Potência da MPB com mais de 800 discos gravados, o arranjador e violoncelista fala do brilhantismo de Caetano Veloso, das críticas que Tom Jobim enfrentou e da cultura no país
“A música é muito multifacetada e rica; sempre quis experimentar de tudo. Por isso que já trabalhei com tantas pessoas diferentes”, conta o instrumentista e arranjador Jaques Morelenbaum, potência da música brasileira que participou de mais de 800 discos em sua carreira. De Tom Jobim a Ira!, de Gilberto Gil a banda de rock progressivo A Barca do Sol, Jaques já fez de tudo, mas confessa que no sertanejo não se empolgou muito: “São arranjos muito bobinhos”.
Beatlemaníaco quando jovem e filho de músicos eruditos, Jaques foi dissuadido pelo pai a seguir a linha profissional da família, mas após um ano cursando economia ele não pôde mais negar as suas raízes. No início, ainda pensava em ser famoso e vender milhões de discos, mas a realidade bateu rápido e os estudos se intensificaram. Como talvez o único violoncelista pop no Brasil dos anos de 1970, Jaquinho – como é conhecido – permeou a MPB, ficou ao lado de Tom Jobim por dez anos e trabalhou com Caetano por 14.
Apesar da extensa carreira, confessa que viver de música no Brasil é difícil. “É uma vida cheia de ondas. Mês que vem vou fazer vinte shows e dar uma respirada, mas durante a pandemia eu precisei tirar dinheiro de debaixo do colchão para sobreviver.”
Em um papo com o Trip FM, Jaques Morelenbaum contou sobre o brilhantismo de Caetano Veloso, opinou sobre as críticas que Tom Jobim enfrentou no Brasil e ainda falou sobre fama e bebida. Confira um trecho abaixo, ou ainda escute o programa inteiro no play ou no Spotify.
Trip. Já ouvi o Caetano Veloso se definindo como um instrumentista menor. No estágio em que ele chegou é possível avaliar isso ou já estamos em um campo muito subjetivo?
Jaques. É muito subjetivo. A criação, as composições, o canto, a luz que emana do Caetano é tão brilhante e toca tanto as pessoas que os detalhes não são importantes. Para todos, é claro, menos para ele. Eu sei que, como músico, o artista está sempre em evolução. E quanto mais genial é o músico, mais ele sabe o quanto falta para atingir o que quer atingir. A gente está sempre procurando melhorar. O Gilberto Gil tem uma facilidade para tocar o violão que é absurda, algo que o Caetano não tem tanto. Por outro lado, ele tem uma facilidade para construir paraísos artísticos que supera qualquer coisa. Ele tem um ouvido privilegiado, apesar de não ter tido uma educação formal.
Você já fez muitos trabalhos, mas imagino que não seja reconhecido em um shopping, por exemplo. Você já procurou esse tipo de fama? Como beatlemaníaco, quando jovem, eu provavelmente procurei ser famoso. Havia um sonho de vender milhões de discos. Quando isso não aconteceu, eu caí na real e resolvi estudar. Como eu era violoncelista e arranjador, ou eu ficava famoso como parte de um grupo ou eu partia para estar muito bem preparado. Quando me lancei profissionalmente, acabei sendo chamado por todo tipo de músico porque naquela época eu deveria ser o único violoncelista pop do Brasil, mas sempre ao lado de um grande nome: Tom Jobim, Caetano, Gil, Gal... Dentro da cena pop ou você é cantor e compositor ou você aceita a condição de ser um coadjuvante. Eu me satisfiz com isso.
Você já gravou todos os estilos musicais, inclusive sertanejo, o maior fenômeno do Brasil já há algum tempo. Como você vê isso? Eu sempre aceitei todo tipo de trabalho como forma de aprender música e aprender sobre a vida. Mas te confesso que nunca me senti atraído pelo sertanejo. Me desculpem aqueles que gostam, mas para mim é um pouco básico demais, bobinha. Não me empolga. Eu vejo esse Brasil do Villa-Lobos, do Tom Jobim, do Milton Nascimento, Caetano e Gil desperdiçado por uma elite que sempre se esforçou para não educar o povo. Vivi a ditadura e percebi como a deseducação sempre foi usada como forma de dominação. O Brasil é tão querido e admirado lá fora como fonte de energia criativa, algo que fica desperdiçado aqui.
Créditos
Imagem principal: Roberto Cifarelli / Arquivo pessoal de Jaques Morelenbaum