O quebrador de tabus

por Juliana Sayuri

Entrevistamos Guilherme M, administrador da Quebrando Tabu, uma das páginas mais influentes na internet brasileira

A campainha tocou. Eduardo Jorge, ex-candidato à Presidência pelo PV, abriu a porta de sua casa na Vila Mariana, em São Paulo, vestindo pijamas. O político mostrou as árvores que cultiva no jardim para seu convidado naquela tarde de agosto de 2015, um menino de jeans e camiseta e cachos rebeldes que queria convidá-lo para um debate sobre drogas para alavancar uma campanha de financiamento coletivo da página Quebrando o Tabu: Guilherme M.

Eduardo ouviu a proposta, abriu a carteira e disse: “Tá, topo. É R$ 150 que custa? Te dou, mas não sei se vou poder assistir ao debate, não”. Guilherme riu e pegou o ex-deputado pelo braço: “Putz, peraí, volta tudo, o senhor não entendeu. Não quero seu dinheiro. Só quero que você vá ao debate”. Guilherme saiu de lá com um potinho de adubo orgânico e um “sim” de Eduardo Jorge para participar do primeiro encontro realizado pelo Quebrando o Tabu, que reuniria, além de Eduardo Jorge, Fernando Henrique Cardoso, Drauzio Varella, Gregorio Duvivier, Jean Wyllys e Mônica Bergamo num galpão em Pinheiros.

FHC foi convidado primeiro por email, depois durante uma conversa no apartamento do ex-presidente. Duvivier, por WhatsApp. “Cara, consegui. E eu não conheço ninguém. Imagina, quem sou eu?! Mas não teve segredo. Isso aprendo cada vez mais: dá pra fazer uma coisa muito legal, muito louca, só tentando”, diz Guilherme, social media mineiro de 28 anos, responsável pela página que se tornou um fenômeno no Facebook.

LEIA TAMBÉM: Os vigilantes da Lava Jato

Quando a página do Quebrando foi lançada para divulgar o documentário Quebrando o Tabu, em 2011, ela tinha 10 mil curtidas, se tanto. A história de como surgiu a ideia do filme é famosa: o diretor do doc, Fernando Grostein Andrade, quis produzir o documentário após ver diferenças do impacto das drogas na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, e num coffee shop de Amsterdã, na Holanda. “Uma diferença brutal: num canto do mundo, uma zona de guerra. No outro, um café casual”, lembrou o cineasta durante uma entrevista na produtora Spray Filmes.

Guilherme era produtor na Network Brasil, sócia da Spray Filmes. Quando veio a ideia do documentário, o influenciador decidiu desengavetar a página, em 2013. De lá pra cá, a Quebrando o Tabu extrapolou a discussão sobre a guerra às drogas (questão-chave do documentário), passando a abordar temas como feminismo, racismo e violência. Em maio de 2015, atingiu 1 milhão de seguidores; um ano depois, saltou para 4 milhões. “O bagulho ficou sério”, Guilherme postou, quando a página ganhou o selo de autenticidade no Facebook.

Era um hobby, virou um trabalho. Atualmente, Quebrando o Tabu é uma das páginas mais influentes na internet brasileira. Segundo a métrica do Facebook, na semana passada, por exemplo, o Jornal Nacional (líder no ranking com 7,8 milhões de seguidores) atingiu a marca de 183 mil engajamentos (interações como curtidas, comentários e compartilhamentos de um post). Quebrando o Tabu teve 2,9 milhões de engajamento, quer dizer - 16 vezes mais.

Para Bruno D’Angelo, especialista de estratégia criativa da Agência Ideal H+K Strategies, o trunfo da página é a autenticidade. “Não há número mágico para definir o que é sucesso. Esta página reúne três características: interesse, likes e relevância. E reflete as discussões, os tabus, do presente. O cara entendeu a ferramenta Facebook”, analisa D’Angelo, que não conhece Guilherme. 

LEIA TAMBÉM: Renato Janini Ribeiro: "O Escola Sem Partido tem erros sérios"

“Um moleque postando sobre maconha, feminismo, homofobia. Louco, né?”, diz Guilherme, garoto discreto e despretensioso, invariavelmente de tênis, moletom e camiseta. Ele nasceu em São Sebastião do Paraíso, Minas Gerais, “uma cidade de 60 mil habitantes, antiga, católica, conservadora, tipo novela de época das 6 da tarde”, como ele mesmo define.

Adolescente rebelde, fã de Kurt Cobain, filho de uma educadora, Guilherme estudou num colégio de freiras, onde era visto como o “maconheirinho” do ginásio. Fama injusta, diz. “Nunca me encaixei nessa cidadezinha. Não me encaixar e querer ver as coisas de outro jeito moldou meu estilo de trabalho”, conta ele, que angariou R$ 69 mil (dos R$ 100 mil pretendidos) no financiamento coletivo inicial. A grana está sendo investinda para produzir conteúdo e bancar o próprio salário desde que pediu demissão da produtora para se dedicar apenas à fanpage, em novembro passado.

Formado em publicidade pela Cásper Líbero, Guilherme passou pela Conspiração Filmes e depois foi para a Network Brasil. “Não sou jornalista, não sou hacker, não sou especialista em nada. Absolutamente nada. Sou só eu”, afirma, sem falsa modéstia, durante uma conversa no seu apartamento em Pinheiros.

“Cara, por exemplo, o que é droga? Gosto de fazer essa pergunta na página, porque dá um ‘tilte’ na cabeça das pessoas. Tipo, açúcar é droga? Aí vão dizer: ‘oh, o cara dizendo que açúcar é droga, que viagem’. Mas vicia? Vicia. Faz mal? Faz. Mata? Mata”, diz. “Treinei esse olhar na discussão das drogas e fui levando pra outros temas. Quero levantar questões — não sei se açúcar faz mais mal que maconha, mas é pra pensar. Quero que a página ajude as pessoas a diminuírem suas certezas, que fiquem abertas pra duvidar.”

Pró-minorias, a página ficou famosa pelas posições progressistas. “Devo ter sido um dos primeiros assinantes da página”, brinca Jean Wyllys. “Ela representa uma nova expressão do ativismo no contexto das mídias sociais. É interessante a perspectiva progressista, sem discurso único ou dogma, tanto que Quebrando o Tabu recebe críticas da extrema direita (que considera a página esquerdista) e da esquerda clássica (que critica as posições liberais)”, diz o deputado federal do Psol. Alvo de críticas de Rodrigo Constantino, Quebrando o Tabu “inspirou” inclusive seu extremo oposto, Desquebrando o Tabu (que conta 350 mil curtidas).

LEIA TAMBÉM: Os tipos mais irritantes da crise política

“É uma coisa nova. Uma luz progressista nesse breu reacionário que se transformou a internet. Sempre iluminou minha timeline, com muito humor”, comenta Gregorio Duvivier.

Em agosto de 2014, Quebrando o Tabu teve uma de suas primeiras vitórias. Na época das eleições, Guilherme fez um post crítico a Matheus Sathler, candidato a deputado federal, que propôs o “kit macho” para “ensinar menino a gostar só de menina”, convocando seus seguidores a criticar o político homofóbico na página do PSDB-DF. Dias depois, a assessoria do partido mandou um inbox para a página, rechaçando o comportamento do candidato, cujo material de campanha foi recolhido.

Apesar de atrair atenções de militantes de direitos humanos e movimentos de esquerda na página, Guilherme passa longe do perfil do típico ativista. Até agora não decidiu se o que aconteceu foi golpe ou impeachment, por exemplo. “Não sei. Leio um post de alguém que confio, e acho que é golpe pra caralho. Aí desço um pouquinho a timeline e leio outro post e penso ‘putz, isso não é golpe, a presidente era uma maluca’ e por aí vai. Não sei se é golpe, ou não, ou é. É foda.”

Ao buscar “quebrando o tabu” no Google, a primeira indicação de autopreenchimento é “dono”. Nas teorias de conspiração, surgem os suspeitos de sempre — e outros fora do eixo: uns pensam que a página pertence ao PT; outros ao PSDB, pois FHC estrelou o documentário. “E uns bolsominions pensam que a página é do Pablo Capilé. Um dia encontrei o cara na rua e me apresentei — e ele contou que muita gente vai no inbox dele pra xingar por causa da página!”

“Ela pertence à Spray Filmes e ao Guilherme”, afirma Grostein, que costuma definir a linha de seus filmes como o combate ao 'obscurantismo'. “Gui é extremamente sensível. É um cara genial, inquieto, que imprimiu na página essas ideias.” Meio-irmão de Luciano Huck, Grostein é um tipo de “tutor” de Guilherme, oferecendo orientações e uma bela ajuda no networking.

Quando o Quebrando o Tabu começou a crescer, Guilherme decidiu convidar colaboradores que garimpou na internet para escrever posts sobre determinados temas – todos pro bono. Vieram assim o poeta Fábio Chap, a editora feminista Mariana Varella, o pastor Henrique Vieira (Psol), a ativista Alessandra Orofino (MeuRio), o publicitário Bruno Scartozzoni e a jornalista Rebeca Lerer (Anistia Internacional). Às quintas escreve o economista Humberto Laudares – “acho que ele é mais ‘liberal’, acho que é essa a palavra, né?”, indaga Guilherme, que procurou o organizador do #VemPraRua para equilibrar a página, para não ficar tão “vermelha”. “Cara, gosto da sua página, mas não concordo com tudo. É isso que eu quero”, define o administrador.

O produtor nunca recebeu inbox de desconhecidos no perfil pessoal. “Quase ninguém sabe que eu sou eu e o Quebrando o Tabu”, justifica. Mas, nos bastidores, Guilherme está num relacionamento sério com 4.633.156 pessoas — e contando.

Créditos

Imagem principal: Juliana Sayuri

fechar