por Luiz Alberto Mendes

Freud afirmava que a infelicidade é muito mais fácil de experimentar que a felicidade. Para ele não havia nada mais difícil de suportar que uma sucessão de dias felizes. O sofrimento, e eu já provei isso existencialmente aos montões, pode ser suportado por longos períodos, até como condição de vida. A alegria e a felicidade, pela intensidade que esse "prazer imenso", como ele nominava, só pode ser uma experiência momentânea, transitória.

O medo é uma forma de infelicidade. Primeiro o medo foi imposto pela religião, depois pelo Estado. Como pecadores que somos, não há como escapar do diabo ou do inferno. Também ainda não havia leis que nos protegesse das arbitrariedades do Estado. Agora o medo esta mascarado de ansiedade, de cuidados excessivos ou até mesmo de individualismo. É íntimo e existencial. E quase todo nosso material cultural esta embasado no medo. Os filmes e seriados de terror, de vampiros, lobisomens, serial killers, terroristas ou simples assaltantes. Sequestros, invasão de casas, assaltos nos semáforos são formas de entretenimento comuns, até de games para adolescentes, e que têm enorme valor de mercado.

A insegurança, as incertezas, a falta de proteção, noticiários sensacionalistas, polícia violenta e despreparada, estão na raiz desse medo difuso e constante que nos pressiona e constrange. Além dos medos subjetivos; da morte, das doenças mortais, da invalidez, do desemprego, de perder a quem se ama, de ser abandonados ou da solidão. É insustentável viver assim; é dai que nascem as neuroses e psicopatias. Até pouco tempo atrás imaginava-se que todas essas incertezas e inseguranças fossem temporárias. Logo encontraríamos a cura, a solução,  ajustaríamos o sistema social, aprovaríamos o seguro desemprego, enfim e resolveríamos tudo isso. Já agora existe a certeza de que essa será nossa rotina de vida, a insegurança e a incerteza não nos abandonarão. E não estamos preparados para isso.

Parece que o medo e os tempos que vivemos hoje têm ligação perpétua: o medo faz parte do pacote existencial. A nossa total ignorância: não sabemos o que pode nos acontecer e a impossibilidade de combater e escapar do medo destrói nossa auto-confiança e nossa auto-estima. Tudo o que não somos capazes de enfrentar e vencer nos humilha, nos diminui a nossos próprios olhos.

Na verdade, estamos sem saída. Eu tenho mais medo de ter medo do que medo mesmo. Vivi extremos e sempre nas garras do medo desde que nasci. Aprendi, obrigatoriamente a lidar com esse inimigo. É só não possuir nada e não ter nada a perder, nem a vida. O budismo afirma que é o desejo que causa a dor. Escapei tantas vezes de morrer que percebo que a vida esta além do meu controle sobre ela. Lógico, fiz o que pude para sobreviver e por isso estou ainda vivo. Mas não sou eu quem decido realmente se vou viver ou morrer dai, o que posso fazer senão esperar? Escapei lá atrás, mas agora estou com hipertensão arterial e arritmia cardíaca e posso morrer de repente, até sem sentir que estou morrendo. Minha vida não foi tão boa assim para que eu me desespere em perdê-la. Desenvolvo até, talvez ainda como forma de auto-proteção, uma enorme curiosidade em saber como vai ser depois. As outras coisas não me farão grande mal em perdê-las. Provavelmente a dignidade, tão duramente conquistada, me fizesse sofrer demasiado se a perdesse. Mas já a incorporei; eu sou minha dignidade. Mesmo que morra, isso não pode me ser tirado.

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