por Carlos Messias

Ex-Screaming Trees volta a SP para show de novo disco e fala sobre parcerias, música eletrônica e blues como estado de espírito

Oito anos se passaram desde que Mark Lanegan – ex-vocalista do Screaming Trees e membro “honorário” do Queens of the Stone Age – lançou Bubblegum (2004), seu sexto álbum solo, que representou um divisor de águas em sua carreira. No disco, que tem sonoridade pesada e trata quase exclusivamente da luta contra o vício em drogas, o cantor se livrou de uma vez por todas do manto do grunge e passou a experimentar com elementos da música eletrônica. Aos 47 anos e após quase uma década dedicada a projetos paralelos, como a parceria com a ex-Belle & Sebastian Isobel Campbell, a banda Gutter Twins (ao lado de Greg Dulli, do Afghan Whigs e do Twillight Singers), dois discos com o duo eletrônico Soulsavers e inúmeras participações especiais, o músico volta a empregar seu vozeirão grave e rouco em um trabalho próprio. 

Lançado em fevereiro, Blues Funeral traz um Mark Lanegan renovado, com canções que vão desde as suas típicas baladas soturnas, como “Deep Black Vanishing Train”, até faixas dançantes e eletrônicas, como "Ode to Sad Disco”. Segundo ele, um elemento comum, que permearia todo o álbum, é o blues, não em sua forma tradicional, mas enquanto estado de espírito. O disco também traz menos colaborações do que Bubblegum. Desta vez, participam apenas Josh Homme, que toca guitarra em “Riot in My House”, e Greg Dulli, que faz um dueto na instrospectiva “St. Louis Elegy”. Boa parte da instrumentação ficou a cargo do produtor de Blues Funeral, Alain Johannes (ex-Eleven, QOTSA e Them Crooked Vultures), que recentemente pôde ser visto no Brasil ao lado de Chris Cornell no SWU.  

Após ter vindo a São Paulo em 2009 para um show em dupla com Greg Dulli, e em 2010 para um show acústico, Mark Lanegan volta à capital paulista para fazer o seu primeiro show acompanhado por uma banda completa. Na entrevista que você lê abaixo, o cantor se mostrou arisco de acordo com a sua fama. Homem de poucas palavras, não hesitou em levantar a voz quando as perguntas não lhe agradavam e terminou por desligar o telefone na cara do repórter. Nada mais condizente com a trajetória deste que é um dos últimos bad boys do rock alternativo norte-americano.

Animado em tocar no Brasil?
Mark Lanegan - Mal posso esperar. Gostei muito das outras duas vezes em que toquei aí e estou ansioso para voltar.

Como foi das outras vezes para você?
O público é muito receptivo e é sempre bom ir a algum lugar distante, onde nunca estive, e descobrir que as pessoas ficam entusiasmadas com o que eu faço.

Conseguiu aproveitar alguma coisa de São Paulo?
Tive um dia ou dois, em ambas as vezes, para dar uma olhada, mas claro que não foi nada perto do quanto eu gostaria de ter visto.

Este será o seu primeiro show no Brasil com banda completa. Como vai ser o setlist?
Trará principalmente canções de Blues Funeral, pelo menos 40%, mas espero revisitar todos os meus outros álbuns.

Pretende relembrar canções de outros projetos, como Screaming Trees ou Queens of the Stone Age?
Ainda não decidi, vamos ver como rola.

Este é o seu primeiro álbum solo nos últimos oito anos. Além do fato que você está sempre envolvido em outros projetos, existe algum motivo para você ter demorado tanto tempo?
Não, é basicamente isso. Estive sempre envolvido em outros projetos, participando de vários discos e saindo em várias turnês, então esse é o único motivo.

Dentre tantos projetos e colaborações, você tem um favorito? Algum te influenciou mais em Blues Funeral?
Não tenho um favorito, espero ter contribuído o máximo com cada um deles e que todos tenham me afetado da mesma forma. Pego o que acontece em um projeto e sucessivamente levo para o próximo projeto, é uma cadeia evolutiva.

A canção “Ode Sad to Disco” é basicamente um electrohouse. De onde surgiu a ideia de gravar algo assim?
É isso que ela é [risos]? Tem uma série de filmes dinamarqueses chamada The Pusher Trilogy da qual eu sou um grande fã e o segundo longa tem uma trilha incrível. Nela, há uma música chamada “Sad Disco” [de Keli Hlodversson], que é uma peça instrumental, e o que eu fiz foi basicamente escrever uma canção sobre as bases.

Você parece ser bastante ligado a cinema. Muitos críticos dizem que a canção “Gray Goes Black” é inspirada em Ennio Morricone, mas poderia muito bem estar na trilha de algum filme do Quentin Tarantino.
Não que eu saiba. Pode até ser que se encaixe em um ou outro filme, de qualquer gênero, mas não foi nada intencional.

É verdade que, para compor este álbum, você usou teclados pela primeira vez?
Sim. Além do violão, que eu uso sempre, compus em cima de teclados e sintetizadores.

A música eletrônica é uma descoberta recente para você?
Não, é algo que eu escuto há mais de 20 anos, mas só na última década comecei a trabalhar com ela.

Já escutou o remix que o DJ brasileiro Gui Boratto fez de “Black River”, canção que você gravou com (o produtor britânico) Bomb the Bass?
Sim, sim, sim. Gostei muito, sou fã dele.

Você costuma sair para dançar?
Não [risos], estou muito velho para isso. Minha relação com a música eletrônica está confinada ao meu carro e à minha casa.

Como foi fazer um disco inteiro com o Alain?
Eu adorei. Trabalhamos juntos há cerca de dez anos. Tocamos no Queens [of the Stone Age] e gravei metade do meu disco anterior [Bubblegum] com ele. Desde então eu sabia que gravaria o álbum seguinte com ele.

Ainda que ele tenha feito uma participação menor em Bubblegum, este é o primeiro disco solo que você grava sem o Mike Johnson. Por quê?
Não há um motivo em particular. Ele foi um parceiro muito constante, especialmente nos primeiros discos, mas desde o segundo [Whiskey for the Holy Ghost] eu assumi as composições.  Depois ele se mudou para a França e acabamos deixando de trabalhar juntos, mas ainda nos falamos.

 

"O blues é mais um estado de espírito do que um gênero"

 

Os títulos dos seus álbuns são muito irônicos. O anterior é quase uma ópera-rock sobre a luta contra o vício e se chama Bubblegum. Este é mais leve e até dançante e se chama Blues Funeral. Isso é proposital?
Eu faço o que me parece natural e não tento representar um grande significado com essas coisas. Nunca pensei em Bubblegum como um disco temático. Apenas sigo os meus instintos e sigo por onde eles me levam.

Blues Funeral, então, não é uma referência ao Black Sabbath (que lançou o disco Electric Funeral).
[Risos] Não! Eu ainda não tinha feito essa associação, mas agora me soa um tanto óbvia [risos].

Apesar de um feeling do blues, que você vem demonstrando desde o início da sua carreira, este não é um disco de blues. O quão flexível você acha que o gênero é?
O blues é mais um estado de espírito do que um gênero. Nunca pensei em fazer um disco de blues no sentido clássico.

Você não acha curioso que, quanto mais velho você fica, mais moderna a sua música soa?
Não penso muito em como um disco vai se posicionar no conjunto da minha obra. Faço apenas o que sinto vontade em cada momento. Se me colocassem uma arma na cabeça para gravar um álbum, eu faria algo que me desse vontade de ouvir, e foi exatamente isso que eu fiz.

O Queens está em estúdio gravando um novo disco. Você vai participar?
Não. Pelo menos não que eu saiba, ainda não foi feito nenhum convite.

Você sente falta de tocar com eles?
Realmente curti o meu tempo com a banda, ainda estamos sempre em contato e de vez em quando eu participo de algum show especial.

Você já gravou Bob Dylan, Nick Drake, Tim Buckley, Johnny Cash, Roky Erickson, The Kinks, Gene Clark, Pink Floyd, Buck Owens, Willie Nelson… Você se sente de alguma forma em débito com esses artistas?
Sou fã de todos eles, me sinto no direito de revisitar as suas canções.

Por que a coletânea Last Words – The Final Recordings of the Screaming Trees (lançada no ano passado) demorou 12 anos para ser lançada?
Porque nunca foi pensado como um disco. É uma coleção de canções que fomos gravando nos últimos dois anos da banda, em pelo menos três sessões diferentes.

Mas soa como um álbum, uma continuação perfeita de Dust (de 1996, o último disco oficial da banda).
Isso cabe a outra pessoa julgar, acho que é um disco OK.

É verdade que você não gosta dos discos do Screaming Trees lançados antes de Sweet Oblivion (1992)?
Este foi o primeiro disco do Trees que me agradou enquanto ouvinte.

Mesmo com o Trees, você já se distanciava do que vinha sendo feito na era grunge. Era algo que te incomodava?
Não posso controlar o que as pessoas associam à minha música. Apenas gravo as canções, lanço o disco e o que acontece depois não é problema meu.

Com todas essas bandas dos anos 90 voltando, como Soundgarden, Alice in Chains e Stone Temple Pilots, você já se sentiu tentado a voltar com o Screaming Trees?
Não, nunca.

Nem se te oferecessem U$ 1 milhão para fazer um show?
Isso não vai acontecer, então não preciso me preocupar.

Você mantém contato com eles?
Sim, ocasionalmente mandamos mensagens de texto uns para os outros, mensagens de Feliz Natal etc.

Voltando àquela época, a versão oficial é que você está longe das drogas.
Sim, estou limpo há muitos anos.

Você é um sobrevivente da sua geração. As mortes de Kurt Cobain e Layne Stanley te afetaram a ponto de querer parar com as drogas?
Esta é uma pergunta zoada [usou a expressão “fucked-up”]. Obviamente eles eram meus amigos e é claro que eu fui afetado pela morte deles. Não tenho que responder isso. Se cuida, tchau [e desligou o telefone].

Vai lá: Mark Lanegan Band
Quando: dia 14 de abril (sábado), às 23h
Onde: Cine Joia - Ppça Carlos Gomes, 82, Liberdade - São Paulo/SP - Tel: (11) 3231-3705
Quanto: R$ 140 (estudante paga meia-entrada)
Classificação de idade: 18 anos
Ingressos: www.cinejoia.tv/ingressos 
Site: www.marklanegan.com

Mark Lanegan em seis momentos de sua diversa carreira:

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