Quem disse que pole dance é coisa de mulher?

por Giulia Garcia

Homens sobem na barra vertical e mostram que a prática não tem nada a ver com gênero ou sexualidade

Embaixo de uma lona, na China, altos mastros de ferro servem de apoio para acrobacias circenses. Na Índia, em postes de madeira, homens praticam Mallakhamb, uma ginástica aérea datada do século 12. Seja a chinesa seja a indiana, as duas atividades seculares eram dominadas pelos homens. Na década de 80, no entanto, seria a vez das mulheres iniciarem uma nova prática, também centrada em uma barra vertical: o pole dance, modalidade surgida nos clubes de striptease. Mas esta, porém, fruto do preconceito, entrou para a marginalidade, sendo tabu ainda hoje em diversos países. “Na primeira vez que entrei em um estúdio de pole dance, pensei até em um cabaré, mas não em um lugar que dava aulas”, lembra Guilherme Ambrósio, praticante desde 2014. 

A saber das origens asiáticas de modalidades similares ao pole dance, é um claro engano associar a prática atual apenas à dança esportiva criada nos strip clubs. As diferentes vertentes surgidas em três décadas de pole dance, do sensual ao fitness, buscam referência em variados esportes e trabalham movimentos presentes em exercícios como a calistenia. E a associação ao feminino é igualmente incoerente. “Nos países pós-soviéticos, a maioria das pessoas sabe que é uma atividade tanto masculina quanto feminina, que pode ser usada para striptease como um esporte”, explica o atleta russo Dimitry Politov.

No Brasil, porém, a prática ainda costuma ser associada às mulheres e frequentemente taxada como vulgar. Essa condição vem sendo transformada pela atuação de estúdios especializados em aulas de pole dance, muitos deles voltados também para competições e festivais. A aceitação como esporte e a realização de eventos competitivos — divididos geralmente em modalidades esportivas, artísticas e sensuais (como o exótic) — têm ajudado a tirar da atividade o rótulo de marginal e, aos poucos, conquistado homens e mulheres, sedentários e atletas.

No entanto, entre os praticantes que visam competir, os homens ainda são uma parcela bem pequena. Com sua primeira edição realizada em 2010, o campeonato brasileiro Arnold Pole Championship, organizado pela Federação Brasileira de Pole Dance (FB Pole), foi um dos pioneiros nesse campo e, na edição de 2018, realizada entre os dias 20 e 22 de abril, eles eram apenas 5 das 50 pessoas inscritas na competição. A realidade não foi muito diferente no Campeonato Brasileiro de Pole Sport da Federação Catarinense, em que foram inscritos apenas 8 homens, para 67 mulheres.

Nos dois torneios, os homens estavam focados na modalidade esportiva — é através dela que a maioria chega ao pole dance. Foi assim com Rafael Melo, professor do Studio Metrópole. Praticante de calistenia, ele queria treinar exercícios de força na barra vertical, mas recebeu negativas de diversos estúdios que não aceitavam homens entre seus alunos. Essa situação se repetiu por quatro anos, até 2014, quando ele finalmente se iniciou na prática. E o sucesso da tentativa só se deu mediante outro estereótipo. “Me aceitaram porque acharam que eu era gay, mas não sou”, conta.

O caso de Rafael não é único. Apesar de ter entrado no pole dance por influência da ex-namorada, o ilustrador Issao Bazolli também era visto e tratado como gay pela maioria das colegas de aula.

Hoje, diversos estúdios têm aulas mistas e parte de suas equipes de professores formada por homens. Mas ainda está longe de ser uma situação de plena normalidade. “Nem todas as meninas se sentem confortáveis com um homem na sala”, explica Rafael Melo. Pensamento que Issao completa: “Eu mesmo fiquei meio apreensivo no começo. Elas ficam inseguras, porque estão com pouca roupa e tem um cara ali.”

Você é gay, né?

“Até hoje, a sociedade acha que, se um cara faz dança, ele é gay”, reflete Rafael Melo. Se para as mulheres praticantes, grande parte do desconforto diminui quando elas enxergam o colega como homossexual, para eles, a sexualidade é usada como agressão. “Quando são mulheres praticando, associam pole à vulgaridade; quando são homens, à sexualidade. São xingamentos de ‘viadinho’ pra baixo”, relata Julio Peixoto, vencedor do primeiro campeonato masculino de pole dance no país. 

Professor no Studio Metrópole, Julio começou a praticar pole dance em 2010 e, no mesmo ano, tornou-se campeão. “Tinham poucos homens na cena, então dei várias entrevistas e sempre lia comentários horríveis dos leitores e espectadores. Sou gay, mas até você ter maturidade pra lidar, é difícil”, conta.

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Por vezes, a resistência e os conceitos preestabelecidos em relação ao pole dance vão além de um comentário dispensável. “Começou a afetar meu trabalho. Dou aulas de ilustração e muitos alunos homens pararam de me seguir ou começaram a reclamar pelas fotos no pole dance”, conta Issao.

Para Guilherme Ambrósio, o caminho para ter sua arte reconhecida foram os campeonatos. “Eu era evangélico e as pessoas da igreja sempre me criticaram, falando que não era coisa de Deus, que eu deveria arrumar outra profissão”, conta. Com Rafael Melo, o caminho foi idêntico e, por meio das competições, conseguiu conquistar a admiração dos colegas de calistenia.

O negócio é ficar monstro?

A vertente esportiva tem mais aceitação por se aproximarem de outras atividades calistênicas, que, de alguma forma, conseguem se aproximar dos estereótipos de masculinidade. A mesma legitimidade está distante do pole dance voltado para a sensualidade, que segue marginalizado —  principalmente quando associado à pratica masculina. Mas ainda assim os homens têm se aproximado da exótic, uma das modalidades voltadas para o sensual.  “Hoje você vê homens em todos os estilos, do mais esportivo e calistênico, ao mais sensual, com um salto de 20 cm”, conta Guilherme, que aderiu à modalidade artística.

O paulistano coleciona prêmios nas duas modalidades. Em 2014, quando entrou como professor substituto na Vertical Fit, para ministrar aulas de flexibilidade e circo, ele descobriu a atividade e logo calçaria um salto-alto para começar a prática do exótic.

Rafael Melo também encarou o novo caminho e foi além da calistenia, ganhando uma competição realizada dentro da Erotika Fair, em 2016. “Acabei buscando algo meio magic mike. Mas tem caras que fazem no salto, que fazem movimentações ditas femininas e são incríveis. Não sei até que ponto dividir isso em gênero faz sentido”, diz.

Ele leva esse pensamento para suas aulas, que são todas mistas, independentemente da vertente. "Tem minas que destroem qualquer cara na aula de calistenia e tem caras que mandam muito bem no coreográfico", conta. Júlio segue o mesmo princípio: "Tento uniformizar a aula. Os homens são mais fortes naturalmente, mas pole dance não é só força." 

Os saltos e as coreografias trazem um julgamento novo para os homens, bem conhecido pelas mulheres. “Já me perguntaram mais de uma vez se eu era garoto de programa”, conta Guilherme, ao que Issao e Rafael fazem coro ao afirmarem que já foram questionados sobre striptease. A marginalização não se restringe aos leigos, sendo vertentes desvalorizadas inclusive dentro comunidade praticante do pole dance. “Pessoas que dizem que é só esporte ou só striptease estão erradas. Pole dance é diverso e livre”, diz Dimitry Politov.

Um mundo de pole dance(s)

Foi nos postes de rua que o russo começou a se pendurar em 2012. Hoje, é um dos expoentes mundiais. “Eu acho que existem mais homens praticando pela promoção de novos estilos, que incorporam a calistenia, o break dance, o parkour…”, diz. 

Enquanto isso, na Espanha, Saulo Sarmiento levou o pole dance de volta para o circo. Praticante desde 2011, ganhou uma competição francesa em 2012 e acabou no Cirque du Soleil com seu número de pole pêndulo —  também conhecido como flying pole. A vertente traz um cano emborrachado e suspenso. Para Saulo, a enorme quantidade de vertentes é que dá graça à atividade. “Se não tivéssemos diversidade, se tornaria entediante. Vejo o pole dance como uma grande comunidade mundial, com todos os tipos de pessoas compartilhando uma mesma paixão. Não importa de onde você é, sua cor de pele ou gênero, quando praticamos pole dance, nós compartilhamos.”

Com centenas de adeptos, no Brasil e no exterior, os caras vão muito além de uma busca por músculos e definição em um novo tipo de ginástica. Eles estão subindo nas barras verticais para mostrar que pole dance não tem nada a ver com gênero e que terão homens, seja no pole sport, na calistenia, no pêndulo, seja na categoria sensual ou subindo no salto-alto.

Créditos

Imagem principal: Daniel Feijó / Divulgação

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