Recado aos perseguidores

por Nathalia Zaccaro

Antes do clima de censura na arte explodir com a performance do MAM, Maikon K já era perseguido. Foi detido, acusado de atentado ao pudor e, desde então, lida com uma avalanche de ameças de morte

Uma mensagem nova na caixa de entrada. Deve ser outra ameaça de morte. Maikon K precisou se acostumar a lidar com perseguidores, gente que quer vê-lo morto, preso, mudo. Em julho, o artista apresentava na praça do Museu Nacional da República, em Brasília, seu trabalho DNA de Dan, quando policiais o levaram de camburão para a delegacia.

DNA de Dan é uma performance que roda o país desde 2013 e em que Maikon fica nu dentro de uma bolha de plástico e tem aplicado em seu corpo uma substância que age como uma segunda pele, que se rompe lentamente. Pela primeira vez em 4 anos,  no último 15 de julho, ele foi detido por atentado ao pudor ainda no início da apresentação.

Na internet, a agressão tinha só começado. “As pessoas estão se sentindo autorizadas a me ameaçar de morte nas redes sociais, o ódio delas está sendo estimulado.” Ele tentou não se afetar pela onda de agressões e resistiu: 49 dias depois apresentou a performance na íntegra, novamente em Brasília.

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Desde o episódio, Maikon entrou na mira de centenas de perfis virtuais obstinados a reprimi-lo. Pedófilo, arrombado, esquerdopata – são alguns do xingamentos que recebe. Em outubro, ele voltou à rua, munido de todo tipo de autorização necessária (“até um habeas corpus preventivo eu levei”) para defender DNA de Dan, dessa vez nos arredores do Lago Igapó, em Londrina, no Paraná.

O enredo se repetiu: a polícia chegou, ameaçando levá-lo. “Eu olhei em volta e perguntei para a plateia se eles iam deixar que aquilo acontecesse de novo”, diz. Eles não deixaram. O público fez um cordão de isolamento que protegeu Maikon da abordagem policial. A tensão foi dissolvida e a apresentação seguiu sem censura.

“Foi tudo muito rápido. Ano passado eu apresentava o DNA de Dan e nada disso passava pela minha cabeça. Ninguém me chamava de pedófilo, ninguém queria me matar. Esse tipo de reação me preocupa, não só pelas agressões na internet, mas também porque começa a existir uma tensão em relação a incentivo financeiro, uma sensação de que nós, artistas, estamos sendo usados de boi de piranha por alguma força política. Estamos lá, expostos. Somos alvo fácil”, diz.

Agora, quase um mês depois do incidente em Londrina, Maikon tem uma resposta a quem o perseguiu. É ela que publicamos a seguir, acompanhada de um ensaio fotográfico do artista em seu ateliê, na região metropolitana de Curitiba, de onde segue trabalhando sem medos ou concessões.  

Recado aos perseguidores

por Maikon K

O vagabundo eu sou. O viado, o arrombado, o pervertido. 

O esquerdopata, o comunista, o narcisista, o sem talento. 

O aliciador, o corruptor. Eu sou o bode expiatório do seu circo.

E aqui eu cito as vossas palavras, que me chegam como ameaças de Facebook. 

Seus perfis falsos têm a imagem do filho de deus, da bandeira nacional e do político que vai salvar o país em 2018.

Eu sou pseudo artista. Eu sou boiola. Eu sou bandido. 

Eu sou o câncer na tua língua. Eu sou um vírus.

Eu sou o erro do sistema. Eu sou o lixo.

Mas nunca serei sua vítima.

 

Eu me deformo.

Pra lhes mostrar que estou vivo.

Me ofereço, mas não crucificado. Meus dentes, arreganhados, mordem a maçã.

A multidão me penetra, todos têm seu pedaço, mas estou intacto.

Xamã-travesti-terrorista

ídolo autoimolado

Há prazer no meu rosto e em cada célula, um transe.

Não condeno meu corpo: é dele a vitória final.

 

Corpo que é meu altar: exorcista de velhas imagens.

E pra vocês eu deixo polido: o pau de arara da sua moral.

Recriem infinitamente o rito que mais adoram: pregos entrando na carne.

(é esse o seu triste tesão, sempre há sangue nas suas orações) 

Meu gozo? Aqui está. E não é santo.

 

Tirem as crianças da sala. Furem seus olhos se for preciso.

Mas que elas não vejam.

O que vocês estão fazendo.   

Vocês nunca irão vencer. Porque elegeram o inimigo errado: seu próprio corpo.

E como não têm coragem de matar a si mesmos, querem matar o outro.

Eu me transformo. Porque nunca serei o que vocês querem.

Eu sou o coração selvagem que não se ajoelha no escuro. 

Vocês falam em nome da moral?

Eu falo em nome de tudo aquilo que não pode ser dito num tribunal, numa igreja, em praça pública. A minha moral é essa.

 

Essa é minha arte. Esse é o meu playground.

Eu brinco com deus e o diabo, em mim eles são um só. 

Em mim eles não lutam: copulam.

Estou em paz. 

Vocês me querem morto, mas falam de dentro de seus caixões.

Eu não irei com vocês.

Eu não tenho o que confessar.

Eu sou minha própria criança.

Terrível e livre. 

Este é o poder que eu venero. 

Seus punhos cerrados não vão me acertar.

Créditos

Imagem principal: Vinicius Ferreira

Fotos: Vinicius Ferreira

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