Meu lugar no mundo

por Autumn Sonnichsen
Trip #251

Com minha câmera fotográfica, mulheres desconhecidas se transformam em minhas mulheres. Minha casa vira qualquer apartamento alugado por alguns dias em qualquer canto do planeta

Sou uma mulher que viaja muito, mas que na real prefere não sair de casa. Ou talvez eu prefira não sair de casa justamente porque viajo tanto. Mas a coisa mais importante é que, depois de muitos anos, agora sei onde é a minha casa. Poderia dizer que a minha casa é o meu apartamento no centro de São Paulo. Gosto muito dele: da altura e das janelas grandes que me fazem flutuar por cima da cidade, da palmeira no pé da minha cama, da minha coleção de facas na parede da cozinha, dos meus potes de sal, das fotos espalhadas pela casa, do barulho da geladeira e do corpo quente que de vez em quando me acorda de madrugada, fazendo carinho. Essa é a cidade que eu escolhi, essas são as paredes que eu construí. Mas isso não é a minha casa.

Pensei nisso agora, no avião, voltando para o Brasil. O voo estava cheio de integrantes da seleção brasileira de luta de braço, estavam todos com a cara que você esperaria de sujeitos felizes que viajam em grupo para participar de lutas de braço em outros países. Pedi para tirar uma foto e eles se organizaram em poses de super-heróis, me contaram a história de suas conquistas, me olharam nos olhos, estavam orgulhosos. Olha que sorte! Tenho uma câmera e, com ela, posso pedir para um completo desconhecido no aeroporto de Santiago flexionar o braço.

Por causa da minha câmera, tem mulheres que me escrevem dizendo: “Autumn, tô me sentindo gostosa, vamos tirar umas fotos? Vou trazer umas amigas”. E a mulher que você mal conhece aparece na porta do seu prédio e, em menos de 5 minutos, ela se esfrega no tapete macio de pele de ovelha cinza que comprei justamente para ver mulheres desconhecidas nuas nele. A amiga dela, só de calcinha, passa batom no meu banheiro. A minha casa é a pele dela, a minha casa é o teu colo, a minha casa é uma montanha distante, a minha casa é a cidade aos nossos pés. A câmera faz essas mulheres virarem as minhas mulheres. Faz o mundo ser meu. Faz a minha casa ser qualquer apartamento alugado por alguns dias em cidades que eu nunca tinha visitado antes. Faz você ser meu, faz eu ser de você.

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