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Igual só que não

por Lia Hama

Filho de Mano Brown, Jorge Dias trilha caminho próprio como ator, produtor e dono de marca de roupas

Os traços de Jorge Dias não deixam dúvida: ele é o retrato do pai, Mano Brown. Apesar da associação imediata com o maior ícone do rap no Brasil, o jovem de 20 anos trilha caminho próprio. Há dois anos estreou no cinema como protagonista do filme Na quebrada, de Fernando Grostein Andrade, no qual faz o papel do filho de um presidiário. Ano passado participou do clipe da música “Boa esperança”, do rapper Emicida, e agora está prestes a gravar a nova série brasileira de um serviço de streaming. “Não posso dar detalhes, mas eu e a minha irmã, Domênica, fomos aprovados para o elenco”, conta.

Enquanto as gravações não começam, Jorge se divide entre as aulas de atuação, o trabalho de produtor do Racionais MC's e o de sócio da marca de roupas Müe. Trip conversou com ele na sede da produtora Boogie Naipe, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, onde ele falou sobre rap, cinema, desigualdade social, racismo e violência na periferia.

Você é a cara do seu pai. Existe um peso por ser filho do Mano Brown? Todo mundo sabe da importância do Mano Brown na periferia e no cenário do rap brasileiro. Mas não é um peso, acho normal. Fui educado por ele, tenho a disciplina que ele me passou: ter respeito para ser respeitado, defender os mais fracos, a nossa raça e as nossas origens. Tem gente que acha que é minha obrigação fazer o que ele faz, mas sou livre pra fazer o que eu quiser.

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Como é seu trabalho de produtor do Racionais? Faço a produção artística dos shows, cuido da logística de hotel e aeroporto nas viagens, vejo o camarim, a estética do palco e o conforto do grupo. No começo foi difícil assimilar o gosto de cada um porque os quatro são muito diferentes entre si. Se eu fizer uma coisa pro Mano Brown, não vai ser a mesma coisa pro Ice Blue; se fizer pro Edi Rock não vai ser igual pro KL Jay.

O clipe do Emicida, no qual você participa como ator, mostra uma revolta de empregados domésticos, em sua maioria negros, numa mansão de brancos. Como você vê o racismo no Brasil? O Brasil é um dos países mais racistas do mundo e de maior desigualdade social. As pessoas de menor poder econômico têm menos acesso à educação, quem tem mais dinheiro e educação acha que é superior. As empregadas sofrem diariamente com a arrogância e a falta de respeito. Vira rotina o cara tratar a empregada como se ela fosse um animal. É isso o que o clipe mostra.

Você assistiu Que horas ela volta, filme da Anna Muylaert? Assisti e achei emocionante. Toca a gente o tempo inteiro porque tem uma identificação. A minha avó veio da Bahia com 17 anos e trabalhou em casa de família. Meu pai foi criado em casa de família. Conheço várias mães iguais à retratada no filme. Sou da geração da Jéssica [filha da empregada doméstica Val, interpretada por Regina Casé], minha mãe [a empresária Eliane Dias] bota essa responsabilidade: “Vai lá, filho, quero que você estude e trabalhe”.

Como foi fazer o filme Na quebrada? Nunca tinha atuado na vida, sou tímido, não gostava nem de apresentar trabalho na época do colégio. Fiz uns 40 dias de preparação com o Márcio Mehiel, do Ateliê de Artes e Ofícios, em Perdizes. Conversei com o Nelson, que inspirou o meu personagem, Gerson. São histórias que a gente que mora na periferia está acostumado a ver: o filho que tem o pai preso, a mãe que leva o jumbo na prisão, a menina que é órfã.

Você já foi abordado pela polícia na rua? Sou abordado quase semanalmente. Aqui na periferia os PMs são muito mais ostensivos do que do outro lado da ponte. E tem o atrito entre o Racionais e a polícia. Evito falar que sou filho do Mano Brown por medo de me prejudicarem, forjarem alguma coisa. Porque se eu tô sendo abordado aqui e o meu carro tá ali, é fácil eles colocarem alguma droga e me acusarem. Tenho que estar sempre esperto e ligeiro. Uma palavra errada é um tapa na cara.

Você abriu com mais três amigos a marca de roupas e acessórios Müe. Qual é o significado do nome? É uma gíria aqui da zona sul que significa ser bom no que você faz. Se vou fazer uma prova, vou 'mue' na prova, vou estourar, dar o meu melhor. Vale pra qualquer coisa.

Qual é a ideia da marca? Passar nosso lifestyle, nossa vivência, as músicas e os ídolos. Vamos lançar agora a coleção de 2016. As camisetas e os bonés são vendidos na loja do site da Boogie Naipe, nos shows dos Racionais em São Paulo e no interior e na loja de roupas da Fundão, no Capão Redondo. Agora queremos expandir, tentar levar para Los Angeles e Nova York.

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Tem uma camiseta da Müe chamada Marighella. É seu ídolo? É, o Marighella [político e guerrilheiro que lutou contra a ditadura militar nos anos 60] é uma inspiração porque foi um cara que lutou pelos mais fracos, pelos mais pobres e pela liberdade de expressão. Fizemos em homenagem a ele e à música dos Racionais chamada “Mil Faces de um Homem Leal (Marighella)”. 

Teu pai opina sobre as roupas? Ele é o nosso modelo. Eu pergunto: “E aí, como é que essa camiseta tá caindo no corpo? E essa estampa?”. Criamos as peças pensando no que a gente gosta de vestir.

Tem outra camiseta chamada Smoke (fumaça). É,  faz parte do lifestyle da marca, os moleques gostam de fumar um. Müe também é gíria pra fumar um beque.

Você é a favor da descriminalização das drogas? Em relação à maconha, sim. Tem gente presa por causa de um baseado, não tem por que isso acontecer. Os moleques vendem maconha com 12, 13 anos na biqueira, correndo um monte de riscos. Descriminalizar a maconha hoje ia resolver um monte de problemas relacionados ao tráfico de drogas no país.

Vai lá: www.boogiestore.com.br

 

 

Créditos

Caio Palazzo

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