradas por aplicativos pixelados e não tem como olhar para trás. Produção industrial de alimentos é isso mesmo, seja com frangos ou vacas. Um negócio como outro qualquer em que a rentabilidade é o princípio que norteia os fins.

Sombra e água fresca

Por outro lado, a não ser que você more no Rio de Janeiro ou em outra cidade plantada na beira do mar, ir à praia deixou de ser divertido faz muito tempo. Um amigo meu determina as viagens que faz a lazer em função das horas que leva para chegar ao destino. Se forem duas horas, isso quer dizer que deve passar dois dias no lugar. O que é um voo intercontinental de 12 horas? Só vale a pena se for para passar um mínimo de 12 dias na Europa. E por aí vai.

Se você mora em São Paulo, essa teoria impede de imaginar uma descida para a praia em qualquer feriado. O tempo na estrada é o mesmo de uma viagem interplanetária. A quantidade de horas que se tem que passar em uma estrada para conseguir que uma onda do mar chegue a molhar os pés é desproporcional ao número de horas de diversão que esperam o viajante no fim do percurso. É por isso que foram inventados os parques aquáticos. Sombra e água fresca sem perrengue do trânsito.

Se bem que, pensando bem, tem parque aquático na beira do mar. Mas aí, meu caro, estamos falando de negócios outra vez. E, para ganhar dinheiro, a praticidade recomenda que o romantismo fique de lado. E que cada um tente aumentar seu consumo de peixe per capita colocando sua tilápia, criada em tanque-rede, sobre a mesa. Porque o mar não está para peixe.

(1) O Estado de S. Paulo, 17 de novembro de 2012.

*J. R. Duran, 59, é fotógrafo e escritor. www.twitter.com/jotaerreduran

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