por Ana Maria Peres
Trip #182

Enquanto a maioria não tira a bunda do sofá, jovens ativistas vão atrás do que acreditam

Enquanto a maioria não tira a bunda do sofá e a cabeça da letargia, eles usam bumbos, bicicletas, vídeos e a internet para perseguir o que acreditam. Para os menos ligados, ações ingênuas e pouco abrangentes. Para eles, na tal era da informação, o poder, que já esteve com Igreja, governos e corporações, agora escorre para as mãos de cada um com disposição para se mexer e ser honesto com as próprias convicções

Felipe Lima, 18 anos, e Luciana Yamamoto, 35
Eles não são dois, são nove. Fazem questão de dizer. Integram o coletivo Corposinalizante, formado por jovens surdos e artistas que se conheceram no Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde se encontram semanalmente. Felipe e Luciana frequentam um curso que prepara educadores para exposições, utilizando a língua brasileira dos sinais. No decorrer dos encontros, alimentaram uma revolta com arte e fizeram o vídeo Atrás do mundo (www.youtube.com/corposinalizante), um registro da reivindicação do grupo por legendas nos filmes nacionais. De câmera em punho, visitaram a Rede Globo e a Columbia Pictures à procura dos responsáveis. Ainda sem previsão de resposta, continuam pedindo legendas por meio de cartazes e intervenções urbanas. Em novembro de 2007, também participaram de uma passeata na avenida Paulista, com mais de 2 mil pessoas. “O governo queria fechar as escolas especiais para surdos, nos obrigando a entrar em escolas comuns. Fomos contra essa rejeição da cultura surda.”

André Pasqualini, 35 anos

Criador do site CicloBR, origem do recém-inaugurado Instituto CicloBR de Fomento à Mobilidade Sustentável, o programador André Pasqualini passou de biker a cicloativista há cinco anos, à medida que o movimento sobre duas rodas crescia nas metrópoles. Sua briga foi ampliada em defesa dos pedestres, do rio Tietê e da melhora do transporte público, razão pela qual ele cobra quase diariamente a Secretaria de Transportes e a do Meio Ambiente de São Paulo. Há tempos divulga e participa de todas as manifestações ligadas ao trânsito limpo, incluindo a Bicicletada, o Dia Mundial sem Carro e a World Naked Bike. Nessa última, em 2008, André foi o único pelado que foi preso na avenida Paulista. Um ano depois, bem vestido, deu palestras para motoristas de ônibus sobre normas, leis e procedimentos para não passar por cima dos ciclistas no trânsito.

Carlos Travassos, 29 anos

Filho de militantes políticos – seu pai, Luiz Travassos, já falecido, foi presidente da UNE em 68; sua mãe, a socióloga Marijane Lisboa, trabalhou por dez anos no Greenpeace –, Carlos Travassos não nega o sangue. Geógrafo indigenista, é chefe de posto da Funai numa reserva de indígenas isolados, em Tapauá, sul do Estado do Amazonas. Essa história começou aos 27 anos, quando largou o emprego e o casamento para trabalhar como auxiliar na Frente de Proteção Etno-Ambiental Vale do Javari, no Alto Solimões, fiscalizando a caça e a pesca ilegais. Hoje defende “a opção de isolamento físico e cultural do povo suruwahá”, etnia pela qual trabalha, assim como a garantia do território dos povos isolados em geral. Para chegar à reserva, são sete dias de barco. Costuma passar cinco meses lá, depois fica um mês na cidade. “Aqui há um grupo de evangélicos infiltrados que procura transformar índios em pastores. Proselitismo religioso não dá.”

Tica Moreno, 25 anos
“João, cozinha seu feijão. José, cozinha se quiser.” Se você ouvir essa frase gritada em meio a uma batucada, é passeata da Fuzarca Feminista, da qual Tica faz parte. Parece brincadeira, mas o negócio é sério: ligado ao movimento Marcha Mundial das Mulheres, o Fuzarca contamina as manifestações com lambe-lambes, percussão e refrões do tipo “nossa luta é todo dia, nosso corpo não é mercadoria” ou “se o Papa fosse mulher, o aborto seria legal”. Tica desfia o verbo: “Há uma exploração cotidiana. Segundo uma pesquisa de 2007, por exemplo, 63% das mulheres ocupadas no Brasil ganham até dois salários mínimos, menos do que os homens. O padrão de beleza moderno incentiva o abuso de remédios, e a violência sexual ainda existe. A mulher tem de ter autonomia sobre o corpo e sobre a própria vida”, enumera a socióloga, que trabalha na Sempreviva Organização Feminista.

Peetssa, 32 anos
“Na hora em que der pau, só sobrevive quem souber plantar e produzir energia com as próprias mãos.” O fotógrafo e ativista Peetssa está certo disso. Tanto que, mês passado, inventou um pequeno gerador eólico com garrafas PET e o expôs na galeria Olido, em São Paulo, na mostra “Olho da Rua”. “O morador de rua pode empurrar a carroça o dia todo com esse gerador acoplado. À noite, ele tem energia para acender uma lâmpada ou esquentar a marmita.” O paulistano, artista e autodidata, participa do coletivo Contrafilé, do E.I.A. (de Floriana, abaixo) e de outros projetos por aí. Integra a brigada de incêndio florestal da chapada Diamantina, o Grupo Voluntário de Busca e Salvamento do Polo Petar, estuda técnicas de construção sustentáveis e está erguendo um galpão de bambu para uma comunidade em Iporanga, São Paulo. Nesse local, irá implantar geradores elétricos independentes, feitos com bobinas de cobre e rodas de bicicleta. “Transformo as coisas que encontro no caminho.”

Floriana Breyer, 26 anos
Fiorela Verdi é o nome de guerra da artista plástica Floriana Breyer, ou Flor, para os íntimos. Membro de diversos coletivos e cofundadora do grupo Experiência Imersiva Ambiental, conviveu por três anos com os moradores do edifício Prestes Maia, ex-palco de ocupação do Movimento dos Sem-Teto do centro de São Paulo, realizando oficinas e intervenções. Desde 2004, o E.I.A. promove debates e festivais de arte para propor novas formas de interação com o espaço público, fora do eixo dos museus e galerias. Já promoveu o Splac, Salão de Placas Imobiliárias, que consistiu na retirada dos anúncios de imóveis que ocupavam ilegalmente as ruas para a criação de obras de arte, e também realizou uma caravana pelos 27 Estados brasileiros, mapeando a produção de arte marginal do país. Agora, se dedica à pesquisa de moradias sustentáveis (www.estudodecasa.blogspot.com).

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