Mostra no Sesc 24 de Maio conta a história dos ritmos jamaicanos, dos estilos ancestrais ao reggae e sua enorme influência na música mundial
A história de como a Jamaica criou e espalhou sua música pelo mundo passa por escravidão, independência, freiras, festas de rua, espiritualidade, Bob Marley e outros muitos contextos que só poderiam existir nessa ilha do Caribe. É essa trajetória que é revista no Sesc 24 de maio, na exposição Jamaica, Jamaica!, que apresenta um panorama da cena musical do país, que foi berço de uma das principais correntes musicais da segunda metade do século 20.
A mostra vem da França, onde foi concebida pela Cité de la musique – Philharmonie de Paris, teve curadoria do diretor cinematográfico Sébastien Carayol e inclui fotografias incríveis, capas de álbuns, instrumentos originais, como a guitarra em formato de um fuzil de Peter Tosh, materiais gráficos, documentos, sound systems e, claro, música. A montagem brasileira tem conteúdo exclusivo explorando os desdobramentos da cultura jamaicana por aqui - especialmente no Maranhão, na Bahia e em São Paulo.
No fim dos anos 50, na Jamaica, país que ainda era uma colônia, era comum que jovens se reunissem na rua para compartilhar os poucos aparelhos de rádio que existiam na ilha. Essa movimentação foi ganhando corpo e deu origem a centenas de pequenas discotecas de rua que se espalharam pela capital, Kingston. Os sistema de som portáteis, chamados sound systems, ditavam o ritmo da vida social na cidade.
Em 1962, veio a independência do país e o otimismo tomou conta da ilha. A cena de rua esquentou e surgiu o primeiro fenômeno musical jamaicano a ganhar o mundo: o ska. Mistura de ritmos locais tradicionais, como o mento e o calypso, com o jazz e rhythm and blues, o estilo foi encabeçado pelo The Skatalites, um grupo de garotos saídos do internato católico chamado Alpha Boys School. “É um lindo mistério como tantos talentos se encontraram nessa escola. Outra instituição crucial foi a rádio Jamaica Broadcasting Corporation (JBC). Seus programas ajudaram a descobrir vocalistas incríveis como Bob Marley e Alton Ellis. Na exposição, teremos o aplicativo de uma web rádio para relembrar a importância da JBC”, conta Sébastien.
LEIA TAMBÉM: Lei Di Dai usa o dancehall para levar entretenimento, autoestima e fazer circular renda nas periferias de São Paulo
A montagem passa também pela importância de Lee Perry e suas técnicas de produção de dub, pelo filme The Harder They Come (1971), protagonizado por Jimmy Cliff e responsável pela chegada do reggae à Europa, e pela figura de Haile Selassie, imperador da Etiópia adorado pelo Rastafári, movimento espiritual jamaicano que transformou o reggae em uma voz militante, rebelde e mística. "Quando Selassie visitou a Jamaica, em 1966, ele se surpreendeu com as centenas de milhares de pessoas que o consideravam um redentor negro. As fotos desse dia histórico são incríveis e estarão na mostra”, explica Sébastien.
A riqueza dessa história não se limita a figura de Bob Marley, mas, com certeza, tem nele seu principal ícone. O início de sua carreira foi ao lado de Peter Tosh e Bunny Livingston, parceiros no The Wailers. O grupo fez sucesso com músicas engajadas que retratavam a rotina violenta de Trenchtown, bairro em que cresceram. Em 1974, a banda acabou. Tosh seguiu carreira solo influenciado pela rebeldia dos Panteras Negras norte-americanos, enquanto Marley alcançou a fama mundial com músicas como I shot the sherriff e No, woman no cry. Depois de 200 milhões de discos vendidos, ele morreu de câncer em 1981. Nessa época, outra vertente da música jamaicana ganhou força na ilha. Distante da espiritualidade rastafári, surgiu ali o dancehall, um ritmo para dançar na rua, no baile, no gueto.
Ska, dub, reggae, dancehall, rastafári e quase tudo que envolve a música jamaicana tiveram enorme poder de influência em diversas cenas da música brasileira. O MC e ativista cultural Rodrigo Brandão integrou a equipe de pesquisadores do Sesc que reconstruiu parte dessa história. “No anos 50, no Maranhão, já existia uma espécie de sound system, a radiola. Vinte anos depois, quando o reggae chega ao Brasil, as radiolas passam a tocar música jamaicana na rua e o estado é dominado pelo estilo. A própria Secretaria de Turismo considera o Maranhão a 'Jamaica Brasileira'”, explica Rodrigo.
Na Bahia, a explosão do reggae coincidiu com o início da cultura dos blocos afro. “Rolou uma antropofagia cultural e ali nasceu o samba-reggae, que depois foi se diluindo e ficou conhecido como axé music nos trabalhos do Olodum e da Daniela Mercury, por exemplo”, conta. Ainda na Bahia, a espiritualidade jamaicana encontrou espaço no recôncavo baiano, onde o rastafarianismo se espalhou.
“Em São Paulo, nos anos 2000, a cultura de DJ já era forte na cidade e começaram a rolar os primeiros sound systems na periferia. Festas de reggae na rua, de graça. Muita gente diz que o espaço que antes estava na mão do funk, e ainda antes na mão do rap, hoje é ocupado pelo reggae, pelo dancehall”, conta Brandão. Os cartazes das festas maranhenses, fotos da temporada baiana de Jimmy Cliff e os sound systems da periferia paulistana são alguns dos objetos brasileiros que estarão ocupando os 1300 metros quadrados da exposição, que vai contar também com programação paralela de shows, festas e conversas com gente da cena nacional e gringa para celebrar a rebel music. Com o mesmo objetivo, preparamos uma playlist com os clássicos da música jamaicana. Let's skank.
Vai lá: Jamaica, Jamaica. Em cartaz até 26 de agosto de 2018. Terça a sábado, das 9h às 21h; domingos e feriados, das 9h às 18h. Sesc 24 de Maio. R. 24 de Maio, 109, República. 12 anos. Grátis