Apontamos nossas câmeras e luzes para a qualidade nefasta daquilo que inalamos hoje em boa parte do Brasil (e do mundo) e o baixíssimo nível de consciência sobre o poder de extermínio desse ar
Se não estou mal informado, a sigla O2, a marca da empresa fundada pelo diretor de cinema Fernando Meirelles, não pretendia, 25 anos atrás, quando foi concebida, fazer nenhuma alusão ao ar que respiramos. Tratava-se, salvo engano, de algo sobre a reunião de dois olhares sob um mesmo teto. Provavelmente o do próprio Meirelles e o de seu inseparável sócio Paulo Morelli.
Mas é bem curioso notar que o homem que viveu a maior parte de sua vida profissional assinando suas obras com a representação mais conhecida dessa substância vital que compõe nossa atmosfera (a mesma que permite que eu escreva e que você leia este texto sem que nenhum dos dois se sinta como se estivesse sucumbindo debaixo da insuportável pressão de um mata leão aplicado por Rickson Gracie em seus melhores dias) tenha nos últimos tempos direcionado praticamente toda a sua energia produtiva para buscar as maneiras mais eficazes de chamar a atenção para a gravidade, o grau da letalidade e a urgência urgentíssima de mitigar as catástrofes ambientais que mostram suas garras a todo tempo.
Depois de ter dirigido obras do quilate de Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel, para citar apenas dois de seus filmes, e de ter participação decisiva na equipe que produziu uma das mais exatas e memoráveis expressões da alma nacional, a cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro, Fernando conseguiu ascender a um andar bastante privilegiado do edifício social. Com talento e coragem em medidas semelhantes, chegou àquele pavimento no qual convites, propostas, verbas inebriantes e adulações de todo tipo chegam em doses difíceis de administrar. E de recusar...
Aquilo que levou o cineasta mais premiado do país a empurrar tudo isso para o diretório “coadjuvantes” e a passar a pensar e a agir na direção de um ativismo sofisticado e inteligente sobre o que de fato está acontecendo com as condições de vida no planeta a curto, médio e longo prazos, tem relação direta com a motivação que nos levou a produzir esta edição da revista e todo o conteúdo em audiovisual, textos e imagens que trafegarão nas próximas semanas pelos sites, redes sociais e programas de rádio e TV que produzimos.
No nosso caso, porém, decidimos por um recorte ainda mais estreito: o ar.
A qualidade nefasta daquilo que inalamos hoje em boa parte do Brasil (e do mundo) e o baixíssimo nível de consciência sobre o poder de extermínio do composto absurdo de partículas e gases podres que a cada segundo deixamos penetrar nosso organismo é o assunto para o qual apontamos nossas câmeras e luzes. Uma tentativa modesta de seguir a inspiração gerada pelas decisões do nosso entrevistado das Páginas Negras (e um dos primeiros homenageados pelo Trip Transformadores, dez anos atrás) e de outras pessoas dotadas dessa especial capacidade de perceber e se mover efetivamente na direção daquilo que importa de verdade.